domingo, 3 de março de 2024

“HEIDEGGER- Anatomia de um Escândalo”

“HEIDEGGER- Anatomia de um Escândalo”, de Francois Fédier (Vozes, 1989) é um livro interessante por buscar compreender a adesão do filósofo ao Nazismo durante um curto período quando esse partido ascendeu ao poder na Alemanha. Nessa época, Heidegger tornou-se reitor da universidade de Freiburg, assumindo tal cargo em abril de 1933 e o deixando em fevereiro de 1934, vale dizer, por menos de um ano, já decepcionado com esse movimento político. O filósofo todavia até o fim de seus dias, em 1976 (ele nascera em 1889), terá que conviver com essa mácula, agravada pelo seu silêncio com relação ao fato no pós-guerra e anos posteriores, até a sua morte. François Fédier, que esteve várias vezes com Heidegger, dá o seu testemunho a respeito dele, sem esconder a sua admiração, mas procurando ser justo com relação aos fatos, apresentando-os honestamente, sem distorcê-los, como faz na sua opinião Victor Farías, autor de “Heidegger e o Nazismo”, lançado em 1987. Na realidade, toda a primeira parte do livro é dedicada a rebater, ponto por ponto, as acusações desse autor, fazendo-o de modo convincente. Na segunda parte, Fédier, sem justificá-la, busca compreender a posição de Heidegger naquele curto período, ao qual se seguiram dez anos de domínio nazista em que o filósofo, corajosamente, defendeu posições críticas a ele em sua atividade docente.

segunda-feira, 20 de novembro de 2023

ESCRAVIDÃO, de Laurentino Gomes

Em "Escravidão", v. III (Globolivros, 2022), Laurentino Gomes conclui a sua trilogia sobre o tema mais importante da história do Brasil. Inicia, no v. I, por referir-se às suas origens entre nós (séculos XVI e XVII), aborda, no v. II, o século XVIII e neste v. III o séc. XIX, até a Lei Áurea. Deve-se dizer que o autor se sai muito bem da empreitada a que se dedicou. Segundo Laurentino, nosso país importou 4,9 milhões de negros escravizados da África desde o descobrimento até 1850, ano em que cessa efetivamente o tráfico (em termos legais, ele já estava proibido desde 1831, por uma lei que não pegou, feita "para inglês ver"). Essa importação de gente para o Brasil ocorreu a partir de Angola e áreas próximas (70%) além de Benin, Togo e Nigéria, basicamente (30%). Mas isso não significa, como salienta, que os escravos eram todos nativos dessas regiões. Eles poderiam ser oriundos de áreas mais interioranas dentro do continente africano porém exportados pelos portos desses países. A entrada no Brasil de tão significativo contingente populacional condicionou profundamente a nossa sociedade, não só em termos demográficos (pois hoje mais de 50% da população brasileira se define como negra ou parda) mas também em termos sócio-econômicos, uma vez que explica a condição miserável de significativa parcela da população, dadas as peculiaridades do nosso caso (o país foi o último do mundo a abolir a escravidão). Em 1888, com a Lei Áurea, o país deixou de ter escravos de um dia para outro. Não houve indenização aos seus proprietários (como era requerido por eles, em respeito ao “sagrado” direito da propriedade privada), indenização essa questionada por muitos, haja vista a exploração do trabalho a que estiveram submetidos por anos a fio. A emancipação ocorreu sem que fosse assegurada aos ex-escravos a sua autossuficiência econômica por meio de uma reforma agrária, tema levantado na época por muitos intelectuais respeitados. Além de não se fazer tal reforma, agiu-se no sentido inverso, com a aprovação da Lei de Terras em 1850 que beneficiou os latifundiários e dificultou o acesso a elas por parte dos emancipados! Isso, e muito mais, consta desse livro de leitura obrigatória, bem fundamentado, que se apoia nos melhores estudiosos sobre o tema e numa boa fonte de informações estatísticas. Segundo o próprio Laurentino Gomes, autor de diversos livros sobre história do Brasil, “Escravidão” é a sua melhor obra.

terça-feira, 8 de agosto de 2023

"NOS PASSOS DE HANNAH ARENDT"

“Nos Passos de Hannah Arendt”, por Laure Adler (Record, 2007), é uma biografia (traduzida do francês) dessa pensadora alemã, nascida em 1906 e falecida em 1975. Conforme se lê aí, Hannah foi discípula (e amante) do filósofo Martin Heidegger (1889-1976). Durante toda a vida ela foi muito dependente dele intelectualmente. O fato de Heidegger ter assumido a reitoria da universidade de Freiburg durante o Nazismo, e de o ter apoiado, não a fez romper com ele posteriormente (ela era judia e foi, como outros, perseguida pelos adeptos de Hitler). No livro em que tratou do processo Eichmann (um oficial nazista sequestrado na Argentina nos anos 60 e levado a Israel para ser julgado), ela é mais crítica dos judeus (pela sua passividade e até mesmo colaboração burocrática na organização dos campos de concentração) do que do criminoso nazista, o que causou a revolta das lideranças judaicas. Inicialmente Arendt tinha uma visão crítica sobre o Estado de Israel, mas posteriormente passou a apoiá-lo. Embora admiradora de Rosa Luxemburgo e casada com um ex-marxista (Heinrich Blücher), menospreza Marx, assim como Sartre (enquanto admira Camus). Manteve uma amizade duradoura não só com Heidegger mas também com o filósofo Karl Jaspers (1883-1969), também anticomunista. Hanna emigrou para os EUA, onde se radicou e exerceu o magistério, obtendo inclusive a cidadania norte-americana. Revelou-se admiradora do país, elogiando sua democracia, sem adotar uma visão crítica a respeito da Meca do capitalismo. A biografia em questão apresenta os dados essenciais sobre a vida e pensamento de Hannah mas é pouco crítica a respeito deles, e às vezes muito descritiva, dedicando amplo espaço aos seus deslocamentos nos EUA e Europa.

quarta-feira, 22 de março de 2023

SIMÓN BOLÍVAR

Por que razão Marx foi tão hostil a Bolívar? Aparentemente, porque não o considerava um líder autenticamente popular, dada a sua origem de classe, pois era um "criollo", nascido em uma família de posses. Bolívar, ainda jovem, viajou para a Europa, o que lhe serviu para completar a educação e ampliar sua visão de mundo. Segundo o pensador alemão, ele não merece mais do que desprezo, apesar de ter sido o Libertador de seis países da América (Venezuela, Colômbia, Equador, Peru, Bolívia e Panamá), livrando-as do jugo espanhol (nasceu no primeiro dos citados, em 1783). Não logrou contudo que essas ex-colônias permanecessem unidas, formando um só país (a Grã-Colômbia) como era seu ideal. Em carta a Engels, datada de 14 de fevereiro de 1858, Marx afirma, a certa altura, que “foi demasiado ver o covarde, o mais miserável e mesquinho dos canalhas, descrito como Napoleão I. Bolivar é um verdadeiro Soulouque”. Este foi um antigo escravo que se tornaria presidente e depois imperador do Haiti... A mesma hostilidade Marx mostrará no texto do verbete “Bolívar”, da “The New American Cyclopaedia”, Vol. III, 1858, que lhe coube redigir. Aí ele critica a postura de Bolívar em relação a Francisco Miranda, que lutou pela independência da sua colônia natal. Bolívar contribuiu para a prisão de Miranda, que após alguns anos acabou morrendo no cárcere em Cádiz. Marx cita uma série de outras circunstâncias ao longo da vida política do Libertador que revelariam sua preferência pelo autoritarismo, deixando-se ser aclamado ditador em várias ocasiões, e suas dificuldades em bem exercer a administração pública. O autor de “O Capital” não reconhece assim um possível papel progressista que Bolívar teria desempenhado em nosso continente, pois lutou contra o colonialismo, viveu de acordo com seus ideais e morreu pobre, aos 47 anos, conforme sua biógrafa, Marie Arana, autora de “Bolívar: o Libertador da América”- S.Paulo, Tres Estrelas, 2015, livro que cumpre a função de bem informar o leitor a respeito desse notável personagem histórico, mostrando, de forma imparcial, aspectos positivos e negativos de sua vida.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2023

VIAGEM A BOGOTÁ, QUITO E LIMA (3. Lima)

A terceira capital visitada, nesse nosso giro sul-americano, foi Lima, capital do Peru, uma cidade muito grande, de mais de 10 milhões de habitantes. Chegamos lá no meio da tarde do dia 29 de janeiro (um domingo) e partimos 2 de fevereiro, à noite (quinta-feira). Assim, tivemos quatro dias inteiros para conhecer a cidade. Nosso hotel foi o Kamana, situado na rua Camana (tônica na última sílaba), localizado no centro histórico.
Perambulando pelas áreas próximas ao nosso hotel, pudemos admirar a arquitetura colonial dos prédios da região assim como a fachada da igreja de La Merced, de estilo barroco, igreja essa datada de 1535 (!), tendo sofrido desde então, naturalmente, muitas reformas e reconstruções... Abaixo, eu na frente desse templo religioso e Rosi nas proximidades dele.
Caminhando algumas quadras mais ao Norte, o visitante encontrará a praça central (“Plaza de Armas”), a Catedral, o Palácio do Governo,a prefeitura e outros prédios, como ocorre no centro de outras cidades de colonização espanhola (a Catedral é de 1758 e foi refeita após o terremoto de 1940). Dada a situação política anormal do Peru (recente destituição de Pedro Castilllo e início da gestão da atual presidente Dina Boluarte), a região estava tranquila mas bem policiada (cf grades móveis), certamente para evitar a concentração ali de manifestantes (que vimos ocorrer em outra praça da cidade, quando vínhamos do aeroporto).
Na Catedral de Lima foi sepultado o fundador da cidade-- Franciso Pizarro (1478-1541), cujo esqueleto está à mostra (v. abaixo):
Ainda na Catedral, visitamos, além da sua cripta, o museu anexo.
Perto desse belo quarteirão da praça central situa-se a Pinacoteca Municipal, que visitamos. No momento apresentava uma exposição do artista limenho Francisco “Pancho” Fierro (1807-1879), cujas interessantes aquarelas retratam o povo e os costumes da época.
Explorando o lado Sul em relação ao nosso hotel, no centro da cidade, estivemos em dois museus, próximos um do outro: o Museu de Arte Italiano, segundo o meu guia, presenteado a Lima em 1921 pela comunidade italiana, com telas de artistas só da Itália, a julgar pelos sobrenomes. Também visitamos o Museu de Arte de Lima, próximo dali. Neste, nos impressionou a grande tela intitulada "Os funerais de Atahualpa", de Luis Montero, 1867 (v. abaixo, detalhe):
Para concluir, resta mencionar que conhecemos ainda o Mercado Central de Lima (e o bairro chinês, próximo dele) e contratamos um percurso de ônibus “sight-seeing” pela cidade. Saímos do centro, e percorremos alguns bairros, especialmente os de San Isidro e Miraflores, além da região da praia, com a bela vista do mar, vale dizer, do Oceano Pacífico.
Descobri, no final dessa estada em Lima, que na mesma rua do nosso hotel, caminhando algumas quadras para o Sul, há inúmeros sebos (no mínimo uns dez, um ao lado do outro), para minha alegria. Ali comprei livros de Vargas Llosa, Juan Carlos Onetti, Miguel Ángel Asturias, Alejo Carpentier, Camilo José Cela etc por um preço bem baixo (a propósito, a moeda do Peru é o sol. Um dólar americano equivale a 3,80 soles).
Acima, aldrava de um portão no centro histórico; abaixo, brasão da municipalidade:

domingo, 5 de fevereiro de 2023

VIAGEM A BOGOTÁ, QUITO E LIMA (2. Quito)

Dia 25 de janeiro, quarta-feira, às 23:30 h, chegamos a Quito, capital do Equador. Hospedamo-nos no hotel Plaza del Teatro, no centro histórico. A população de Quito é de 2 milhões de habitantes. Trata-se de uma cidade turística, notável pela preservação de seus casarios antigos. Abaixo, as duas primeiras fotos mostram parte do prédio cor-de-rosa em que está instalado o nosso hotel e a terceira, o teatro Sucre, nas proximidades dele.
Ao longo do período que permanecemos nessa capital (de 25 a 29) percorremos a pé a praça central e adjacências onde se situam a Catedral, o Palácio Presidencial e o Palácio do Arcebispado. Visitamos o Museu Casa de Sucre, dedicada ao marechal Antonio José Sucre (1795-1830), colaborador de Bolívar e “herói da independência hispânica”.
Um destaque dessa Quito histórica que conhecemos é a imponente Igreja de S. Francisco, com suas imagens curiosas (homens sustentando um púlpito; um frade pisando em três cabeças, uma delas coroada).
Na ampla praça, defronte dessa igreja, tomamos um ônibus para fazer um "sight-seeing" pela cidade, não só em sua área histórica mas também pelos bairros, especialmente Mariscal, o mais turístico. Num ponto do trajeto, nosso ônibus parou para nos permitir caminhar um pequeno trecho até o mirante de Panecillo, e desfrutar da vista panorâmica da cidade. Nesse monte há uma grande estátua da Virgem de Quito.
Caminhando pela cidade, deparamos, além do parque Elídio, com um belo monumento a Bolívar, a cavalo, liderando seus companheiros.
Na base desse monumento, consta o seguinte Credo, assinado pelo guatemalteco Miguel Angel Asturias, prêmio Nobel de Literatura: “Creo en la Libertad, madre de America, creadora de mares dulces en la tierra,y en Bolívar, su hijo, señor nuestro, que nació en Venezuela, padeció bajo el poder español, fue combatido, sentiose muerto sobre el chimborazo y con Iris descendió a los infiernos. Resucitó a la voz de Colombia. Tocó al eterno con sus manos y esta parado junto a Dios. No nos juzgues, Bolívar, antes del dia ultimo porque creemos en la comunion de los hombres que comulgan com el pueblo, solo el pueblo hace libres a los hombres, proclamamos guerra a muerte y sin perdon a los tiranos. Creemos en la ressureccion de los heroes, y en la vida perdurable de los que como tu libertador no mueren, cierran los ojos, y se quedan velando”.
A 20 km de Quito, o Equador apresenta um local de visitação obrigatória, denominado Mitad del Mundo, na latitude 0-0-0, que corta o mundo em duas partes, separando o hemisfério Norte do Sul. Subimos pelo elevador existente dentro do monumento até o seu topo e dali apreciamos a bela vista que se descortinava, apesar do vento intenso e frio que nos fustigava. Na realidade, Mitad del Mundo é um parque, onde além do monumento há restaurantes, lojas de artesanato, trenzinho para transportar crianças etc. E é preciso pagar para ingressar nesse parque (a moeda corrente do Equador é o dólar norte-americano).

VIAGEM A BOGOTÁ, QUITO E LIMA (1. Bogotá)

Em 21 de janeiro deste ano (2023), um sábado, iniciamos (Rosi e eu) uma viagem a três capitais da América do Sul que ainda não conhecíamos—Bogotá, Quito e Lima. Agora, deste nosso continente, só falta conhecermos as capitais da Venezuela e Bolívia, além das Guianas. 1. BOGOTÁ Chegamos a Bogotá por volta das 18:50, hora local (duas horas a menos do que no Brasil). É uma cidade muito grande, de 7,5 milhões de habitantes. Após nos instalarmos no hotel Santa Lúcia (calle 18 nº 6-27), saímos para percorrer as redondezas, a pé, para um primeiro contato com a cidade e fazer um lanche. O hotel é um belo prédio antigo, não muito alto, com jardim interno e abundante uso de uma madeira nobre que abrange corrimões, escadas, portas etc. Localiza-se no centro histórico da cidade, sem muito movimento de hóspedes. Fizemos essa opção de localização relativamente às três capitais, dado o nosso interesse pela cultura e tradições locais. Alertaram-nos que a região central dessas cidades, à noite, costuma ser mais perigosa. Mas como não somos notívagos, isso não era problema...
(Acima: Igreja de S. Francisco. Abaixo: Catedral Primada) Na praça Bolívar, bem movimentada, deram a Rosi um chapéu típico e as rédeas de uma lhama para ela segurar, e posar para fotografias. Por isso, cobraram dela 10.000 COP, “nuevos pesos colombianos” (a moeda local). 4.500 COP equivale, aproximadamente, a 1,00 USD.
Uma das principais atrações de Bogotá é o Museu Botero, que reúne 123 obras suas, além de 85 de outros artistas (Corot, Chagall, Picasso etc). Pertenciam ao acervo do pintor, que as doou para o museu em questão, mantido pelo Banco da República da Colômbia. Aproveitei para tirar fotos, associando minha imagem a algumas de suas telas famosas.
Também visitamos o fantástico Museu do Ouro que, segundo o guia “Lonely Planet”, “contém mais de 55 mil peças de ouro e outros materiais das maiores culturas pré-hispânicas da Colômbia”. Outro passeio obrigatório em Bogotá é a visita ao Santuário de Monserrate, no topo de um morro, ao qual se tem acesso por um teleférico. Obtém-se aí uma vista panorâmica da cidade, das suas inúmeras habitações e edificações de muitos andares.
Uns 100 metros antes de se chegar ao local onde se compram os ingressos para os teleféricos (ou funiculares, que estavam na ocasião temporariamente desativados), desce-se à direita por um caminho que leva à entrada da Quinta de Bolívar, onde o Libertador morou por algum tempo. Visitamos também essa quinta, observando o seu mobiliário típico da época nas diversas peças da residência (sala de estar, quarto de dormir e outros aposentos). No amplo quintal da casa há um monumento a Bolívar com seu busto.
Finalmente, nesse giro pela cidade, deve-se mencionar ainda a Plaza de Toros, que só observamos pelo lado de fora, e a visita feita ao Museu Nacional da Colômbia, onde há alguns quadros de Botero.
(Acima, a "Colombiana" de Botero) Para concluir este primeiro tópico, deve-se registrar, para orgulho de um curitibano, que Bogotá adotou o sistema de ônibus biarticulados de Curitiba, em decorrência de serviços de consultoria prestados à municipalidade pelo escritório de Jaime Lerner.