domingo, 22 de fevereiro de 2015





10 SONETOS DE SHAKESPEARE
(tradução e comentários de Domingos van Erven)


                                              
            Reuniram-se aqui os mais famosos (e amados) sonetos de William Shakespeare (1564-1616), aqueles que mais frequentemente aparecem nas antologias da poesia de língua inglesa.

             Representam uma amostra significativa dos “Sonetos” do grande bardo, e consistem nos que tocaram mais de perto a sensibilidade das diversas gerações que se sucederam desde 1609, quando foram impressos pela primeira vez.

      A tradução procurou ser a mais fiel possível, apoiando-se em interpretações de autoridades shakespeareanas reconhecidas (ver “Fontes consultadas”). Não  adotou metro nem rima, que muitas vezes distorcem o original, pois os versos têm que se encaixar em um padrão pré-estabelecido, sem levar em conta as diferenças entre os dois idiomas, além de evocarem sugestões outras – por imposição da rima, especialmente --,  que lhes são estranhas.

            Minha preocupação básica foi tentar passar para o português o que Shakespeare realmente disse nos versos, a fim de permitir que o leitor brasileiro conheça o seu conteúdo de modo preciso. Por outro lado, ele é alertado, nos “comentários”, para as características formais desses versos, intraduzíveis, podendo assim melhor desfrutar da poesia do original.           
                                                                                                                                             Domingos van Erven  


Sonnet XII


When I do count the clock that tells the time,                 1  
And see the brave day sunk in hideous night;
When I behold the violet past prime,
And sable curls, all silver’d o’er with white;


When lofty trees I see barren of leaves,                          5
Which erst from heat did canopy the herd,
And summer’s green all girded up in sheaves,
Borne on the bier with white and bristly beard;


Then of thy beauty do I question make,
That thou among the wastes of time must go,               10
Since sweets and beauties do themselves for  forsake,
And die as fast as they see others grow;


And nothing ‘gainst Time’s scythe can make defence
Save breed, to brave him when he takes thee hence.  


Soneto XII

                       

Quando as horas que soam do relógio eu conto,               1
E vejo o lindo dia afundar na noite hedionda;
Quando contemplo, já sem viço, a violeta,
E vejo pratear negros cachos de cabelos;


Quando árvores altivas vejo desfolhadas,                         5
Que antes, no calor, ao rebanho davam sombra,
E os cereais do verão, em feixes amarrados,
Com suas brancas barbas hirsutas, levados no caixão;


Então ponho em questão a beleza que possuis,
Pois deverás passar pelas ruínas do tempo,                     10
Uma vez que coisas belas e gentis de si mesmas se  despedem,
E morrem, quando veem outras aparecerem;


E nada, contra a foice do Tempo, é defesa
Salvo a prole, que o desafia, quando ele daqui te  leva.                                                                                                                                  


Comentários ao soneto XII



1.Sinopse

Quando o poeta verifica as horas, e vê o dia findar, quando vê a flor (violeta) começar a murchar, depois de atingir o seu auge (“prime”), e os cabelos, antes negros, embranquecerem (“silver’d o’er with white”) (quarteto 1), quando vê as árvores perderem as folhas, que no verão davam sombra ao rebanho, e vê a safra dessa estação sendo levada embora (quarteto 2), então coloca em questão a beleza do ser amado, que deverá sofrer também os efeitos da passagem do tempo (quarteto 3). Nada escapa à sua ação -- à ‘’foice do Tempo” --, salvo a nossa descendência, que o desafia, após morrermos (dístico). 

2.Tema e intenções 

O tema do soneto é a passagem do tempo, que afeta tudo o que existe no mundo.

Shakespeare estabelece uma associação entre a passagem do tempo na  natureza  -- expressa pelo término do dia, e a  evolução das estações do ano  --, e nas pessoas. Assim é que, no v.2, refere-se ao dia sendo substituído pela noite (ou melhor o dia “afunda” na noite, pois “to sink”= afundar, submergir; a escolha do verbo por si só já constitui uma metáfora); isso tem uma conotação sombria, pois a noite é qualificada de “hedionda” (“hideous”). No v.3, menciona “violeta”, que é, conforme o web site http://www.shakespeares-sonnets.com/ emblemática da primavera; no v.4, fala em “árvores” “desfolhadas”, o que sugere o outono; no v.7, há uma menção explícita ao verão;  e o v. 8 fala nas barbas “brancas” dos cereais, que pode sugerir neve e o inverno ( v. “Cliffs Notes on ...”, op.cit, p.23). Assim, as quatro estações   são  referidas, explicita ou implicitamente, antes de Shakespeare colocar em questão a beleza do ser amado (v.9), que também passará pela “ruínas do tempo”, imagem que traz consigo uma conotação espacial, como salienta aquele mesmo site da Internet.

            No dístico, Shakespeare trata o tempo de forma personalizada, como um ceifeiro, associando-o à figura tradicional da Morte, que tudo alcança com a sua foice, inclusive o ser amado. Mas se este tiver descendentes, isso será uma defesa “contra a foice do Tempo”. De certa forma, ele o vencerá, pois continuará existindo por meio de sua prole.  
  
    
3.Observações particulares


-v.1: atentar para as características fonéticas desse verso, no original, em que predominam os sons de t (ou d) e k , lembrando o tic-tac do relógio

-v.1, 3 e 5: anáfora; a repetição de “When...”, que é uma referência temporal, adequada ao tema do soneto, estrutura os dois primeiros quartetos

-v.2: “brave”= esplêndido, magnífico

-v.3: “sable”= negro (em heráldica); presença de cores nos versos 3 e 4: “violet”, “sable” e “white”

-v.6: “erst”= “formerly” (anteriormente), segundo “Cliffs Notes on...”, p.24 ;   “canopy”= cobrir com dossel

-v. 8: “bier”: segundo o web site citado acima, no tempo de Shakespeare, a palavra tinha dois sentidos, o de “carroça”, “carreta” e o de “esquife”, permitindo então o duplo sentido que o verso original contém. Atualmente, “bier”= esquife. Por outro lado, “beard” também tem um duplo sentido, pois inclui, além do significado de “barba”, o de  “barba de espiga (de cereais)” Temos assim, nos versos 7-8, uma imagem curiosa: a safra do verão (“summer’s green”), carregada, em feixes, na carreta, lembra, no original, velhos mortos no caixão, devido à referência a “bier”, e à menção a barbas, brancas e hirsutas (“white and bristly beard”). O poeta joga com as conotações de “bier” e de “beard” para fazer a associação funérea com o verão que acabou (=morreu)

-v.8: para a tradução do verso, adotou-se a solução feliz de Oscar Mendes (op. cit., p. 820), uma vez que a palavra “caixão” inclui também o sentido funéreo, além do significado de “caixa grande” 

-notar a presença de personificação nos versos 11-12,: neles, “coisas belas e gentis” (“sweets and beauties”), que sugerem flores morrendo e nascendo na natureza, são dotadas de sentimentos humanos, pois as mais velhas altivamente saem de cena quando vêem as novas aparecerem


Sonnet XVII



Who will believe my verse in time to come,                   1
If it were fill’d with your most high deserts?
Though yet, Heaven knows, it is but as a tomb
Which hides your life, and shows not half your parts.


If I could write the beauty of your eyes,                         5
And in fresh numbers number all your graces,
The age to come would say, this poet lies,
Such heavenly touches ne’er touch’d earthly faces.


So should my papers, yellow’d with their age,
Be scorn’d, like old men of less truth than tongue;        10
And your true rights be term’d a poet’s rage,
And stretched metre of an antique song:


But were some child of yours alive that time,
You should live twice; -- in it, and in my rhyme.

Soneto XVII



Quem acreditará em meus versos no futuro,                         1
Se eles forem compostos com os teus mais  altos  atributos?
Embora, como sabem os céus, sejam apenas uma tumba
Que esconde a tua vida,e pouco mostrem das tuas qualidades.


Se descrever pudesse a beleza dos teus olhos,                    5 
E, em versos novos, enumerar todos os teus encantos           
O tempo vindouro diria, “Este poeta mente,
Tais traços celestes nunca pertenceram a faces terrenas”.


Assim, meus papéis, amarelados com a idade,
Seriam desprezados, como velhos tagarelas;                     10
E o que te cabe por direito chamariam de entusiasmo de poeta,
E de metro exagerado de um poema antigo:


Mas se algum filho teu viver nesse tempo por vir, 
Viverás duas vezes – nele, e em minhas rimas.


Comentários ao soneto XVII


1.Sinopse


            O poeta inicia afirmando que a posteridade não acreditará nele, se os seus versos referirem-se aos altos atributos do ser amado. Mas esses versos, como uma tumba, escondem a sua vida, e não revelam nem a metade das suas qualidades (“and shows not half your parts”) (quarteto 1). Se ele pudesse descrever a beleza daquela pessoa, e enumerar todos os seus atrativos, achariam, no futuro, que ele mente, pois tais características são celestiais, e não da Terra (quarteto 2). Assim, seus papéis (onde estão escritos, supõe-se, estes versos) seriam desprezados, e os elogios considerados como fruto do entusiasmo, ou arrebatamento, típico dos poetas (quarteto 3). Mas se viver, no futuro, um filho daquela pessoa, esta viverá nele também, e não só em suas rimas (dístico). 

2.Tema e intenções


            A idéia central do soneto é a da descrença da posteridade no que os versos do poeta afirmam sobre a beleza do ser amado. Mas a existência de um filho, nos tempos vindouros, confirmaria a verdade do que ele diz (cf. “Cliffs Notes on…”, p. 27).

            Shakespeare adota o ponto-de-vista de uma pessoa no futuro. Seus versos despertariam a descrença desse leitor (v.1), para quem o poeta seria considerado mentiroso (v.7), e seus papéis seriam desprezados como “velhos tagarelas” (v.10) – um símile --, pois falam demais, sem compromisso com a verdade. No v.3, já introduzira um outro símile: o de seus versos comparados a uma tumba (v.3). Essa imagem se justifica pela idéia da passagem do tempo -- um tema recorrente --, que no limite significa morte. Assim, no futuro,
esses versos, escritos em “papéis, amarelados com a idade” (v.9) (notar a expressão concreta daquele tema), serão vistos como exageros de um poema antigo. No dístico, Shakespeare, ao mencionar a possibilidade do ser amado continuar vivendo num filho, além de nos versos, convoca a Vida para corroborar a Arte.


3.Observações particulares      


-nos versos 2, 4 e 6, ocorrem palavras que se referem aos motivos do louvor ao ser amado: “deserts” (= méritos; excelências); “parts” (= qualidades, talentos, características, na interpretação do site http://www.shakespeares-sonnets.com/) e “graces” (= graças; encantos; virtudes, méritos; atrativos )

-v. 6: “numbers”= versos (cf. site citado antes)

-versos 7-8: consta aqui uma fala que lembra o Shakespeare dramaturgo (assim como o símile do v. 10, evocando “old men of less truth than tongue”, também tem o sabor de seu estilo pessoal)

-v.9: ver referência às “yellow leaves” do soneto LXXIII



Sonnet XVIII 


Shall I compare thee to a summer´s day?                                 1          
Thou art more lovely and more temperate:
Rough winds do shake the darling buds of May,     
And summer´s lease hath all too short a date:


Sometime too hot the eye of heaven shines,                             5
And often is his gold complexion dimm´d;
And every fair from fair sometime declines,
By chance, or nature´s changing course, untrimm´d;


But thy eternal summer shall not fade,
Nor lose possession of that fair thou owest;                             10
Nor shall Death brag thou wander´st in his shade,  
When in eternal lines to time thou growest;


So long as men can breathe, or eyes can see,
So long lives this, and this gives life to thee. 

  
Soneto XVIII

  
Devo comparar-te a um dia de verão?                                          1
Mais adorável és, e mais suave:
Ventos rudes sacodem os botões do começo da estação,
E o contrato do verão tem vigência muito curta:                                                         

O olho celeste, às vezes, brilha quente em demasia,          5
E, com frequência, a sua tez de ouro é encoberta,
E tudo o que é belo declina da beleza um dia,
Dela despojado pelo acaso, ou pelo curso incerto da natureza;


Mas teu verão eterno não declinará,            
Nem perderá a posse dessa beleza que possuis;              10    
Nem a Morte se gabará de que vagueias em sua sombra,
Quando em versos eternos te aderires ao tempo;


Enquanto os homens puderem respirar, ou os olhos ver,
Este soneto há de viver, e ele vida há de te dar.                                                          


 Comentários ao soneto XVIII 


1.Sinopse

            O poeta afirma que, se fosse comparar a pessoa a quem se dirige a um (belo) dia de verão, ela sairia ganhando, pois é “mais adorável e mais suave”. O dia de verão pode ser rude com os botões das flores do começo da estação (“buds of May”, v. comentário abaixo). Além disso, o verão é efêmero (quarteto 1). No verão, o sol, chamado de “olho celeste”, pode ser muito quente, ou a sua “tez de ouro” toldar-se. E a beleza das coisas vai declinar, como é usual, quer pelo acaso ( um acidente), quer pelo curso próprio da natureza (quarteto 2).  Mas, ao contrário do belo dia de verão, que pode ser rude, efêmero, ter um sol quente demais ou encoberto, o “verão” da pessoa amada será sem fim (não haverá morte para ela) e sua beleza permanente, uma vez que estará eternizada pelos versos do poeta (quarteto 3). Enquanto a humanidade existir, o soneto lhe dará vida (dístico).

2.Tema e intenções
O tema do soneto consiste em um elogio à beleza do ser amado.
A intenção de Shakespeare foi explorar literariamente a comparação entre essa pessoa e o belo dia de verão, como numa disputa, em que a primeira sai vencedora. No v. 2, ela é considerada mais “adorável” (“lovely”) e mais “suave”, amena (“temperate”), sem os excessos de temperatura do dia de verão (v.5), que sugere excessos de paixão, ou sem a sua instabilidade, pois o sol pode ficar encoberto (v.6). A pessoa amada não é sujeita a tais excessos, ou instabilidade, possui um temperamento sereno, manso, equilibrado. No v. 3, a presença, nessa estação do ano, de “rough” (ásperos, rudes; grosseiros) ventos, ameaçando os “darling” (queridos, amados)  botões das flores constitui uma indicação do caráter menos “adorável” do dia de verão. Na terceira estrofe, Shakespeare desloca a ênfase para o elogio direto à pessoa a quem se dirige, afirmando que o “verão” dela -- uma metáfora --, ou toda a beleza (efêmera) que caracteriza um dia de verão, não desaparecerá dela, pois esse seu “verão” será “eterno” (v.9), ou infindo. Como isso acontecerá? Ao poeta tratar dessa pessoa em seus versos, que para ele são imortais, ela adquirirá também imortalidade. Ao contrário do verão, cujo período é muito curto (v.4), o ser amado terá então existência longa, eterna. Diferentemente do verão (ou de qualquer outra estação), que possui uma beleza fadada a declinar (v.7), a beleza daquela pessoa não declinará, pois os versos imortais, que fazem o seu elogio, lhe darão vida continuamente (v.14).

3.Observações particulares
v.1,2,9, 10, 11,12, 14: notar o tratamento elevado à pessoa a quem se dirige o soneto: “thou art”= tu és; “thee”=te, ti; “thy”=teu (também ocorre nos sonetos XII, XXIX, XXX, LX e LXXIII)
-v.2: convém buscar-se um adjetivo neutro quanto ao gênero para a tradução de “temperate” nesse verso, pois se for usado, por exemplo, o adjetivo “ameno” (que se aplica tanto a pessoas quanto ao clima ) perde-se a ambiguidade de gênero do verso original, no tocante à pessoa a quem se dirige o poema (tanto pode ser o jovem senhor, que inspirou boa parte dos sonetos, como alguém do sexo feminino)
-v.3: “botões do começo da estação”- preferiu-se usar essa expressão em vez de “botões de maio” porque, segundo o web site http://www.shakespeares-sonnets.com/ , no calendário defasado da época de Shakespeare, maio correspondia ao começo do verão, e não pertencia à primavera, como no calendário atual ( no Hemisfério Norte ); ainda no v.3: “do”- para dar ênfase e por exigência rítmica 
-v.4: o site já citado alerta para a linguagem burocrática desse verso (“lease”= contrato; arrendamento; prazo); ainda no v.4,  “hath”=has (grafia arcaica);
-v.5: notar a personificação: o sol é considerado como “the eye of heaven”
-v.6: his=its (na época de Shakespeare, não se adotava ainda a diferenciação do caso neutro, cf. site): “his” refere-se aqui naturalmente ao sol. Ainda no v. 6, ver personificação: “gold complexion”=  tez de ouro ( do sol )
-v.7: “fair” abrange os significados de “belo” e “beleza”. Esse termo tanto pode ser aplicado ao tempo (“fair weather”= tempo lindo) como a pessoas (“fair lady”= bela dama, “fair person”= pessoa justa, imparcial; cf. dicionário Houaiss, op.cit.). É importante levar em conta essas conotações, que se perdem na tradução para o português, quando se trata da pessoa a quem o soneto é dedicado.  Ainda quanto ao v.7, repetição de “sometime”, que já apareceu no v.5
-v.9: metáfora: o “verão” da pessoa a quem o soneto é dedicado
-v.10: “fair” é repetido (já apareceu no v.7); “owest”= “ownest” (cf. site)
-no v.11, a morte é personificada (v. letra maiúscula em “Death”); trata-se de personagem masculino (v. “his” shade)

-v.12: repetição de “eternal” que já apareceu no v.9; para justificar a nossa tradução do v.12, ver nota in Péricles E.S.Ramos -op.cit., p. 50

-v.14: ‘This”=este. Subentende-se “este soneto”, “este poema”, estes “eternal lines” (v.12)


 Sonnet  XXIX 


When in disgrace with fortune and men´s eyes,            1
I all alone beweep my outcast state,
And trouble deaf Heaven with my bootless cries,
And look upon myself, and curse my fate,


Wishing me like to one more rich in hope,                     5
Featur´d like him, like him with friends possess´d,
Desiring this man´s art, and that man´s scope,
With what I most enjoy contented least;


Yet in these thoughts myself almost despising,
Haply I think on thee, -- and then my state                     10
(Like to the lark at break of day arising
From sullen earth) sings hymns at heaven´s gate


For thy sweet love remember´d such wealth brings,
That then I scorn to change my state with kings´.


 Soneto XXIX



Quando, em desgraça ante a fortuna e os olhos humanos,   1 
Eu, tão só, deploro o meu estado de proscrito,
E perturbo o surdo céu com vãos clamores,
E penso em mim mesmo, e maldigo o meu destino,


Querendo ser como alguém mais rico de esperança,             5
Os traços dele ter, e ser também cheio de amigos,
Desejando a arte deste homem, e daquele as oportunidades,
Do que mais gosto, obtendo menos satisfação;


Ainda nesses pensamentos, quase me desprezando,
Eis que penso em ti, -- e então meu estado                       10
(Como a cotovia, ao romper do dia que nasce
Da terra tristonha) canta hinos à porta do paraíso;


Pois teu amor lembrado tal riqueza traz
Que desdenho trocar, com os reis, o meu estado.


 Comentários ao soneto XXIX


1.Sinopse


O poeta, considerando-se desvalido da fortuna e rejeitado socialmente, deplora a sua sorte, e a maldiz (quarteto 1). Gostaria de ser como outra pessoa, com mais esperança e amigos, mais arte e oportunidades, além de poder contar com melhor aparência (quarteto 2). Mas nesse estado de quase autodesprezo, vem-lhe à mente a pessoa a quem se dirige o soneto, e então a sua disposição de espírito muda. Seu estado é agora de contentamento, pois passa a cantar hinos à porta do céu (quarteto 3). Após lembrar o amor da pessoa amada, já não importam mais os seus dissabores, e sente-se muito feliz, uma vez que já não troca o seu estado nem com o dos reis (dístico). 


2.Tema e intenções


            O soneto consiste em um elogio ao amor. Saber que alguém nos ama proporciona autoestima e contentamento, permitindo-nos enfrentar melhor as dificuldades da vida.

O poeta buscou explorar o contraste entre a sua condição precária inicial, descrita até o v.9, e o seu estado posterior, de contentamento, decorrente da lembrança do ser amado. A condição precária é indicada explicitamente, no quarteto 1, e indiretamente, no quarteto 2, pela expressão do desejo de ser outra pessoa. Isso o leva quase ao autodesprezo. Readquire porém a autoestima pela lembrança casual do ser amado, que muda radicalmente a sua disposição de espírito. Esta passa a “cantar hinos” à “porta do paraíso”, como a cotovia, ao iniciar o dia (um símile). O amanhecer está associado à idéia de renovação da vida; “canto”, à idéia de alegria; e “céu” é imaginado como a entrada do paraíso. No v.13, “wealth”, está associada a toda a “riqueza” espiritual, que faz a felicidade do poeta, decorrente de se saber amado.



3.Observações particulares


-v.3:“bootless”=inútil;  notar a personificação de ”heaven” que é “surdo”; ver mais adiante (v. 12) nova menção ao céu, em “heaven’s gate”;

-v.4: “to look upon”= considerar

-v.6: “Featur´d like him, like him…”= segundo o web site http://www.shakespeares-sonnets.com, o sentido desse verso é:  “ter os traços desta pessoa, e como essa outra ser cheio de amigos”

-v.7: “scope”= oportunidades, série de oportunidades; cf. autores citados in Péricles E.S. Ramos, op.cit., p. 64 

-v.10: “haply”= (arc.) por acaso; adotada aqui a solução feliz de Oswaldino Marques, op. cit., p. 27 (“eis que”)

-nos versos 11-12, há um símile: o estado do poeta, que agora canta à porta do céu, é comparado ao da cotovia cantando no alvorecer. Assim como o dia, o poeta também se renova, com a lembrança do amor de alguém, e encontra-se no limiar de um novo estado, de contentamento e autoestima (o “céu”), pois a beleza  ( o canto,  a   cotovia ) aponta para a alegria. Antes, quando o poeta estava deprimido, ele não cantava. Mas lançava gritos (“cries”) para o céu (v.3)

-notar o contraste, no v.12, entre terra (“sullen earth”) e céu (“heaven’s gate”)


 Sonnet XXX 


When to the sessions of sweet silent thought,               1
I summon up remembrance of things past,
I sigh the lack of many a thing I sought,
And with old woes new wail my dear time´s waste:


Then can I drown an eye, unus´d to flow,                      5
For precious friends hid in death´s dateless night,
And weep afresh love´s long-since cancell´d woe,
And moan the expense of many a vanish´d sight.


Then can I grieve at grievances foregone,
And heavily from woe to woe tell o’er                           10
The sad account of fore-bemoaned moan,
Which I new pay as if not paid before.


But if the while I think on thee, dear friend,
All losses are restor’d, and sorrows end.


Soneto  XXX
                                  


Quando, às sessões de doce e silente pensamento,             1
Convoco a lembrança de fatos passados,
Sinto não ter alcançado muita coisa que buscava,
E lamento de novo, com velhas mágoas, a destruição
pelo tempo do que me era valioso:


Então os olhos se enchem d’ água, a isso desabituados,      5
Por amigos preciosos que a noite infindável da morte                                                                         escondeu,
E novamente choro pelas mágoas de amor há muito                                                                           canceladas,
E pela onerosa visão de muita coisa desaparecida:


Então sofro com os agravos do passado,
E, desgosto a desgosto, penosamente totalizo                  10
A triste conta dos lamentos antes expressos,
Que pago de novo, como se não o tivesse feito anteriormente.


Mas se penso em ti, nesse ínterim,   
Todas as perdas são reparadas, e as tristezas acabam.

Comentários ao soneto XXX


1.Sinopse


            Quando o poeta se entrega à recordação do seu passado, sente não ter alcançado muita coisa que almejava, e lamenta a destruição, pelo tempo, do que lhe era valioso (quarteto 1). Então chora pelos amigos que morreram, pelas mágoas de amor do passado e pela visão de coisas desaparecidas ao longo do tempo (quarteto 2). Afirma também que sofre com os agravos antigos e que soma toda a conta dos desgostos, a qual é paga novamente (quarteto 3). Mas se nesse ínterim pensa numa pessoa amiga, suas perdas são reparadas e cessam as tristezas (dístico).


2.Tema e intenções


            O soneto consiste num elogio da amizade, ou do amor, que tem o dom de nos confortar  e afastar a melancolia de certas lembranças.

            Nos três quartetos (v.1-12), o poeta busca caracterizar as suas “perdas” (“losses”) e “tristezas” (“sorrows”) mencionadas no último verso do soneto. Numa linguagem burocrática, própria dos tribunais da época (v. comentário abaixo),   o  poeta inclui nas “perdas” as coisas que buscou (em vão) (v.3) ou que o tempo destruiu (v.4). As “tristezas”, que o levam a chorar (v.5), relacionam-se explicitamente aos amigos mortos (v.6), às mágoas de amor (v.7) e às coisas que ele nunca mais verá (v.8), cuja lembrança, nessas “sessões de doce e silente pensamento” (v.1), renova agora o sofrimento que já lhe ocorrera no passado (v.9 e v.12). No dístico (v.13-14), o poeta quer estabelecer um contraste com os versos precedentes, caracterizados pela inquietude emocional. Serenamente, afirma que a mera lembrança da existência de alguém, de uma pessoa amiga, tem o dom de reparar as perdas e acabar com suas tristezas (v.12).


3.Observações particulares

-Shakespeare usa neste soneto uma linguagem peculiar, burocrática, aquela apropriada a um suposto tribunal investigando contas, conforme assinala o web site http://www.shakespeares-sonnets.com/ Por isso, a ocorrência dos seguintes termos: “sessions” (v.1), “summon up” (v.2), “waste” (v.4), “cancell´d” (v.7), “expense” (v.8), “grievance” (v.9), “tell o’er” (v.10), “account” (v.10), “pay” (v.12), “losses”...restor’d” (v.14)
-v.1-2: notar a metáfora: o poeta trata a sua disposição de espírito voltada para o passado como “sessões” (v.1) (de um tribunal) de pensamento, ao qual “convoca” (v.2) certas lembranças. Notar também a aliteração em s no v.1: “When to the sessions of sweet silent thought”
-v.4: notar a aliteração em w: “And with old woes new wail my dear time’s waste:” Na tradução desse verso seguiu-se a interpretação adotada por Péricles E.S. Ramos, op.cit, p.66 (v. também aí citação dos autores em que se fundamenta)
-notar como o soneto está estruturado: “I summon up”...(v.2)/ “Then can I”...(v.5)/ “Then can I”…(v.9)
-no v.6, o poeta afirma que chora pelos amigos que se foram; no v.13, o simples fato do “dear friend” estar vivo, e o poeta poder contar com sua amizade/amor, repara todas as perdas que sofreu pela ação implacável do tempo, e isso lhe é motivo de alegria, mudando seu estado de ânimo (v. semelhança de idéias com o soneto XXIX)
-v.9: “grievances”= agravos ( danos, prejuízos); motivos de queixa. Por outro lado, “to grieve” (= sofrer; afligir-se) é mais um daqueles verbos, citados em versos anteriores, que expressam a disposição de espírito do poeta: “to sigh” (=suspirar; lamentar), no v.3; “wail” (=lamentar, gemer), no v.4; “weep” (=chorar), no v.7 e “moan” (= gemer, lamentar), no v. 8 
-v.10: “tell o’er”= segundo o site acima, trata-se de uma expressão contábil, que se refere à soma de listas de cifras
-v.11: notar metáfora ( “conta dos lamentos” )
-v.13: preferiu-se não traduzir “dear friend” para manter, no verso,  a ambiguidade de gênero do original  

 Sonnet  LV



Not marble, nor the gilded monuments                         1
Of princes, shall outlive this powerful rhyme;
But you shall shine more bright in these contents
Than unswept stone, besmear´d with sluttish time.


When wasteful war shall statues overturn,                     5
And broils root out the work of masonry,
Nor Mars his sword nor war´s quick fire shall burn
The living record of your memory.


‘Gainst death and all-oblivious enmity
Shall you pace forth; your praise shall still find room,    10
Even in the eyes of all posterity
That wear this world out to the ending doom.


So, till the judgment that yourself arise,
You live in this, and dwell in lovers´ eyes.


Soneto  LV



Nem o mármore, nem os monumentos ornados de ouro                       1
Dos príncipes, sobreviverão a estes versos poderosos;
Mas tu brilharás mais no conteúdo deles
Do que na pedra suja do tempo desleixado. 

Quando a guerra devastadora puser abaixo as estátuas,                      5
E desenraizar as obras de alvenaria,
Nem a espada de Marte nem o incêndio veloz da guerra  queimarão                                                                
O registro vivo da tua lembrança.


Contra a morte e o inimigo que tudo lança no olvido
Avançarás, compassadamente; teu louvor sempre encontrará lugar,    10                                                         
Mesmo aos olhos das gerações futuras
Que desgastarão este mundo pelo uso, até o Juízo Final. 

Assim, até esse dia, quando ressurgirás,
Viverás neste poema, e nos olhos dos que amam. 


Comentários ao soneto LV


1.Sinopse



            O poeta afirma que seus versos durarão mais do que o mármore e os monumentos em honra dos príncipes. Mas que o “príncipe” (o jovem senhor da dedicatória dos “Sonetos”) a quem se dirige brilhará mais nesses “versos poderosos” do que nos monumentos de pedra, abandonados dos adros das igrejas (v. comentário abaixo) (quarteto 1). Mesmo a guerra, que derruba estátuas e obras de alvenaria, não eliminará o “registro vivo” da sua lembrança, i.e. o poema, escrito no papel ou presente na memória das pessoas que amam (v.14) (quarteto 2). O jovem senhor, pelo seu comportamento, avançando, solene, em tempo de guerra ou de paz, será sempre louvado, por meio desses versos, inclusive pelas gerações futuras, até o dia do Juízo Final (quarteto 3). Até essa data, quando ressurgirá, ele viverá no soneto, e nos olhos dos que amam (dístico).


2.Tema e intenções


            O tema do soneto é o da imortalidade da (grande) poesia, de sua capacidade de resistir à passagem devastadora do tempo.
           
            A intenção de Shakespeare foi estabelecer uma comparação, quanto à permanência temporal, entre o poema e os monumentos de pedra erigidos em homenagem a determinadas pessoas, afirmando, logo de início, que o poema é mais durável. Nesse confronto, o poema é o vencedor (v. semelhança estrutural com o soneto XVIII). Os monumentos podem ficar abandonados  ( “unswept  stone” ),  sem  manutenção, nos terrenos em volta das igrejas (v.4); nas guerras, as estátuas, ou os monumentos, são derrubados. Mas seu fogo não o “queimará”, não queimará o papel onde consta o “The living record of your memory”. No terceiro quarteto, Shakespeare deixa de explorar a comparação, e se concentra no destinatário do poema, idealizando-o, pois o vê avançando “compassadamente”, como à frente de seus exércitos, numa guerra, ou liderando seus homens na vida quotidiana, numa conduta digna de louvor, objeto do soneto. Até o fim dos tempos, expresso pela imagem do dia do Juízo Final, ele viverá, por meio do poema imortal em si, ou da lembrança de seus versos, e portanto daquela pessoa, na memória dos indivíduos sensíveis, i.e., daqueles que amam ( “lover´s eyes”, v.14).



3.Observações particulares


-v.1: ocorrência de metonímia: “marble” (= mármore) substitui “estátua ou monumento de mármore”

-v.3-4: notar a aliteração em s: “But you shall shine more bright in these contents/ Than unswept stone, besmear’d with sluttish time.”

-v.4: ocorrência de metonímia: “stone” (= pedra) é usado em vez de “monumento de pedra”, que, segundo os comentaristas, corresponde àqueles que haviam na época de Shakespeare nos adros das igrejas, e cuja limpeza, ou manutenção, era negligenciada por parte dos encarregados disso, ao contrário dos “gilded monuments” (v.1) (monumentos decorados com ouro em folha) dentro das igrejas;

notar, ainda no v.4, a personificação do tempo, considerado como um zelador desleixado (“sluttish”)

-v.6: “broil”= luta, briga; “to root out”= arrancar pela raiz

-v.7: “Mars”= Marte, deus romano da guerra. “Mars his sword”= forma antiga de “Mars´ sword”;

notar também a alternância de r e s neste verso: “Nor Mars his sword nor wars quick fire shall burn”

-v.9: “all-oblivious enmity”: adotou-se, na tradução,  a interpretação de que o inimigo é o tempo, conforme o web site http//www.shakespeares-sonnets.com/ Todavia, segundo ainda esta fonte, Stephen Booth arrolou sete diferentes interpretações possíveis para essa expressão. Ver também Péricles E.S.Ramos, op.cit. p.74 

-v.10: “still”= (ant.) sempre, constantemente

-v.12: “to wear out”= usar, gastar (até que se estrague); desgastar (cf. dicionário Houaiss, op. cit.). O verbo enfatiza a passagem do tempo. O v.12 trata o mundo, metaforicamente, como se fosse um objeto qualquer, que se desgasta com o uso prolongado

-“doom”= (ant.) julgamento, condenação; Juízo Final (segundo a doutrina cristã, o dia, no final dos tempos, em que todos os seres humanos serão julgados definitivamente, indo uns para o Céu, e outros para o Inferno. Todos os mortos, para tanto, ressuscitarão nesse dia).


Sonnet LX



Like as the waves make towards the pebbled shore,             1
So do our minutes hasten to their end;
Each changing place with that which goes before.
In sequent toil all forwards do contend.


Nativity, once in the main of light,                                         5
Crawls to maturity, wherewith being crown’d,
Crooked eclipses ‘gainst his glory fight,
And Time, that gave, doth now his gift confound.


Time doth transfix the flourish set on youth,
And delves the parallels in beauty’s brow;                           10
Feeds on the rarities of nature’s truth,
And nothing stands but for his scythe to mow.


And yet, to times in hope, my verse shall stand,
Praising thy worth, despite his cruel hand.

Soneto LX



Assim como as ondas, na praia pedregosa,                       1
Também nossos minutos correm para o seu fim;
Cada um ocupando o lugar que era do outro.
Na lida sucessiva, todos movem-se para a frente.


A natividade, uma vez no fulgor da luz,                              5
Caminha para a maturidade, com a qual é coroada.
Maléficos eclipses lutam contra a sua glória,
E o Tempo, que doou, agora aniquila a sua dádiva.

     
O Tempo trespassa o floreio que adorna a juventude,
E escava paralelas na testa da beleza;                              10
Alimenta-se das excelências da natureza em expansão,
E nada fica de pé senão para a sua foice ceifar.


E no entanto meus versos a ele hão de resistir,
Louvando o teu valor, apesar da sua cruel mão.



Comentários ao soneto LX


1.Sinopse

           
O poeta inicia comparando os minutos que se sucedem (o tempo que passa) com as ondas que, repetidamente, morrem na praia, umas substituindo as outras (quarteto 1). Tudo o que nasce, desenvolve-se, e é “coroado” quando amadurece. Mas a sua glória (=a glória da juventude) é ameaçada por eclipses maléficos, de má influência, e o Tempo acaba por destruir aquilo que doou, i.e., a vida (quarteto 2). O Tempo fere mortalmente a juventude e a beleza, tudo alcançando com a sua temível foice (quarteto 3). Mas o poeta está convicto de que seus versos, nos quais o valor do ser amado é louvado, resistirão ao Tempo (dístico).


2.Tema e intenções


            O soneto trata da passagem do tempo, da sua ação implacável sobre os seres humanos, afetando a juventude e a beleza destes. Tudo sucumbe a essa ação, exceto a Poesia.

            Shakespeare desenvolve um símile nos versos do quarteto 1: os minutos que passam, ininterruptamente, são comparados às ondas do mar, que vêm se desfazer na praia, substituindo-se umas às outras, e procurando sempre mover-se para a frente. No quarteto seguinte, a imagem é outra. Ele refere-se à “natividade”, i.e., ao nascimento de uma criança, que caminha ( literalmente, “anda de gatinhas”- “crawls”) para o seu futuro. E afirma que a maturidade é o coroamento dessa vida humana. Após tal afirmação, menciona os astros, ou mais precisamente os “maléficos eclipses”, maléficos por causa da influência negativa que supostamente exercem sobre as pessoas, sobre a sua “glória”, ou fase gloriosa da vida (a juventude). Shakespeare utiliza essa imagem porque tradicionalmente sempre se acreditou ( e ainda há quem acredite) que os astros estão relacionados ao destino das pessoas. No último verso desse quarteto, introduz a figura do Tempo personificado (v. letra maiúscula), como um personagem maléfico que se arrepende do presente que deu, sendo o presente (“gift”) uma metáfora para a vida saudável e bela.  No terceiro quarteto, Shakespeare concentra-se no vilão Tempo, como alguém que ataca (“trespassa”) a juventude -- “trespassa” sugerindo a utilização de uma espada --, e também escavando sulcos “na testa da beleza”, uma manifestação do envelhecimento. Depois, ao deixar implícita a sugestão de um monstro que devora as “excelências” da natureza (cf. site citado abaixo, no comentário ao v.2), conclui referindo-se à sua foice (“scythe”) que nada poupa. Ele é identificado assim a um ceifeiro, representação tradicional também da Morte. Mas os seus versos, que louvam o ser amado, por serem imortais, resistirão à ação devastadora do tempo.  


3.Observações particulares


-v.1: a expressão “pebbled shore” sugere o fim penoso da vida, “fim” por que é aí que as ondas – “our minutes” – morrem, e “penoso” por que magoa o corpo de quem caminha por ela, ou nela senta ou deita, ao contrário da praia em que só há areia, sem pedras  (cf. site


-v.2: o web site http://www.shakespeares-sonnets.com/ alerta para o trocadilho aí existente entre “our” e “hour” ( “our minutes” ); salienta também a associação do número do soneto (60) -- a quantidade de minutos que uma hora contém -- com o seu tema (o minuto, ou a hora, como unidade do tempo que passa)

-v.5: ”nativity”: personificação; sugere criança pequena, pois “crawls” (= “anda de gatinhas” ) para a maturidade

-v.7: “crooked”= literalmente, “torto”; “torcido”; “trapaceiro”: a interpretação adotada na tradução é a do web site citado no comentário ao v.2

-a partir do v.8, verifica-se a presença do Tempo, personificado. No v.8, constata-se o seu caráter contraditório (como uma pessoa), pois doa e depois toma o que doou

-nos versos 9-12, o Tempo é identificado, sucessivamente, a um espadachim (trespassa a juventude) maldoso (escava sulcos na testa da “beleza”), a um tipo de monstro, pois “alimenta-se” de coisas raras da natureza, e a um ceifeiro, que usa sua foice sobre tudo e sobre todos, implacavelmente

-v.10: “beleza”: personificação (substitui “pessoa bela”)

-v.11: adotada, para a tradução, a interpretação do web site citado no comentário ao v.2

-v.14: recorrência da idéia da perenidade da poesia (ela resiste à passagem do  tempo, desafia-o).            



 Sonnet  LXXI



No longer mourn for me when I am dead                                     1
Than you shall hear the surly sullen bell
Give warning to the world that I am fled
From this vile world, with vilest worms to dwell;

 
Nay, if you read this line, remember not                                       5
The hand that writ it; for I love you so,
That I in your sweet thoughts would be forgot,
If thinking on me then should make you woe.


O, if (I say) you look upon this verse,
When I perhaps compounded am with clay,                              10
Do not so much as my poor name rehearse;
But let your love even with my life decay:


Lest the wise world should look into your moan,
And mock you with me after I am gone.


Soneto  LXXI



Quando eu morrer, não chores por mim mais tempo         1
Do que aquele em que ouvirás o sino triste e sinistro
Anunciar às pessoas que parti deste mundo vil,
Para ir morar com vermes mais vis ainda:


Não, se leres estas linhas, não recordes                                      5
A mão que a escreveu; pois te amo de tal modo
Que aceitaria ser esquecido, em teus doces pensamentos,
Se o pensar em mim então te causar dor.


Oh, (declaro) se leres estes versos,
Quando eu estiver, talvez, misturado com a terra,           10
Nem sequer pronuncia o meu pobre nome;
Mas deixa teu amor extinguir-se com a minha vida.


Para que os sensatos não examinem o teu lamento,
E não zombem de ti, por mim, depois que me for.


Comentários ao Soneto LXXI



1.Sinopse


O poeta pede à pessoa amada que não chore por ele, quando morrer, mais tempo do aquele em que ela ouvirá o sino tocando, anunciando a sua morte (quarteto 1). Pede a essa pessoa que, quando ler esses versos, não lembre de quem o escreveu, pois não quer que ela sofra com a lembrança dolorosa dele (quarteto 2). Não quer nem que ela pronuncie o seu nome, quando ele estiver enterrado. Ela apenas deve deixar o seu amor extinguir-se junto com a vida do poeta (quarteto 3). Assim procedendo, eles – o poeta e a pessoa amada – não serão alvo da zombaria por parte dos sensatos (“wise world”) (dístico).


2.Tema e intenções


O soneto consiste numa expressão do sentimento amoroso, relacionada a uma situação-limite, i.e., a da morte daquele que ama. Este ama tanto a outra pessoa que quer poupá-la até mesmo da dor da sua lembrança, após a morte.
O poeta, em cada um dos três quartetos, formula um apelo: 1) não quer que o ser amado chore por ele muito tempo; 2) não quer ser lembrado (pois acredita que sua lembrança será dolorosa para a outra pessoa); 3) não quer nem mesmo que o seu nome seja pronunciado. Cada um desses apelos está associado a uma imagem diferente: 1) a imagem (sonora) do sino tocando, que dará uma medida do tempo em que ele será pranteado; 2) a imagem (visual) da mão daquele que escreveu os versos; e 3) a imagem (sonora) do seu nome pronunciado. Também em cada quarteto refere-se, explicitamente ou não, ao corpo em decomposição: 1) no primeiro quarteto, no v.4:  “with vilest worms to dwell”; 2) no segundo, no v.6: “the hand” e 3) no terceiro, no v.10: “When I perhaps compounded am with clay” e no v.12: “decay”. A presença dos substantivos concretos “sino” e “vermes”, no primeiro quarteto, “terra” no terceiro, e especialmente “mão”, no segundo, quando associado ao defunto, conferem a esses versos grande força expressiva.   


3.Observações particulares


-versos 1-4: segundo os comentaristas (ver Péricles E.S.Ramos, op.cit., p.84), era costume da época o sino tocar para anunciar a morte de alguém. O número de badaladas correspondia aos anos de vida do defunto. A referência sonora contribui para criar a atmosfera adequada ao poema

-v.2:”triste e sinistro”: de acordo com o dicionário Houaiss, op.cit., “sullen”= “soturno”  (triste, sombrio), “tristonho“ (que produz tristeza) e “The Oxford Universal Dictionary Illustrated”, op.cit., “surly”= (arc.) rude  e triste, triste e sinistro (que é de mau agouro, que infunde receio, ameaçador). Significados de “soturno”, “tristonho” e “sinistro”, conforme dicionário Aurélio, op.cit.  

-notar a ocorrência de aliteração em v e w no v. 4:  “From this vile word with vilest worms to dwell;”, verso impressivo que sintetiza todo o rancor do ser humano mortal com o mundo

-versos  3, 4 e 13: repetição da palavra “world” 

-v.6: “writ”= forma arcaica de “wrote”

-v.7: “forgot”= forma arcaica de “forgotten”

-v.9: “this verse”; notar também, no v.5, “this line”: essas referências revelam um poeta consciente do seu meio de expressão, criando um “distanciamento crítico” entre o que é arte e o que é vida;  conforme comentário do web site http://www.shakespeares-sonnets.com/, “I say”, no v.9, pretende enfatizar a expressão da vontade do poeta, como se o poema fosse o seu testamento

-v.11: “rehearse”= (arc.) dizer, pronunciar, falar; conforme “The Oxford Universal Dictionary Illustrated”, op.cit.  

-v.12: “decay”= decair, declinar; apodrecer, decompor-se



Sonnet  LXXIII

                                                           
That time of year thou mayst in me behold                        1
When yellow leaves, or none, or few, do hang
Upon those boughs which shake against the cold,
Bare ruin’d choirs, where late the sweet birds sang.


In me thou seest the twilight of such day                          5
As after sunset fadeth in the west,
Which by and by black night doth take away,
Death´s second self, that seals up all in rest.


In me thou seest the glowing of such fire,
That on the ashes of his youth doth lie,                            10
As the death-bed whereon it must expire,
Consum’d with that which it was nourish’ d by.


This thou perceiv’st which makes thy love more strong,
To love that well which thou must leave ere long.



Soneto  LXXIII


                                                          
Aquela época do ano em mim tu podes ver                        1
Em que nenhuma ou poucas folhas amarelas pendem
Desses ramos que tremem ao vento frio,
Coros despojados, em ruínas, onde, tardios, doces pássaros                                                                   cantavam.

Em mim vês o crepúsculo de um dia                                 5
Sumindo no ocidente, após o sol se pôr,
Que a negra noite logo leva embora,
Tudo selando-- esse outro eu da morte -- em seu repouso.


Em mim vês reluzir aquele fogo
Que ainda se encontra nas cinzas da sua juventude,         10
Como o leito de morte em que deve expirar,
Consumido por aquilo com o qual foi alimentado.


Perceber isso faz o teu amor mais forte,
Para amar bem o que há de te deixar em breve.


Comentários ao Soneto LXXIII



1.Sinopse


O poeta, dirigindo-se à pessoa amada, afirma que ela vê nele aquela época do ano com determinadas características, típicas do outono. Os ramos desfolhados, despidos (“bare”) são considerados, metaforicamente, como “coros” arruinados das igrejas, onde pássaros cantavam (quarteto 1). Ela também vê nele aquele (breve) momento do dia, após o pôr-do-sol, que a noite logo vai extinguir, lacrando tudo com o seu selo, o selo do repouso, que não é só o selo do sono mas também o da morte, uma vez que a noite, além de ser “negra”, é o seu outro eu (“Death´s second self”) (quarteto 2). Ela o vê ainda como o brilho de um fogo que está presente “nas cinzas da sua juventude”, comparadas explicitamente a um leito de morte, pois aí mesmo o fogo que ainda resta deverá extinguir-se. Aquilo que alimentou o fogo (=a vida) é a razão da sua própria extinção (quarteto 3). Constatar isso tudo faz aquela pessoa amar o que (“that”) vai perder em breve (dístico).



2.Tema e intenções

O tema do soneto é a maturidade, fase da vida humana ilustrada por três imagens consecutivas: a) a do outono; b) a do final do dia, no momento do  crepúsculo,após o apogeu do dia (da vida, a juventude), expresso pela referência ao sol que já se pôs, e c) a do fogo que ainda existe, no meio das cinzas da juventude, em que, supõe-se, ardeu mais intensamente. Em todos esses casos, a referência a fatores que representam a sua negação confere um tom melancólico ao soneto.


A intenção de Shakespeare, assim, foi abordar a maturidade da vida humana, consistindo o soneto no desenvolvimento literário das três imagens associadas a ela.

Com relação à primeira, a associação da maturidade ao outono é seguida por referência indireta ao inverno, ou à velhice, sugerida por “cold” (no v.3). Por outro lado, os doces pássaros cantando tardiamente (“late”) (v.4), fora da época apropriada, sugerem as estações do ano anteriores, relacionadas à juventude.
  
O dístico refere-se a uma verdade psicológica elementar: a de que a privação de um bem torna-o mais importante aos nossos olhos. Esse “bem” tanto pode ser a pessoa que fala no poema, i.e. o poeta, quanto a juventude do ser amado, a quem o poema é dirigido.



3.Observações particulares


-v.1, 5 e 9: as anáforas, no primeiro verso de cada quarteto, estruturam o soneto (...“thou mayst in me behold”/ “In me thou seest”.../”In me thou seest”...)

-v.2: “do” é recurso enfático; também ocorre por exigência rítmica do verso

-v.3: “which” (= que, o qual): repetição de seu emprego nos versos 7, 12,  13 e 14. Mas em inglês a repetição de palavras é mais aceita do que em português; ver também repetição de “that” (=que, aquele, aquilo), que ocorre no v.8, 10, 12 e 13

-v.3: personificação dos ramos, que “tremem” (“shake”) pelo vento frio; conforme comentário no web site http://www.shakespeare-sonnets.com , “shake against the cold” tanto pode ser entendido como “tremem em antecipação do frio que se aproxima”, ou “pelo frio efetivo”, ou como  “tremem ao vento frio”

-v.4: presença de uma metáfora aqui: os ramos desfolhados são vistos como “coros despojados, em ruínas” das igrejas (segundo o web site citado acima, “em ruínas” tem a ver com a situação das igrejas católicas na Inglaterra elizabetana; quanto às múltiplas interpretações desse verso, ver também Péricles E. S. Ramos, op.cit., p.87

-v.4: “tardios”: as estações próprias dos pássaros cantarem seriam aquelas anteriores ao outono, em especial a primavera, quando há um clima festivo na natureza

-ocorre, no quarteto 1, referências aos sentidos da visão (cor amarela, ramos desfolhados), audição (canto dos pássaros) e tato (frio)

-o web site antes indicado afirma que as folhas amarelas caindo da árvore no outono (=o poeta) podem sugerir as páginas produzidas pelo bardo, amarelecidas com o tempo, mencionadas no soneto XVII

-v.6: “fadeth” em vez de “fades”. formas arcaicas do verbo na 3a. pessoa (também ocorre com “doth” em vez de “does” (v.7 e 10)

-v.7: “by and by”= logo, daqui a pouco (no v.14 há outra expressão idiomática: “ere long”= em breve, dentro em pouco (cf. dicionário Houaiss, op.cit.)

-v.7-8: verifica-se aqui a personificação da noite, e também da morte. Ambas (a noite, a morte) constituem um só ser, pois a noite é o “outro eu da morte”

-ênfase ao sentido da visão no quarteto 2 (desaparecimento gradual do dia, “negra noite”)

-v.10: acrescentado “ainda” na tradução, para tornar mais evidente o sentido do original  

-v.10-11: presença de um símile nesses versos: as cinzas, onde ainda existe fogo, são comparadas a um leito de morte, pois ali mesmo o fogo deverá extinguir-se

-v.11: “whereon”= sobre o qual

-no quarteto 3, os versos se apóiam na oposição entre contrários (fogo x cinza), assim como antes, no quarteto 2, ocorreu o contraste entre dia (=vida) e noite (=morte); no quarteto 1, os contrastes se dão pelas referências implícitas às estações do ano

-v.14: “to leave”= separar-se de; literalmente, a tradução do v.14 seria: “ Para amar bem aquilo do qual deves separar-te em breve”, i.e. as coisas que o ser amado perderá no futuro, não só o próprio poeta, quando morrer, mas também, por exemplo, a sua juventude, como salienta comentário do web site citado acima. Nas traduções de Péricles E.S.Ramos, e Ivo Barroso, perde-se  essa ambiguidade, pois esses tradutores, certamente tentados pela rima com “forte” incluem a palavra “morte” no verso, que não consta explicitamente do original (Ivo Barroso vai mais longe, e, em vez de “que”,  usa “quem”); no mesmo web site, afirma-se que pode haver um trocadilho de “well”, no v.14, com Will, de William (Shakespeare)


Sonnet  CXVI



Let me not to the marriage of true minds                               1
Admit impediments. Love is not love
Which alters when it alteration finds,
Or bends with the remover to remove:


O no; it is an ever-fixed mark,                                             5
That looks on tempests, and is never shaken;
It is the star to every wandering bark,
Whose worth’s unknown, although his height be taken.


Love’s not Time’s fool, though rosy lips and cheeks
Within his bending sickle’s compass come;                        10
Love alters not with his brief hours and weeks,
But bears it out even to the edge of doom.


If this be error, and upon me prov’d,
I never writ, nor no man ever lov’d. 


Soneto  CXVI



Que eu não admita impedimentos à união                          1
Das almas fiéis. Amor não é amor
Que se altera ao encontrar alteração,
Ou se inclina a mudar com quem mudou:


Oh, não! ele é um marco para sempre assentado,              5
Que observa tempestades e nunca se abala;
É a estrela para todo navio errante,
De valor desconhecido, mas de altura mensurada.


O amor não é joguete do Tempo, embora róseos lábios e rostos                                                                     
Caiam dentro do alcance de sua foice;                              10
O amor não muda com as nossas breves horas e semanas,
Mas permanece fiel até chegar a morte.


Se isso for um erro, e contra mim provado,
Eu nunca escrevi e ninguém jamais amou.


Comentários ao soneto CXVI



1.Sinopse

O poeta, após afirmar que não deve haver impedimentos ao casamento das “almas fiéis” (“true minds”), das pessoas constantes em seu amor, inicia dizendo o que o amor não é. Ele não é um sentimento que muda ao encontrar mudanças (no ser amado, supõe-se) (quarteto 1). A seguir, ele é considerado um “marco” marítimo  (“seamark” = sinal de navegação), inabalável, indiferente às tempestades, e também a estrela de “valor desconhecido” que guia os navios errantes (quarteto 2). Depois, o poeta volta a referir-se ao que o amor não é: ele não é joguete do Tempo, não é afetado por este, embora a juventude/beleza (“rosy lips and cheeks”) o seja. Ele não muda com o tempo, mas permanece fiel, constante, até o fim da vida do amante (quarteto 3). Conclui dizendo que se isso for um erro, o poeta nunca escreveu, e ninguém jamais amou (dístico).


2.Tema e intenções


O soneto busca definir o que é o amor, salientando as suas características, em especial, a sua permanência durante a vida do amante, a despeito das alterações que encontra, ou da passagem do tempo.

Para definir o que é o amor, Shakespeare estrutura o soneto com os versos 2, 5, 7 e 9, que começam assim, respectivamente, : “O amor não é”.../ “é”.../ “é”.../”não é”...

De início, no v.2 e seguintes, o poeta destaca o fato de que o amor não é um sentimento que se amolda às novas circunstâncias, destacando o seu caráter permanente.

          Na segunda estrofe, a partir do v.5 (o amor “é“...), Shakespeare explora duas metáforas: 1) o amor é um marco inabalável, relacionado a um mar tempestuoso, e 2) é a estrela que guia os navios errantes (a estrela do Norte, segundo os comentaristas). O caráter permanente antes referido é enfatizado aqui pela menção ao “ever-fixed mark” (v.5), apesar das tempestades (também com valor simbólico: podem ser entendidas como as turbulências interiores, decorrentes da “alteração” das circunstâncias  -v. 3). O amor também é uma estrela-guia, estrela porque é algo elevado, sublime, belo, luminoso, misterioso (“de valor desconhecido”, v.8), embora sua intensidade possa ser estimada (= “although his height be taken”, v.8); guia porque orienta as pessoas na vida (saberão, em função dele, do amor, o que é melhor para elas, a saber, a posse do ser amado).

            No v.9, Shakespeare retorna a uma definição negativa do amor: “O amor não é”...um joguete do Tempo (“joguete”, segundo o dic. Aurélio, “é a pessoa ou coisa que é alvo de ludíbrio ou mofa”). O Tempo, como em outros sonetos, é concebido pelo poeta como uma pessoa, um ceifeiro implacável, que tudo alcança com a sua foice, menos o amor. O tempo passa, o amante envelhece (perde os seus “rosy lips and cheeks”, pois a juventude/beleza também é atingida pela foice do Tempo- versos 9-10) mas mantém-se fiel ao ser amado, o que nos remete novamente para o caráter duradouro do amor. O amor não muda com o tempo, mas mantém-se constante até chegar o fim (“doom”), ou a morte do amante.

            O dístico revela que o poeta está absolutamente convencido da verdade do que afirmou, pois não há como considerar a hipótese contrária (qual seja, a de que ele nunca escreveu e ninguém jamais amou). 
      
  Verifica-se, nessa amostra dos sonetos, que as únicas formas, concebidas por Shakespeare, do ser humano vencer o Tempo – de escapar à sua foice implacável – encontram-se no amor (ou nos descendentes, frutos do amor) e na arte (na poesia). Quanto ao amor, além deste, o soneto XII já havia se referido à “prole” como uma possibilidade de defesa contra o grande Ceifeiro, confirmado pelo soneto XVII. O soneto LV refere-se aos “que amam”, como as pessoas nas quais o ser amado continuará vivendo, após a morte, contrapondo-se assim, num certo sentido, ao aniquilamento absoluto imposto pelo Tempo.  


3. Observações particulares

-v.1: “true minds”= “true lovers”, segundo o web site http://vccslitonline.cc.va.us/sonnet 116/ , que também interpreta esse verso como referindo-se à união espiritual de “soulmates”, ou seja, de “companheiros ideais, feitos uns para os outros”.  Essa união corresponde ao casamento costumeiro que, para ser concretizado, não deve haver “impedimentos” (v.2). Depois dele, os amantes viverão juntos até que a morte (“doom”, v.12) os separe
-v.4: “to remove”= mudar; mudar-se; (poét.) ir-se embora (dic. Houaiss)
-v.5: mark= “seamark” (cf. “Cliffs Notes on Shakespeare’s Sonnets”, op.cit., p. 84 e Péricles E.S.Ramos, op. cit., p. 112). “Seamark” significa, em português, qualquer sinal de navegação, conforme os dicionários Houaiss e Michaelis
-v.8: (estrela de) “valor desconhecido”. Péricles E.S. Ramos (op.cit., p.113) traduziu como (estrela) “cujo poder se ignora”, realçando não o desconhecimento da natureza dos astros na época de Shakespeare (cf.o site http://www.shalespeares-sonnets.com/ ), mas a sua possível influência sobre as nossas vidas, conforme a interpretação de outros autores  
-v.10: personificação do Tempo. Ele é concebido como a representação tradicional da Morte, uma ceifeira (ou ceifeiro, personagem masculino, no caso, por causa de “his”, cf. versos 10 e 11). Representa assim algo temível, a cuja ação devastadora o amor oferece resistência (“to bear out”= resistir; permanecer firme), enquanto durar a vida do ser que ama

certas consoantes e sons sibilantes, que dificultam a pronúncia do v. 10, e o  deformam, atuam como o tempo, que deforma a beleza da carne

-v.11: “his brief hours and weeks”- não se traduziu “his” literalmente (= suas, do Tempo) para evitar a ambigüidade na interpretação do verso 

-v.12: “doom”= julgamento; fim; ruína; Juízo Final (dic. Houaiss)   



FONTES  CONSULTADAS



-ALEXANDER, L.G.- “Poetry and Prose Appreciation for Overseas Students”- Longman, 1974

-BARROSO, Ivo- “William Shakespeare- 24 Sonetos”- 2a. ed.- Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira, 1975

-HOUAISS, Antônio (editor)- “Dicionário Inglês-Português”- Rio de Janeiro: Ed. Record, 1987

-MARQUES, Oswaldino- “Poemas Famosos da Língua Inglesa”- Edições de Ouro,1968

-MENDES, Oscar- “Sonetos” in “Obra Completa de William Shakespeare”, v. III- Rio de Janeiro: Ed. Nova Aguilar S.A., 1995

-MICHAELIS- “Dicionário Ilustrado Inglês-Português”-Ed. Melhoramentos, s/d

-“NOVO Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa”- 2ª ed.- Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira, 1986

-PRIESTLEY, J.B. et al.- “Adventures in English Literature”- v.2- Harcourt, Brace & World, Inc.- 1963

-RAMOS, Péricles Eugênio da Silva- “Sonetos de Shakespeare”- Ediouro, s/d

-SENNA, Carl- “Cliffs Notes on Shakespeare’s Sonnets”- 2nd Edition, 2000

-SHAKESPEARE, William- “Complete Sonnets”- Dover Publications, Inc.- New York, 1991

-“THE Oxford Universal Dictionary Illustrated”- 2 v., 1970

-WEB sites: “Shakespeare’s Sonnets”:
(inclui comentários aos sonetos, verso a verso, respaldados nos seguintes autores: Stephen Booth, G.Blakemore Evans, Katherine Duncan-Jones, John Kerrigan, Helen Vendler, Eric Partridge e C.T.Onions)

-sobre o soneto LX:

-sobre o soneto CXVI:





























  






























  










  








  

















Um comentário:

  1. É possível adquirir o livro "Dez Sonetos de Shakespeare" em http://www.agbook.com.br/authors/67231

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