O
livro “Folhas Cadentes”, de Alcides Munhoz (v. foto), cujo subtítulo é Elogio do Patrono
(Curitiba, 1925), foi escrito por exigência dos estatutos da Academia de Letras
do Paraná. O elogiado, no caso, é o seu
tio Alfredo Munhoz (1845-1921), patrono da cadeira da qual Alcides (1873-1930)
foi o primeiro ocupante.
Acabei
de ler, fascinado, esse livro (disponível no setor de “Documentação Paranaense
da Biblioteca Pública do Paraná) especialmente por obter aí informações sobre
alguns de meus ancestrais pelo lado da avó paterna, e também sobre a vida
curitibana na segunda metade do século 19.
Minha
avó Arabela também era sobrinha de Alfredo Munhoz. Ela era filha de Florêncio
José Munhoz, irmão mais moço de Alfredo (aliás, Alfredo, que morreu aos 76
anos, sobreviveu a todos os seus irmãos. E das irmãs, em 1925 – data da
publicação do livro –apenas duas ainda viviam).
Alfredo
foi o primogênito do primeiro casamento do tenente-coronel Caetano José Munhoz,
avô de Arabela, que era um importante ervateiro no início da nossa vida como
província independente (naturalmente deve-se avaliar essa importância em termos
relativos pois Curitiba, na época da emancipação da província, era uma cidade
pequena, com uma população de aproximadamente 6 mil habitantes).
Como
se sabe, o ciclo do mate na economia paranaense tem início na década de 1820, e
já na década seguinte Caetano José Munhoz é um dos primeiros a instalar engenho
de erva-mate em Curitiba (até então eles só existiam no litoral). Foi o
primeiro a instalar engenho a vapor, antes mesmo do barão do Serro Azul,
conforme afirma Newton Carneiro em “Um Precursor da Justiça Social”.
Alcides
Munhoz refere-se ao seu engenho no Alto da Glória, no “boulevard II de Junho” e
descreve vivamente a preparação para a festa de recepção ao Conselheiro
Zacarias em sua residência, que ficava ao lado do engenho (havia escravos
ajudando nos preparativos, e também uma senhora misteriosa, amiga de Caetano, a
quem ele pede francamente para não comparecer no dia da recepção, pois não
saberia como apresentá-la ao Conselheiro, face à sua ”incerteza matrimonial”
(p. 15)...)
O
livro transcreve duas cartas (de 1857 e 1860) de Caetano e de Francisca, sua
primeira esposa (avó de Arabela), aos filhos Alfredo e Caetano Alberto (pai do
autor do livro), que estudavam em Petrópolis, no colégio dirigido pelo
professor Kopeck. Essas cartas revelam
saborosamente como os pais se dirigiam aos filhos por escrito (uso, por
exemplo, do pronome “vós”, talvez pela influência lusitana, pois Francisca era
filha do português João Gonçalves Franco), além de revelar os cuidados
maternos. A mãe se referia a roupas ou alimentos que enviava pelos “vapores”
(navios). A Corte, e por extensão Petrópolis, era sinônimo de civilização, e as
pessoas mais abastadas enviavam seus filhos para estudar lá. Caetano queria que um de seus filhos fosse
“Doutor em Leis”, mas eles não se formaram. Fizeram carreira no serviço
público, como funcionários do Ministério da Fazenda (as repartições aqui
existentes eram chamadas Tesouraria de Fazenda, Alfândega de Paranaguá, Mesa de
Rendas de Antonina, Coletoria de Curitiba).
Alfredo
iniciou sua carreira fazendária como ”colaborador” (1863), ocupando
sucessivamente os cargos de “praticante” (1864), “segundo escriturário” (1865),
“oficial” (1870), “chefe de seção” (1872), “contador” (1873) e “inspetor”
(1878). Nessa última condição, passou um
ano (1878-9) em Mato Grosso (Cuiabá), na repartição fazendária local.
Há
uma referência “en passant”, na carta de 1860 escrita por Francisca, a um Florêncio, mas não se trata do pai de Arabela, que tinha então apenas 2 anos e alguns meses. Ela diz: “O Florêncio
ainda cá está e por oras vosso pai precisa dele” (p. 18). Deve tratar-se de outro Florêncio, talvez Florêncio Munhoz da Rocha, sobrinho de Caetano José Munhoz. A propósito, Florêncio José Munhoz (1857-1909), o pai de Arabela, também entraria para a Tesouraria de Fazenda, pois seu nome
consta numa carta dos funcionários de Alfredo, cumprimentando-o pelo seu
aniversário, em 1887 (p. 40). E no final do livro (p. 101) o autor afirma que ele
morreu como Guarda-Mor da Alfândega de Santos.
Alfredo
aposentou-se, a pedido, aos 44 anos, em agosto de 1889, alguns meses antes,
portanto, da proclamação da República. Pretendia dedicar-se à iniciativa
particular, fabricando um pó dentifrício, obtido com base em seus conhecimentos
de botânica. Mas como não dispunha de capital suficiente para montar a indústria
respectiva, acabou não alcançando seu objetivo de ganhar dinheiro com isso (seu
sonho era morar na Suíça). Complementava
sua renda de funcionário público dando aulas de inglês e taquigrafia. Exerceu o
cargo de “redator de debates” do Congresso Legislativo estadual, atuando também
como taquígrafo (p. 57-8). (Alcides Munhoz diz que o velho Caetano, quando
morreu repentinamente, deixou a família em situação financeira muito difícil.
Ele tinha seu capital empatado no negócio da erva-mate, que era vendida pelo
sistema de consignação no mercado platino. E parece que foi prejudicado pelos
seus consignatários...) (p. 47).
Alfredo
Munhoz exerceu o jornalismo, sendo um dos fundadores da revista literária “Íris
Paranaense” (1873) e fundador da revista “A Colmeia” (1898). Além disso, ao
contrário do sobrinho Alcides, católico, ele era espírita convicto,
correspondendo-se com cientistas importantes do exterior, interessados no tema. Fundou (em 1890) e redigiu por muitos anos o
jornal “A Luz”, órgão do Centro Espírita de Curitiba.
Seu
irmão Caetano Alberto também fez carreira fazendária. Em Santos foi criticado
pelo poeta Vicente de Carvalho que, na condição de jornalista e deputado,
mobilizou-se, em ambas as condições, contra o sigilo dos trabalhos de sindicância
para apurar irregularidades na repartição fazendária local, trabalhos esses que
Caetano Alberto dirigiu, por designação do ministro da Fazenda de então.
“Folhas
Cadentes” traz ainda informações sobre a origem da família Munhoz. Os dados
sobre essa família contidos na “Genealogia Paranaense”, de Francisco Negrão,
são em grande parte extraídos desse livro de Alcides Munhoz, primo-irmão de
minha avó Arabela.
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