quarta-feira, 5 de outubro de 2022

"AS TRÊS IRMÃS"

A peça "As Três Irmãs", de Tchekhov (1860-1904), aborda a vida sem perspectivas de três jovens, residentes numa cidade pequena da Rússia, que não conseguem concretizar seu sonho de autorrealizacao pessoal e profissional. Sonham em voltar a viver em Moscou, de onde se mudaram há 11 anos, mas a peça concluirá sem que isso ocorra. A mais nova, Irina, tem 20 anos e a mais velha, Olga, 28. Ambas são solteiras, enquanto a terceira, Masha, é casada com um professor de ensino médio, que a ama e mantém seu casamento, apesar dos casos amorosos dela (apenas sugeridos na peça). Na cidade em que elas moram estão sediadas forças militares, cujo comandante, casado e com duas filhas, vive em conflito com a esposa. Ele declara seu amor por Masha, que o aceita mas o relacionamento entre os dois não é descrito por Tchekhov. A filha mais nova, Irina, apesar de não amar o ten. Tusenbach, acaba aceitando sua proposta de casamento, porque isso lhe permitirá libertar-se daquela vida provinciana sem perspectivas. Mas ele é morto num duelo com o cap. Solioni, que também ama Irina. O final da peça mostrará a jovem resignada a continuar ali sua vidinha de professora. Olga, por sua vez, mesmo a contragosto, continuará lecionando e se tornará diretora da escola. As três irmãs possuem ainda um irmão, Andrei, que abandona seus planos ambiciosos para se acomodar a uma função burocrática municipal. Ele se casou com Natasha, mulher mesquinha que quer despedir a serviçal Anfisa, de 80 anos, mas a bondosa Olga dá proteção a essa anciã. Andrei também trata mal o porteiro Fenapont que lhe serve de criado, revelando a postura elitista do casal. No final, todos os militares vão embora daquela cidade, e a vida nela voltará ao que era antes deles virem. Acredito que o sentido maior desse drama reside na denúncia da condição feminina em sua época (início do século XX), onde não eram dadas às mulheres as condições para a sua plena realização como seres humanos. Hoje, embora já tenhamos feito grandes progressos nessa área, essa questão ainda permanece atual.

"O POMAR DAS CEREJEIRAS"

Essa foi a última peça escrita por Tchekhov, encenada em Moscou no ano em que ele faleceu (1904). Seu tema é a ruína econômica de Madame Ranevski e do irmão, pois eles perdem a propriedade tradicional da família, que contém o vasto pomar de cerejeiras do título do drama. Ela é arrematada em leilão por Lopahin, um comerciante enriquecido, cujo pai e ancestrais foram servos daquela mesma terra. Assim, a peça é representativa da decadência de uma classe e da ascensão de outra na Rússia ainda czarista, do começo do século XX. Madame Ranevski tem duas filhas—Anya, com 17 anos, que ama Pyotr, um jovem idealista de 26 ou 27 anos, ainda estudante, que embora pobre rejeita o dinheiro oferecido por Lopahin. Esse casal destoa de Ranevski pelo seu ânimo e esperança no futuro, não se abatendo pela perda da propriedade. Outra filha dela é Varya, filha adotiva, de 24 anos, que gosta de Lopahin, quer desposá-lo mas não se declara a ele, esperando que este o faça, o que não ocorre até o fim da peça. No final, Madame Ranevski, lamentando a perda daquela propriedade, associada à sua família e às suas memórias pessoais mais queridas, parte para Paris, onde vai reencontrar-se com o marido doente, de quem estava separada há um tempo porque se revelara um mero interesseiro em seu patrimônio. Gaev, o irmão de Madame Ranevski, vai ter que trabalhar agora, arrumando um emprego de funcionário público. Varya, por sua vez, partirá para outra cidade, onde será empregada em uma residência. Lopahin pretende retalhar, em inúmeros lotes, a propriedade arrematada em leilão, aumentando assim a sua riqueza com a comercialização deles. Deve-se destacar ainda, dentre os personagens de menor importância, Epihodov, um empregado da casa, mal sucedido no amor. Ele gosta de Dunyasha, a copeira, que não lhe dá bola e sim a Yasha, jovem presunçoso, criado pessoal de Madame Ranevski, que partirá com ela para Paris, elogiada por ele enquanto deprecia a cidade russa em que estão, onde transcorre a ação da peça.

segunda-feira, 3 de outubro de 2022

"CAPITÃES DA AREIA"

Esse livro de Jorge Amado aborda a questão dos menores abandonados de Salvador. São pequenos ladrões ou pedintes, futuros malandros (ou não). Vivem livres na areia das praias e moram num antigo trapiche, não mais usado. São marginais, vivem à margem da sociedade. O autor vê com simpatia esses deserdados da sorte, sem pai nem mãe, sem família. Compreende as razões para a sua condição precária, como produto de uma sociedade desigual e injusta. O bando é conhecido como os "capitães da areia". É assim que a imprensa também os chama, uma imprensa, aliás, que os vê de forma preconcebida, com o viés das classes dominantes, que não hesita em condená-los antes de procurar compreender as razões sociais que produzem o fenômeno. É um belo romance, com personagens marcantes, retratados realisticamente, com seus vícios e também suas virtudes, nas quais se destaca a lealdade ao grupo. Ainda lhes resta um pouco do espírito infantil, que não perderam totalmente, em sua infância roubada pelo precoce amadurecimento. A meu ver, o capítulo de maior qualidade literária, de elevado grau de lirismo, é o relativo à menina-moça Dora, com quem o chefe do bando, Pedro Bala, descobre o amor. Este é o protagonista do livro, que mostra a sua evolução para o maior engajamento político, enquanto seus companheiros mais próximos tomam outro rumo na vida. O livro é de 1937, e foi proibido pelo Estado Novo. Mas continua muito atual, como toda obra-prima...