A verdadeira biografia de um
poeta são os seus poemas. Quem os analisar em profundidade, conhecerá a sua
alma. Não há como escondê-la, se o poeta for autêntico. Mesmo que tente, como
Fernando Pessoa, usar máscaras para encobri-la...
Isso posto, por que interessa ler
a biografia de um poeta? Além de saciar a curiosidade natural do admirador por
conhecer os fatos exteriores de sua vida, ela interessa principalmente por
possibilitar o conhecimento dos fatores hereditários e sociais que o “produziram”.
Isso significa que o autor da biografia
deve, em primeiro lugar, dar pistas sobre as características hereditárias do
biografado comuns aos seus ancestrais (não é por ser difícil essa empreitada
que o esforço por concretizá-la deve ser descartado). E deve também caracterizar
o meio social em que ele nasceu e viveu, o contexto histórico que condicionou
toda a sua vida. Dessa forma, o leitor tomará consciência dos fatores mais
relevantes que condicionaram, ou explicam, o surgimento daquela personalidade, e
o sentido de sua trajetória.
Lendo “Baudelaire”, de Jean-Baptiste Baronian (Porto Alegre: L&PM,
2010- col L&PM Pocket- Biografias; v. 806- trad. de Júlia da Rosa Simões),
verifico que a abordagem do primeiro aspecto, o dos fatores hereditários,
deixa a desejar. Pois seria importante saber mais sobre seus pais, e os ancestrais deles. Ficamos sabendo apenas que o pai, Joseph-François Baudelaire, faleceu
quando o poeta tinha 6 anos incompletos. E que foi seminarista antes de tornar-se um alto funcionário
público que se aposentou pouco antes do casamento, podendo então agora dedicar-se à pintura. Quanto à mãe, Caroline Dufaÿs, o autor diz apenas que ela era de condição modesta. Pouco informa sobre essa mãe, que tão importante papel deve ter exercido na
vida do poeta e que sobreviveu a ele. O pai já era um sexagenário quando
se casou com Caroline, então com 26 anos.
Ela se casaria novamente, quase dois anos depois de enviuvar (uma semelhança com o já referido Fernando Pessoa: em que medida a falta do pai ou a presença de um padrasto ajudam a formar os grandes poetas? ou isso é mera coincidência?...).
Em compensação, o autor faz uma caracterização
razoável do meio social em que Baudelaire viveu. Quanto ao meio familiar, fica evidente o relacionamento problemático entre o poeta, de vida desregrada, e seu
padrasto, o general Aupick, que exerceu os cargos de embaixador e senador do
IIº Império (sob Napoleão III). O relacionamento também era difícil com seu curador, sob cuja tutela passou a ficar,
depois que a família apelou para esse recurso judicial, tendo em vista a rapidez com que Baudelaire
dilapidava a fortuna herdada do pai. Com relação ao meio artístico, o livro
indica, para cada época de sua vida (que se estende de 1821 a 1867), os escritores com quem tinha
mais contato, e também os artistas plásticos (aliás, Baudelaire foi também
crítico de arte, e escreveu vários trabalhos nessa área). Entre suas
admirações, destacavam-se Victor Hugo, Théophile Gautier (a quem dedicou as
“Flores do Mal”), e naturalmente Edgar Poe, cujos contos e o ensaio “Eureka” traduziu
para o francês, revelando para o mundo europeu a importância desse seu
contemporâneo americano (falecido em 1849). No campo das artes plásticas, Baudelaire idolatrava Delacroix. E na música, Wagner, sobre quem também escreveu.
O admirado Victor Hugo afirmou sobre o admirador que os poemas de “As Flores do Mal” “cintilam e ofuscam como estrelas” (p.116). Em outra ocasião, referiu-se ao “frisson nouveau” de sua poesia.
O admirado Victor Hugo afirmou sobre o admirador que os poemas de “As Flores do Mal” “cintilam e ofuscam como estrelas” (p.116). Em outra ocasião, referiu-se ao “frisson nouveau” de sua poesia.
Além de conter essas informações, o livro também mostra o
envolvimento de Baudelaire com diversas mulheres, destacando sua relação com Jeanne Duval, desde 1838, uma atriz mulata que nessa época contava cerca de 30 anos.
Baudelaire morreu aos 46 anos,
vítima da sífilis. Foi uma personalidade contraditória, que apesar de seu
desregramento e anticonvencionalismo, candidatou-se à Academia Francesa.
Todavia, o crítico Sainte-Beuve não se admirou demais com isso, pois o
considerava “fino na linguagem e absolutamente clássico nas formas” (p.149). Apesar
da ousadia de seus versos (seis poemas das “Flores do Mal” foram expurgados da
obra, conforme decisão judicial, por imoralidade), era conservador
politicamente, para não dizer reacionário. Admirava Joseph de Maistre, um
pensador católico e monarquista, que se opôs à Revolução Francesa. Mas participou
da Revolução de 1848, juntamente com outros intelectuais, motivados pelo fato
de que “a burguesia usurpou em seu benefício os direitos adquiridos em 1789” (p.64)...
Apesar dos reparos, e dessa edição da L&PM apresentar diversos problemas de revisão (especialmente quanto às notas aos seus diversos
capítulos), vale a pena ler o livro.
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