segunda-feira, 7 de maio de 2018


VIAGEM A CARTAGENA DE ÍNDIAS


Em abril deste ano da graça de 2018 passamos, Rosi e eu, uma semana em Cartagena, na Colômbia, também chamada Cartagena de Índias, para diferenciar da cidade espanhola homônima. As Índias naturalmente são as ocidentais, não aquelas que Colombo pensou ter alcançado, sem imaginar que havia entre a Europa e a Ásia um outro continente... 

Cartagena é muito antiga. O ano de sua fundação é 1533 (mas já em  1501 o local fora visitado). Ao entrar na chamada Cidade Amuralhada, seu centro histórico e o principal atrativo da cidade, o turista logo depara com a estátua de seu fundador, o espanhol D. Pedro de Heredia.

Está situada, como se sabe, no extremo-norte da América do Sul, na costa do mar do Caribe. Era por esse porto que os colonizadores espanhóis exportavam para a Europa o ouro e a prata extraídos do continente.  Daí a cobiça dos piratas que a atacaram muitas vezes, apoiados pelas monarquias inglesa e francesa, cujos reis não concordavam com a exclusividade espanhola quanto à pilhagem da região. Isso explica também o apoio que deram a esses ladrões do mar, mostrando que os princípios morais, sob o capitalismo, são sempre relativos e estão subordinados aos interesses econômicos... Dentre os ataques piratas mais notáveis, destacados na historiografia, são citados os de Francis Drake (1586), Barão de Pointis (1697) e almirante Edward Vernon (1741). 

Os frequentes assaltos dos piratas, assim, determinaram, ao longo do tempo, a construção de muros (e fortes) em torno da cidade. Sua. extensão, segundo os guias turísticos, alcança 11 km. Fora da Cidade Amuralhada, encontra-se o maior forte da América colonial, o de San Felipe de Barajas, que data de 1657. Também está fora dela o Convento Santa Cruz de la Popa, de 1606, situado no ponto mais alto da cidade, de onde se pode ter desta uma boa vista panorâmica. Na entrada do forte de San Felipe foi colocada outra estátua, a de Blas de Lezo (1689-1741), o herói espanhol que perdeu um olho, u’a mão e uma perna lutando contra os piratas (!). Como se vê, é um personagem bem característico do realismo mágico da literatura latino-americana...

Em frente ao forte de San Felipe de Barajas 

O acesso à Cidade Amuralhada se dá pela Torre del Reloj. Entrando por aí o visitante encontrará a plaza de los coches (ou das charretes), um mercado de doces, o pátio da Aduana, a plaza Santo Domingo, a plaza Simón Bolívar, a Igreja de S. Pedro Claver etc  Essa igreja foi fundada pelos jesuítas no século XVII e abriga os restos mortais do santo que lhe dá o nome, chamado “o escravo dos escravos”, falecido em 1654 mas só canonizado em 1888... 

Na plaza de los coches situava-se o antigo mercado de escravos. A importação de negros da África -- importante sempre nas áreas econômicas muito rentáveis, que compensavam tal importação -- deve ter sido expressiva aqui, a julgar pela forte presença de elementos dessa nobre raça na cidade.  A propósito, retive na memória uma caracterização interessante de Cartagena de Índias feita por um dos guias turísticos que li: “É uma eclética mistura de gostos e sons caribenhos, africanos e espanhóis”. O guia faz essa afirmação após informar que se trata da maior atração turística da Colômbia...

A plaza de Santo Domingo é um local muito aprazível para descansar, e tomar uma cerveja, que cai bem nesse calor de mais de 30º e após se andar muito por esse centro histórico, onde os carros, felizmente, não circulam. Ou para tomar um mojito nos cafés cubanos existentes na cidade. Aliás, sente-se a presença de Cuba não só nesse campo mas também na música e até nos vendedores ambulantes, tão numerosos na cidade, que vendem, dentre outras mercadorias, os famosos charutos Cohiba.  Na plaza Santo Domingo encontra-se “La Gorda Gertrudis”, do colombiano Botero, e estão presentes as “palenqueras”, figuras típicas, mulheres vendedoras de frutas,  vestidas com as cores da bandeira da Colômbia (amarelo, azul e vermelho).  

"La Gorda" de Botero
Duas palenqueras. 

Em outra praça, a Simón Bolívar, bem arborizada, há uma estátua do Libertador e uma casa grande, imponente, em que ele morou. Possui sacadas, como muitas outras desse centro histórico, antigas residências dos homens ricos da cidade. Localiza-se aí a Catedral e também o Palácio de la Inquisición/Museo Histórico de Cartagena, cujo interesse maior é o do próprio prédio, característico da arquitetura barroca de sua época. A Inquisição, associada à forte presença da Igreja na região, além da pirataria e escravatura, são  tristes lembranças do seu passado colonial... 

Para o deslocamento na região, há duas possibilidades para o turista, uma vez que não há transporte coletivo: o serviço de táxi e o ônibus de dois andares Hop On, Hop Off, esta a opção mais conveniente.  O ônibus  faz o city tour pela cidade, abrangendo todo o trajeto da Cartagena turística, desde a Cidade Amuralhada passando por Bocagrande até o Laguito e retornando para o centro histórico. Passa por belos locais como o Muelle de los Pegasos, com as esculturas imponentes desses animais alados mitológicos. Na ida, o ônibus vai pela avenida que beira o Mar do Caribe e na volta, vem pela avenida junto à Baía de Cartagena (Bocagrande é uma estreita faixa de terra situada entre o Mar e a Baía). Há uma série de pontos de embarque e desembarque ao longo do trajeto do ônibus e o pagamento de 45 mil pesos colombianos por pessoa (aproximadamente, 60 reais) dá direito ao passageiro de utilizá-lo durante dois dias, descendo, ou embarcando, à vontade, em qualquer um dos pontos predeterminados, conforme uma tabela de horários, de 45 em 45 minutos, durante o dia.  

Há um outro ônibus, aberto  (ônibus colorido “chiva”) que leva o pessoal para as casas noturnas, em que os passageiros se contagiam com a música  alta dentro dele e o clima festivo.  

O pequeno hotel Charlotte em que nos hospedamos localiza-se em Bocagrande (na avenida San Martin, paralela à beira-mar) e situa-se entre muitos restaurantes, lanchonetes, farmácias etc e também entre dois cassinos e um bingo.  

Segundo li, “O bairro de San Diego e a Plaza Santo Domingo são talvez os locais que melhor capturam a sedução da cidade”. Por isso, para conhecer esse bairro, pegamos o ônibus Hop On, Hop Off e descemos no ponto próximo à casa-museu Rafael Nuñez, um casarão confortável e avarandado em que no passado viveu esse ex-presidente colombiano e hoje dedicado à sua memória.  Dali, partimos para conhecer o bairro, localizado na porção leste da Cidade Amuralhada. Depois de passar pela casa de Gabriel Garcia Márquez (que não está aberta ao público e hoje pertence aos seus herdeiros), entramos num café retrô reproduzindo a Cuba dos anos 40 (quando a ilha era um bordel dos EUA...) e provamos, para entrar no clima, um autêntico mojito

Reservamos um dia para visitar a playa Blanca e as Islas del Rosario.  A praia dista uma hora de Cartagena, com acesso precário, barracas simples. É uma praia ainda não explorada pela especulação imobiliária, talvez porque a área esteja preservada pela legislação local. Quanto às Islas del Rosário, trata-se de um conjunto de 27 ilhas, Fizemos questão de incluir esse passeio em nossa programação para ter uma ideia, pelo menos, da cor das águas do mar do Caribe, uma vez que o mar junto à cidade de Cartagena não é muito diferente dos que conhecemos por aqui. É realmente de um azul muito bonito, e suas águas, no ponto onde o barco parou, eram transparentes...  Numa das ilhas visitamos um “Oceanário” interessante, onde golfinhos dão um show, há  diferentes peixes, tartarugas gigantes, e os tubarões são  “amestrados”, chegando perto e se afastando do treinador ao seu comando... 

Uma contrariedade que tive nesse passeio. O barco que utilizamos, lotado, com todos os assentos ocupados (e que às vezes nos deu um pouco de medo), não tinha salva-vidas para todos os passageiros. De modo que viajei sem ele... 

Para concluir, uma palavra sobre os inúmeros vendedores, fixos e  ambulantes, que estão muito presentes na cidade e pressionam à exaustão os turistas que por aí passeiam. São vendedores de chapéus (uma necessidade ali, pelo sol inclemente), anéis, colares, souvenires, doces, frutas, “hormiga culona”, serviços turísticos e outros... Para se ter uma ideia da situação, quando tomávamos cerveja à beira-mar uma mulher nos abordou simpaticamente, conversando muito, e acabou me fazendo, sem que eu concordasse, uma massagem nas pernas e braços com óleo de oliveira... exigindo pagamento depois, naturalmente. É claro que os turistas são a única fonte de sua renda. Por isso, são tão  insistentes e praticamente nos obrigam a consumir seus produtos, fazendo com que você os consuma sem querer (ou para se livrar deles) e depois exigindo pagamento.  Mas obviamente isso é um reflexo do subdesenvolvimento do país (assim como o é, por exemplo, a falta de fiscalização quanto ao uso de salva-vidas nos barcos referido acima). Embora a Colômbia apresente uma atração turística excepcional como Cartagena, que é, como se diz, um “museu ao ar livre”, não pode isolá-la do seu contexto social, apenas por que isso é conveniente para o nosso conforto, de turistas egoístas...

As botas de Blas de Lezo


Dentro da Cidade Amuralhada 



Rosi em Cartagena, fora do centro histórico.