OBSERVAÇÕES SOBRE UM ARTIGO CURIOSO
No artigo abaixo transcrito (*), publicado em “O Globo” de 18.03.2014, o autor (Rodrigo Constantino) sai em defesa dos liberais e conservadores, que não gostam de ser chamados (pela “esquerda radical”) de imperialistas, racistas, fascistas etc. Para se contrapor a esses esquerdistas, arrola uma série de citações de Marx e Engels extraídas do livro “O marxismo e a questão racial”, do cubano (exilado) Carlos Moore (onde, suponho, estão citadas as fontes originais dessas citações) que comprovariam a sua “visão imperialista ariana e racista” ...
Supondo que
sejam fidedignas as citações, é necessário situá-las dentro do devido contexto
histórico e da perspectiva geral adotada por Marx e Engels, que é a da defesa
do maior desenvolvimento do capitalismo e da luta de classes que lhe é
inerente. Eles elogiam o capitalismo, na medida em que esse modo de produção
representa um avanço brutal com relação ao feudalismo, e aos modos de produção
anteriores. Representa um estágio superior de desenvolvimento das forças
produtivas. O capitalismo é superior a todos os outros modos de produção que o antecederam. Mas ele também está condenado a desaparecer, em sua visão,
substituído por um modo de produção mais avançado, que seria o socialista/
comunista, sobre o qual, aliás, Marx escreveu pouquíssimo, ao contrário do que
muita gente pensa. “O Capital” propõe-se a fazer a “anatomia da sociedade
burguesa”, isto é, a anatomia do
capitalismo. Essa lacuna em seu pensamento deu margem a que fosse
utilizado, no século XX, de múltiplas, distorcidas e até criminosas maneiras na
prática pelos que procuraram fazer o seu desdobramento ... O desejado desenvolvimento do capitalismo
explica, nas citações arroladas, o elogio à expansão imperialista dos EUA sobre
o México, a defesa do papel econômico progressista da Inglaterra (então o país
capitalista mais desenvolvido) na Índia, a conquista da Argélia etc. Para Marx e Engels, o avanço do capitalismo,
ao mesmo tempo que requer a destruição de estruturas atrasadas, lança as bases
materiais da sociedade moderna em outras regiões do planeta (a tradição
marxiana sempre viu o mundo de forma globalizada). Trata-se, sim, de uma visão pró imperialista,
na medida em que desejam que o capitalismo se expanda nessas regiões mais
atrasadas, o que significaria para estas também um avanço, face à sua situação
feudal ou de outra natureza. Querem que o capitalismo desenvolva todas as suas
potencialidades, visando a sua substituição futura por um modo de produção mais
avançado, de caráter socialista/ comunista.
A luta de
classes, para eles, era inerente ao processo histórico. Ocorrera em todos os
modos de produção. No capitalismo, a luta era entre a burguesia e a classe
trabalhadora. E politicamente optaram por esta última, que, vitoriosa, levaria
ao advento da nova sociedade. Assim, analisaram sempre as circunstâncias
objetivas da Europa sob a ótica da classe trabalhadora. Entende-se assim a
citação relativa ao posicionamento antifrancês na guerra franco-prussiana.
Acharam que seria melhor para o movimento operário a vitória germânica, uma vez
que a classe trabalhadora alemã estava mais organizada e conscientizada do que
a francesa...
Quanto à
escravidão, a julgar pelas citações, julgam-na como “uma categoria econômica de
fundamental importância”. E a elogiam, pela sua contribuição ao progresso
econômico da América do Norte. Embora reconheçam que ela tem um lado “mau”,
veem a instituição da escravidão friamente, no que ela contribui para o
desenvolvimento do capital. Sua visão, no caso, é a do economista clássico
(lembremo-nos da definição de Carlyle, de que a economia é a “dismal science”,
a ciência lúgubre ou sombria...). Enfatizam o lado “bom” da escravidão, quer
dizer, era boa para o processo de acumulação do capital global, com base no
comércio de escravos-mercadorias, sendo que a burguesia da época (cristã,
naturalmente) considerou-a muito conveniente e a empregou extensamente na
economia açucareira e cafeeira do Brasil, na
economia algodoeira do sul dos EUA, nas Antilhas e em outras regiões (a
escravidão era vista então com naturalidade, e até a Igreja, as irmandades
católicas, entidades filantrópicas etc possuíam escravos...)
Quanto à
citação em que afirmam “a superioridade dos arianos e semitas”, aqui, mais do
que em outros lugares, é preciso analisar o devido contexto. Superioridade em
quê? Não se trata certamente da superioridade absoluta, como queriam os
nazistas, pois afirmam uma superioridade devida à alimentação (referem-se ao
consumo de carne e leite), o que nos leva a um ponto de vista meramente físico,
fisiológico... Uma “raça” mais bem alimentada certamente tem melhores condições
físicas do que uma subnutrida, é “superior” a esta... Mas é possível que haja racismo em seus
textos. Afinal, eles são autores do século XIX!. E de lá para cá muita coisa
evoluiu no campo do conhecimento relativo a essa questão, principalmente depois
da tempestade nazista...
(*) O artigo, que consta em http://oglobo.globo.com/opiniao/imperialistas-arianos-racistas-11905014#ixzz2wRDsp7zZ , é o seguinte:
IMPERIALISTAS, ARIANOS E RACISTAS
Rodrigo Constantino
“Sem escravidão, a América do Norte, a
nação mais progressista, ter-se-ia transformado em um país patriarcal. Apenas
apague a América do Norte do mapa e você conseguirá anarquia, a deterioração
completa do comércio e da civilização moderna.”
“A escravidão é uma categoria econômica como qualquer outra.
Portanto, possui seus dois lados. Deixemos o lado mau e falemos do lado bom da
escravidão, esclarecendo que se trata da escravidão direta, a dos negros do
Suriname, no Brasil, nas regiões meridionais da América do Norte. [...] A
escravidão valorizou as colônias, as colônias criaram o comércio universal, o
comércio que é a condição da grande indústria. Por isso, a escravidão é uma
categoria econômica da mais alta importância.”
“Talvez a evolução superior dos arianos e dos semitas se
deva à abundância de carne e leite em sua alimentação.”
“Sendo que, comparado ao resto de nós, um nigger (crioulo) é o que há de mais perto do
reino animal, ele é, sem nenhuma dúvida, o representante mais adequado para
este distrito.”
“Os franceses precisam de uma surra. Se os prussianos
vencerem, a centralização do poder de estado será benéfica para a centralização
da classe trabalhadora alemã. A predominância germânica também deslocará o
centro de gravidade do movimento dos trabalhadores na Europa ocidental, da
França para Alemanha, e se apenas compararmos os movimentos nos dois países, de
1866 até agora, se verá que a classe trabalhadora alemã é superior à francesa,
tanto no aspecto teórico quanto em organização.”
“A luta dos beduínos era uma luta inútil e, apesar da
maneira com que soldados brutais, como Bugeaud, conduziram a guerra seja
extremamente condenável, a conquista da Argélia é um fato importante e
auspicioso para o progresso da civilização. [...] E se talvez lamentamos que a
liberdade dos beduínos do deserto tenha sido suprimida, não podemos nos
esquecer de que estes mesmos beduínos eram uma nação de ladrões.”
“Fomos espectadores da conquista do México e nos regozijamos
com ela. [...] É do interesse de seu próprio desenvolvimento que ele seja, no
futuro, colocado sob a tutela dos Estados Unidos. É do interesse de toda a
América que os Estados Unidos, graças à conquista da Califórnia, assumissem o
domínio sobre o Oceano Pacífico.”
“É lamentável que a maravilhosa Califórnia tenha sido
arrancada dos preguiçosos mexicanos, que não sabiam o que fazer com ela? Todas
as nações impotentes devem, em última análise, ser gratas àqueles que,
cumprindo necessidades históricas, as anexam a um grande império, permitindo,
assim, sua participação em um desenvolvimento histórico que, de outra maneira,
seria ignorado a eles. É evidente que tal resultado não poderia ser obtido sem
esmagar algumas belas florzinhas. Sem violência, nada pode ser realizado na
história.”
“A Inglaterra tem que cumprir uma dupla missão na Índia: uma
destruidora, outra reguladora — a aniquilação da velha sociedade asiática e o
lançamento das bases materiais da sociedade ocidental na Ásia.”
“Não devemos nos esquecer de que esta vida sem dignidade,
estagnada e vegetativa, este tipo de existência passiva invocou, por outro
lado, em contrapartida, forças de destruição selvagens, sem objetivo, sem fim,
e tornou o próprio assassinato um rito religioso no hinduísmo.”
Chega? O leitor já deve estar com o estômago embrulhado.
Quem disse tais barbaridades? Hitler? Algum reacionário qualquer? Nada disso.
Todas as citações são de Marx ou Engels, compiladas no livro “O marxismo e a
questão racial”, do cubano Carlos Moore, um negro exilado pelas críticas de
racismo feitas ao regime castrista.
O autor comprova que não se trata de afirmações fora de
contexto; ao contrário: Marx e Engels defenderam em várias ocasiões esta visão
imperialista ariana e racista. Era parte essencial de sua ideologia.
Ambos beberam da mesma fonte, Hegel, que disse: “O que nós
propriamente entendemos por África é o Não Histórico, Não Desenvolvido
Espírito, ainda envolvido na condição de mera natureza, e que foi apresentado
aqui somente como soleira da História mundial.”
O problema é que nossos marxistas não leram Marx. Nelson
Rodrigues, que anda sendo citado por Dilma, escreveu: “E, por todas as cartas
de Marx, não há um vislumbre de amor e só o ódio, o puro ódio. Para ele, há
‘povos piolhentos’, ‘povos de suínos’, ‘povos de bandidos’, que devem ser
exterminados.”
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