T.S.Eliot quando jovem |
DEZ OBSERVAÇÕES SOBRE
"A CANÇÃO DE AMOR DE J. ALFRED PRUFROCK”
DE T. S. ELIOT
(um livro contendo comentários
mais extensos sobre esse poema, a sua tradução em português e a transcrição do
poema original poderá ser adquirido em http://www.agbook.com.br/book/141321--A_CANCAO_DO_JOVEM_TSELIOT)
1. "A Canção de Amor de J. Alfred Prufrock"
do poeta anglo-americano T.S.Eliot (1888-1965), escrito quando ele tinha apenas
23 anos, é considerado o primeiro de seus melhores poemas. Nele se
observam características da sua obra poética posterior, e serve por isso de introdução
a essa mesma obra.
2. O poema não é linear quanto ao que pretende dizer. Todavia, infere-se,
não só pelo título mas também por múltiplas sugestões dos versos, que seu tema central é o do
relacionamento de Prufrock com as mulheres, e uma delas em especial (aquela
individualizada no v. 96 e 107). Ao longo do texto, percebe-se também que há
nele uma crítica à sociedade em geral (independentemente de classes sociais)
pela predominância de falsos valores e a perda de seu sentido maior, humanista.
E há uma crítica também à sua própria
classe social, presa das convenções e frivolidades. Em suma, é um poema que reivindica a recuperação
da dignidade humana e a exploração de todo o nosso potencial de vida.
3. O poema é concebido como uma peça de ficção. Quem fala (na
primeira pessoa) é um personagem inventado por Eliot, chamado J.Alfred
Prufrock, já não tão jovem, cujo nome é mencionado apenas uma vez (no título),
e soa um tanto ridículo aos ouvidos anglo-saxões, segundo um comentarista. Esse
personagem pertence a um meio refinado, frequentador habitual de suas
residências, que se veste apuradamente. Mas ele também conhece o outro lado da
sociedade, de “hotéis baratos” e “homens solitários em mangas de camisa”,
a zona licenciosa da cidade. Trata-se de um personagem hesitante, tímido,
enfadado das reuniões de seu círculo social e de seus chás literários (expresso
por um verso magnífico: “I’ve measured out
my life with coffee spoons”- v. 51), que jamais explicita a “questão
opressiva” que o aflige, várias vezes mencionada no poema. A impressão que se
tem é que se trata de um pedido de casamento, mas a questão é mais complexa do
que essa (abrange também um questionamento do meio social). Ao longo do poema, Prufrock vai se referir
(explicita ou implicitamente) a outros personagens, de existência literária,
quer do teatro elizabetano (Hamlet, Polonius, o Bobo, o Lacaio), quer da Bíblia
(João Batista, Lázaro).
4. O poema ecoa, além de passagens da
Bíblia, versos de outros poetas, de autoria não apontada, como Dante, Shakespeare,
Andrew Marvell, John Donne, Emily Dickenson etc mas identificada pelos comentaristas.
Eliot utiliza inovadoramente as citações de modo a incorporar em seu poema
as conotações que elas trazem consigo (assim como as dos personagens referidos no
item anterior). A citação da “Divina
Comédia”, sem indicar a autoria, já aparece na epígrafe, e é funcional ao desenvolvimento
do poema, pois o mundo subterrâneo onde está Dante-personagem e seu interlocutor
no 8º círculo do Inferno é associado à subjetividade de Prufrock, cujo “inferno”
não é expresso pela imagem do ambiente subterrâneo e sim submarino.
5. O poema prefere sempre sugerir a afirmar inequivocamente. Influenciado
pelos simbolistas franceses, Eliot prefere sempre manter a dubiedade das
situações, carregadas de múltiplos significados, deixando para o leitor a
tarefa de ordenar aquelas impressões para atribuir um determinado sentido aos
versos, o que tentei precisar acima (item 2). Já no primeiro verso (“Let’s go then you and I”) essa dubiedade
está presente, pois o “you and I”
tanto pode ser entendido como Prufrock e seu “eu para os outros” (uma vez que o
poema mostra seu “eu” dividido em dois, um para ele mesmo e outro para efeito
externo) quanto pode ser entendido como se referindo a ele e seu leitor. Aparentemente, Prufrock vai sair de casa para fazer a sua visita
social. Mas não há certeza de que isso de fato ocorre no mundo real. Todo o
monólogo em que consiste o poema pode ser
visto como apenas especulação do protagonista, o seu “fluxo de consciência”. De
fato, ele nem chegaria a sair de casa, como afirmam muitos comentaristas.
6. O poema tem um caráter fragmentário, de descontinuidade. Assim, após
referir-se à visita a ser feita, vem: “In
the room the women come and go/ Talking of Michelangelo”. Supõe-se
que isso ocorra na casa a ser visitada. Essa ligação é feita pelo leitor, ela
não é dita explicitamente pelo autor. Há semelhança aqui com o corte cinematográfico,
a passagem de uma cena para outra sugerindo simultaneidade e relação da
situação anterior com a posterior. Sabemos que na época da elaboração do poema
o cinema desenvolvia rapidamente a sua linguagem, o que permite supor um
influência da chamada Sétima Arte sobre a técnica poética do nosso autor. A
descontinuidade também é indicada pelos sinais gráficos (pontos que indicam supressão)
que ocorrem várias vezes no poema.
7. O poema se apoia fundamentalmente no
aspecto visual, i.e. nas imagens, o
que é evidenciado por diversas passagens, como a metáfora do inseto fixado na
parede (para mostrar que as pessoas do seu círculo social o fixam numa frase ou
fórmula, sem conhecê-lo realmente) ou as imagens marinhas do final do poema,
que bem ilustram o seu mundo de fantasia, onde o tímido Prufrock se refugia ao frustrar-se
em se afirmar no mundo real, o mundo dos seres verdadeiramente vivos.
8. O poema dá vez e voz ao anti-herói. Prufrock
reconhece que teve medo em levantar a sua “questão aflitiva”, ao não fazer a
sua proposta de casamento (por medo de rejeição) e não questionar, ao mesmo
tempo, os valores de seu meio social (recusando-se a ser ele mesmo). Assim,
tanto com relação ao coração quanto à razão, ele se frustra em afirmar-se como ele
próprio no mundo real. Deixa passar o
seu “momento de grandeza”, quando
seria realmente um ser vivo (e não o morto-vivo do mundo de sonho, onde vive
sua pseudo-vida e se encontra protegido). Na sua hesitação, ele se identifica não a Hamlet mas a Polonius, o
lorde assistente, “Cheio de alta retórica,
mas um pouco obtuso/ Às vezes, na verdade, quase ridículo”, objeto de
risinhos reprimidos do Lacaio. A poesia passa assim a refletir a personalidade
de um ser humano comum, com seus defeitos e qualidades.
9. O poema adota uma linguagem peculiar, coloquial, irônica e
não afetada. Prufrock, por exemplo, fala da “mancha de calvície” no meio de seus cabelos quando vê sua cabeça
ser trazida ao rei numa travessa, como a de João Batista. Assim, intencionalmente,
Eliot desmonta o discurso -- que pela tradição seria mais formal ao tratar de
certos temas -- por meio de referências banais. O mesmo ocorre com “I grow old...I grow old/ I shall wear the bottoms of my trousers rolled”.
Aqui, o anti-herói, ao mesmo tempo que constata a passagem do
tempo, preocupa-se com a bainha de suas calças... Todavia, bem no final do poema, a linguagem
torna-se lírica e mais elaborada ao explorar as imagens marinhas relativas à
subjetividade do morto-vivo Prufrock, associadas à água, com suas conotações de
vida e morte.
10. O poema caracteriza-se pela sonoridade cativante dos versos, que
decorre do emprego peculiar da rima e do uso de outros recursos. Os versos são,
geralmente (mas não sempre), rimados dois a dois. Às vezes, possuem também rimas
internas. Não adotam um número de sílabas uniforme. Isso fica na dependência do
ritmo próprio que Eliot imprime aos versos. O poema assim não adota nenhuma forma
fixa nem estrofes convencionais. Mas em certas passagens há uma concentração de
sons sibilantes que contrastam com outros, de sons mais ásperos.
OBS: "The Love Song of J.Alfred Prufrock", declamado pelo próprio Eliot, pode ser ouvido em http://www.youtube.com/watch?v=JAO3QTU4PzY
OBS: "The Love Song of J.Alfred Prufrock", declamado pelo próprio Eliot, pode ser ouvido em http://www.youtube.com/watch?v=JAO3QTU4PzY
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