terça-feira, 24 de maio de 2011

ORIGENS DA FAMÍLIA MUNHOZ NO PARANÁ




Este texto é parte de um livro inédito sobre Caetano José Munhoz, tronco de muitos ramos familiares, um dos quais Munhoz da Rocha. A rigor, não trata das origens de todos os Munhoz no Paraná, e sim de uma parte da família, aquela que se radicou no litoral paranaense e descende de Florêncio José Munhoz (sênior), pai de Caetano. Trata assim, mais precisamente, das origens familiares de Caetano José Munhoz.
OBS: o livro sobre Caetano José Munhoz está disponível agora em caetanojosemunhoz.blogspot.com.br


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CAETANO JOSÉ MUNHOZ (1817-1877) pertencia, por parte de pai, à família Munhoz (ou Munhós, ou ainda Munhoenz, como consta nos documentos mais antigos). A origem dos ancestrais de CJM, radicados em Paranaguá, é mais recente do que a de outros Munhoz presentes no território brasileiro, onde se constata sua presença já no século XVI (1). Para seu neto, o escritor Alcides Munhoz,

A família Munhoz no sul do Brasil e nas repúblicas platinas provém de um único tronco de origem que teve o seu início em Tarancon, província espanhola de Cuenca. O seu primeiro representante foi um empregado régio de impostos, no século dezesseis. Um dos seus descendentes veio para a América pelo meado do século dezoito. Viera, como militar, para as possessões espanholas do sul, para a Banda Oriental, provavelmente, em serviço da coroa. (2)
Nas páginas seguintes apresento informações, colhidas em diferentes fontes, sobre os ascendentes de CJM, especialmente seus pais, e o meio social em que viveram.

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Segundo Francisco Negrão, seu pai -- o tenente (de Milícias) Florêncio José Munhoz, doravante FJM -- nasceu em Paranaguá, filho de Bento Antônio Munhoz e Miquelina de Assumpção, “naturais de Cádiz”. Mas não informa mais nada a respeito desse casal, apenas que os pais de Bento chamavam-se Bernardo Munhoz e Rosa Maria e os de Miquelina, Manoel Ignácio do Vale e Lourença Maria (3).

Ricardo Costa de Oliveira (4) extraiu de um processo de dispensa matrimonial de 1795 relativo aos noivos José Bernardo Munhoz e Rosa Maria de Miranda (batizada em Paranaguá em 8/3/1763) a informação de que os pais de José Bernardo chamavam-se Bernardo Antônio Munhoz (de Cádiz, Espanha) e Rosa Maria da Rocha. Deduzo daí que esses eram os nomes completos dos pais de Bento referidos por F. Negrão. E que Bento era irmão de José Bernardo, já que seus pais eram os mesmos. Outra informação interessante obtida desse processo é a de que os avós paternos de José Bernardo, e por conseguinte de Bento, chamavam-se João Munhoz e Ângela Maria, de Cádiz.

O pai de FJM deve ser o Bento Munhoz citado por Vieira dos Santos na relação dos cidadãos parnanguaras “que serviram nos cargos de governança desde 1750 a 1800” (5). E deve ser aquele Bento José Munhoz cujo óbito ocorreu no período 1801-1802, conforme o “Mapa necrológico” preparado por esse autor a partir dos registros das Irmandades do SS. Sacramento e de N.Sra.do Rosário, já que F. Negrão afirma que Balbina, irmã de FJM, era filha de Bento José (e não Bento Antônio) Munhoz e de sua mulher Miquelina Maria de Assumpção (6). Também no registro de batismo de Bento Florêncio, filho de FJM, o nome do avô paterno é Bento José, e não Bento Antônio, e o da avó é Maria Miquelina, e não Miquelina Maria, conforme informação que me foi fornecida pela Mitra Diocesana de Paranaguá.

Quanto ao avô Bernardo, seria aquele Bernardo Antônio Munhoz cujo óbito, no período 1809-1810, constou no “Mapa cronológico” antes referido (7). F. Negrão cita um Bernardo Antônio, “falecido em Paranaguá em 1809” como um possível irmão de FJM, mas não está certo dessa relação de parentesco, ao contrário dos outros irmãos que menciona, ou melhor, irmãs, Francisca, Balbina e Maria. A primeira, Francisca Munhoz de Siqueira, casou com o Tenente Bento José de Siqueira, Balbina Maria de Assumpção com o Capitão Antônio José de Carvalho e Maria Munhoz com Manoel de Oliveira Cercal (8).

“Bento Munhoz” (o pai de FJM?), como disse acima, consta da relação apresentada por Vieira dos Santos dos cidadãos parnanguaras que serviram em cargos de governança no período 1750-1800. Essa é a referência mais antiga a um Munhoz na sua “Memória Histórica de Paranaguá” (o nome “Bento José Munhoz” também aparecerá em relação semelhante, referente a 1800-1850). O mesmo autor, na p. 171, v.1, dessa obra, arrola “mais de 30 pessoas da governança”, aí incluídos os membros da Câmara, que assinaram em 19 de maio de 1781 uma reclamação contra a nova tarifa de pagamento pelos “toques dos dobres de sinos da igreja matriz” de Paranaguá, diferenciada segundo o gênero ou a idade da pessoa falecida (homens, mulheres, meninos de 7 a 14 anos). Nessa relação não consta Bento nem outro Munhoz, indicando talvez que os ancestrais de FJM ainda não haviam se estabelecido na região, ou se já o haviam, isso ocorrera há pouco tempo, pois ainda não tinham sido escolhidos para integrarem a “governança”, o que só teria ocorrido assim após aquele ano de 1781.

Sessenta anos antes, em 1721, na relação apresentada por Vieira dos Santos dos “115 cidadãos principais” que assinaram os Provimentos do ouvidor Rafael Pires Pardinho, após sua leitura e aprovação na sessão da Câmara da vila de Paranaguá realizada em 16 de junho daquele ano, também não consta nenhum signatário com o sobrenome Munhoz (9)

Relacionado à família, consta aí apenas o nome de Manoel do Vale Porto, o fundador de Antonina, o qual virá a ser bisavô de Luíza Lícia, a esposa de FJM, com quem este se casará quase cem anos mais tarde. Vieira dos Santos informa que em 1714 o sargento-mor de ordenanças da capitania de Paranaguá Manoel do Vale Porto e os residentes da localidade que se tornaria a atual Antonina requereram ao bispo do Rio de Janeiro “a faculdade de poderem levantar uma capela debaixo do título de Nossa Senhora do Pilar da Graciosa”, o que lhes foi concedido (cf op cit, v.I, p 118). Essa é a origem de Antonina, cujo nome homenageia o príncipe D. Antônio Pio (1795-1801), filho de D. João e D. Carlota Joaquina (10). Em 1785 o vigário da igreja matriz de Paranaguá informava à Câmara que a freguesia do Pilar abrangia 1.826 pessoas (enquanto a vila de Paranaguá possuía 3.427). Tal freguesia só alcançaria o status de vila em 1797 (11)

A presença dos Munhoz no Brasil é muito antiga, segundo C.G. Rheingantz (12), datando do século XVI. Mas se a informação de Alcides Munhoz é verdadeira, a origem desses Munhoz, ancestrais de FJM, é mais recente. Teriam emigrado da Espanha só no séc.XVIII, e em melhores condições econômicas, aparentemente. A cidade portuária de Cádiz localizada bem ao sul do país, próxima ao estreito de Gibraltar, pertence à região da Andaluzia. Em 1755 ocorreu ali um maremoto, que quase acabou com a cidade. Talvez esse fato tenha influenciado a decisão, por parte dos pais, ou avós, de FJM, de emigrar para o Brasil (13).

Do ponto-de-vista da história do nosso continente, exatamente na metade do século XVIII Espanha e Portugal celebram o Tratado de Madri pelo qual entram em acordo relativamente às fronteiras de suas possessões sul-americanas (Portugal perdia a Colônia do Sacramento e abandonava suas pretensões ao estuário do Prata mas ganhava, em compensação, os territórios do sul do Brasil, do sul matogrossense etc). Todavia, mais tarde, em 1761, as hostilidades entre os dois países reiniciaram, como decorrência de seu envolvimento, em campos opostos, na Guerra dos Sete Anos, entre a Inglaterra e a França. A esta aliou-se a Espanha num “pacto de família”, dos Bourbons, enquanto o rei de Portugal, apesar do parentesco, preferiu permanecer fiel à aliança com a Inglaterra. As hostilidades só cessariam definitivamente com a celebração do Tratado de Santo Ildefonso em 1777, consolidando a posse portuguesa do atual território brasileiro do sul, e de outras regiões (14).

Com o reinício dos conflitos, segundo Vieira dos Santos (15), “A Espanha fez logo aprontar em Cádiz uma grande esquadra de guerra, guarnecida de tropa sob o comando de Dom Pedro de Cevallos, e enviada à costa do Brasil, onde chegando, logo tomaram a Ilha de Santa Catarina” em 1777 (e não em 1772, como aí consta). Os espanhóis se retirariam dessa ilha no ano seguinte. Sabe-se também que Cevallos, a partir de Montevidéu, atacou a Colônia do Sacramento naquele mesmo ano. Mas o Tratado de Santo Ildefonso, como já foi dito, poria fim a essas hostilidades, com a definição acordada dos limites entre as possessões das duas coroas ibéricas.

É nessa conjuntura que deve ter vindo de Cádiz o primeiro Munhoz ancestral de CJM (e não de outros Munhoz existentes em nossa terra, cuja origem é mais antiga, como já disse). Isso é coerente com a citação de Alcides Munhoz transcrita antes neste trabalho, para quem esse primeiro Munhoz seria um militar e teria vindo para a Banda Oriental do Uruguai “pelo meado do século dezoito”.

Resumindo as informações sobre os ancestrais do pai de CJM expostas anteriormente: FJM era filho de Bento Munhoz e Miquelina de Assumpção. Neto de Bernardo Antônio Munhoz e Rosa Maria da Rocha. Bisneto de João Munhoz e Ângela Maria. Esses ancestrais procediam de Cádiz, região da Andaluzia, na Espanha.

Além disso, Bento era irmão de José Bernardo e Joaquim Antônio Munhoz (ver adiante, na nota (41), a justificativa para esta afirmação relativamente a Joaquim). Talvez também o fosse de Pedro Antonio Munhoz. Eles seriam assim tios de FJM.

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O casal Florêncio José Munhoz-Luíza Lícia de Lima Munhoz teve os seguintes filhos, segundo Francisco Negrão (16):
1.Caetano José Munhoz, nascido em Paranaguá aos 17 de junho de 1817.
2.Maria Lícia Munhoz, batizada em 29 de junho de 1829, cujos padrinhos foram o capitão Joaquim Antonio Munhoz, solteiro, e Catharina Maria do Espírito Santo, viúva (17). Ela casou em 2 de fevereiro de 1850 com Manoel Martins da Rocha, filho de Manoel Martins e Maria Joaquina de Souza, naturais do Reino de Portugal, freguesia de São Martinho de Campos (18). Maria Lícia Munhoz e Manoel Martins da Rocha são os pais do Cel. Bento Munhoz da Rocha, de quem descendem diretamente dois governadores do Paraná.
3. Bento Florêncio Munhoz, batizado em 6 de agosto de 1824 (segundo me informou a Mitra Diocesana de Paranaguá, baseada no livro dos registros respectivos). Ele casou com Maria do Céu Taborda Ribas, “sem descendentes”.
4. Balbina Lícia Munhoz, que casou com o Major Mathias Taborda Ribas, “comendador e importante industrial”, irmão de Maria do Céu antes referida, “sem descendentes”. Assim, os irmãos Bento Florêncio e Balbina casaram com os também irmãos Maria do Céu e Mathias.


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Em que ano FJM nasceu? No livro de registro de óbitos em poder da Mitra Diocesana de Paranaguá (que gentilmente me forneceu a informação que segue) consta que ele, natural e morador de Paranaguá, faleceu em 1856, aos 65 anos de idade. Logo, seu nascimento ocorreu em 1791. Como se vê, seu período da vida (1791-1856) corresponde basicamente à 1ª metade do século XIX, quando ainda não existia a província do Paraná e a região estava subordinada à de São Paulo, como a sua 5ª. Comarca.
O “Ensaio d’um Quadro Estatístico da Província de São Paulo” de Daniel Pedro Müller, que é de 1838, mostra como estava organizada então essa província, dividida em comarcas, que se subdividiam em termos, os quais abrangiam vilas, freguesias e capelas curadas. A província de S. Paulo dividia-se em 6 Comarcas e 24 Termos.
A 5ª. Comarca era composta de três Termos, os de Castro, Curitiba e Paranaguá. O Termo de Castro abrangia as freguesias de Guarapuava, Belém no Tibagi, Jaguariaiba (sic) e Ponta Grossa. O Termo de Curitiba, as freguesias de S. José dos Pinhaes, Votuverava e Palmeiras. E ainda a de Rio Negro, anexa à vila Nova do Príncipe, pertencente a esse mesmo Termo. No Termo de Paranaguá, que incluía também as vilas de Guaratuba e Antonina, havia a freguesia de Morretes, anexa a esta última. Por fim, no Termo de Curitiba havia a Capela Curada de Campo Largo e no de Paranaguá a de Guaraquiçava (sic).
Como se vê, em 1838 a 5ª. Comarca possuía seis vilas: Curitiba, Nova do Príncipe, Castro, Paranaguá, Guaratuba e Antonina (19).


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Qual era a situação econômico-social de Paranaguá nesses anos? Tentarei caracterizá-la em rápidas pinceladas me beneficiando dos resultados obtidos nas pesquisas amplas e sistemáticas realizadas por Cecília Westphalen.

Em 1772, censo realizado na província de S.Paulo revelou que a população da vila de Paranaguá era superior à de Curitiba: tinha 3.193 hab, enquanto a de Curitiba, 1.939 hab. Mas no ano da instalação da província do Paraná, em 1854, a situação se invertera. Enquanto a população de Paranaguá (termo da cidade) crescera para 11.573 hab, a do termo de Curitiba crescera para 20.629 hab. A nova província do Império contava então com uma população de 62.258 hab (20).

No final do séc. XVIII, o estado sanitário da população litorânea era péssimo: em 1788, um surto epidêmico matou cerca de 10% de toda a população de Paranaguá. Havia também muita pobreza (21).

Aliás, quanto à pobreza, vale a pena lembrar aqui a passagem seguinte da “Memória Histórica” de Vieira dos Santos (22). Segundo o “pai da historiografia paranaense”, em resposta a uma determinação de D. Luiz Antonio Botelho Mourão, General da Capitania de S. Paulo, que mandara a comunidade parnanguara contribuir para a construção de uma fortaleza na barra da baía de Paranaguá com recursos próprios, a Câmara, em “vereança” de 28 de janeiro de 1766, deliberou que “atendendo ao miserável estado da terra e seus moradores, lhes não convinha contribuir com coisa alguma para a mesma obra”. E mais adiante a Câmara acrescentava esta observação sobre a população da Vila: “distinguindo a qualidade de seus moradores, se achariam só sessenta ou setenta com algum tratamento, o mais tudo gente de pé descalço” (não é de se admirar, portanto, que gente com alguma posse, como os Munhoz, logo se destacassem dentre essa população muito pobre).

Em 1800, Paranaguá exportava farinha de mandioca, arroz socado, arroz com casca, congonhas, meios de sola, couros de vaca e de boi, farinha de trigo, betas de embé, viradores (ou cabos usados para reboque, atracação de barcos etc), peixe salgado, goma, café. Por outro lado, Paranaguá importava fazendas, algodão, sal, açúcar e ferragens.

Em 1808 a Câmara de Paranaguá obrigava a todos os possuidores de terras e sítios a plantarem mandioca em suas lavouras, pois havia falta de farinhas. Os exércitos do Sul reclamavam tal abastecimento (23).

Quanto à erva-mate – responsável por todo um ciclo econômico, a partir da década de 1820, de importância crucial para a formação do Estado do Paraná --, os moradores da Comarca não aproveitaram da Provisão Régia de 1722, que autorizava o comércio, inclusive com Buenos Aires (24), certamente pela ausência de capitais (25). A comercialização da erva-mate limitava-se no séc. XVIII às pequenas permutas com os barcos nacionais, que vinham em busca de farinhas de mandioca e arroz (26).

Em 1808 ocorreu a abertura dos portos às nações amigas, inclusive o de Paranaguá (27). Quando as remessas de erva pelo Paraguai para o mercado de Buenos Aires foram escasseando, em decorrência de medidas restritivas ali impostas, os preços se elevaram. A demanda cresceu e abriu-se oportunidade para a nossa erva (28), o que enriqueceria os comerciantes de erva-mate (29).

Em 1820, chegou a Paranaguá o argentino Francisco de Alzagaray. Antes da década de 1820 e de Alzagaray não havia exploração econômica do mate (em 1780, havia engenhos de açúcar e em 1785, principiara a cultura do arroz em Paranaguá) (30).

Em 1826, a erva-mate já representa 70% do total da exportação paranaense; nessa época, havia em Paranaguá 11 engenhos de destilar aguardente, 6 engenhos de pilar arroz, diversas caieiras (ou fábricas de cal) e 3 estabelecimentos de erva-mate (“toscos fornos”). Toda erva preparada em Paranaguá procedia da vila de Curitiba, como já foi dito.

Alguns anos depois, em 1830, Manuel Antônio Guimarães (futuro Visconde de Nacar) fundou, e manteve até a última década do século, “a principal casa comercial de Paranaguá, exportadora de erva-mate, arroz e outros gêneros” (31).

Em 1836, as vilas do litoral produziam aguardente, café, arroz, farinha de mandioca principalmente, peixe, tabuado, vigas e betas de embé; as do planalto (Curitiba, Castro e Príncipe), que se dedicavam à criação de gado vacum, cavalar e lanígero, produziam feijão e, sobretudo, erva-mate (32).

A navegação no porto de Paranaguá era realizada por embarcações à vela. Somente em 1839 entrou em Paranaguá o primeiro barco a vapor. As embarcações a vapor seriam mais frequentes no porto posteriormente, na 2a. metade do século (33).

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Sobre a educação de FJM, suponho que teve aquela típica da época para as pessoas de sua condição social. Os jesuítas mantiveram um colégio em Paranaguá no século XVIII. Mas foram expulsos do Brasil em 1759, muito antes do nascimento de FJM, ocorrido em 1791. Por isso, a hipótese dele ter sido seu aluno fica descartada. FJM pode ter sido enviado para estudar nos centros maiores (São Paulo, Rio de Janeiro), como era usual com relação aos filhos das classes dominantes. Se permaneceu em sua cidade, pode ter recebido aulas de professor particular, ou mesmo frequentado escola régia, onde aliás só brancos estudavam (dela estavam excluídos os índios e os negros) (34).

Vieira dos Santos (35) apresenta algumas informações relacionadas à educação em Paranaguá no final do século XVIII e começo do século XIX. Havia então “professores régios” que poderiam ter instruído o jovem FJM.

Em 6 de setembro de 1768 uma provisão passada no Rio de Janeiro por um representante da autoridade eclesiástica de Lisboa e Diretor Geral dos Estudos nomeava o padre Inácio Pinto da Conceição “professor régio da gramática latina da vila de Paranaguá” .

Mais tarde, pela vereança de 26 de julho de 1783, a Câmara representou à rainha D. Maria I “a necessidade de haver um professor régio para o ensino das primeiras letras” .

Cinco anos depois, em 1788, Provisão Régia de D. Maria I faz “mercê a Francisco Inácio do Amaral Gurgel do lugar de substituto da escola de ler e escrever e do catecismo na Vila de Paranaguá da Capitania de S. Paulo”. Em 1790 esse “professor de primeiras letras” recebe uma carta em que um escriturário de São Paulo, por determinação do General da Capitania, o convida a vir residir naquela cidade e ali abrir uma escola. Pelo que diz Vieira dos Santos, aparentemente esse professor aceitou o convite, descontente com o atraso do pagamento de seu ordenado. Deixou como substituto Manoel Lobo de Albertim Lanoia. Esse fato mostra que professores régios poderiam abrir escola particular.

De qualquer forma, F.Negrão acha que ele foi professor em Paranaguá por alguns anos, a julgar pelo que diz Vieira dos Santos a respeito de suas aulas, de onde “saíram ótimos discípulos, muitos dos quais tomaram ordens sacras, outros seguiram várias ciências, e a maior parte se aplicaram ao comércio”. Afirma ainda, baseado no mesmo cronista, que ele faleceu em 1807 (36).

Relativamente a 1789, Vieira dos Santos registra em sua obra uma Provisão Régia de D. Maria I “fazendo mercê a José Carlos de Almeida Jordão, de professor da cadeira de gramática latina, da Vila de Paranaguá”, cargo ao qual é reintegrado em 1810, por mais seis anos (ele exercia a cadeira desde 1780). Assim, FJM pode ter tido aulas (inclusive particulares) com os professores Amaral Gurgel, Lanoia ou Almeida Jordão.

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A julgar pelos dados disponíveis, FJM foi uma personalidade importante em sua comunidade. É mencionado várias vezes na “Memória Histórica de Paranaguá” de Vieira dos Santos, escrita em 1850, e também na “Genealogia Paranaense” de Francisco Negrão, publicada em 1926, onde tomei conhecimento de sua existência, e dos descendentes.

Dentre as “famílias mais principais” de Paranaguá de então, Vieira dos Santos cita a dos “Munhozes” (37).

O nome de FJM e também de seus parentes constam na “Sinopse dos cidadãos paranaguenses da principal nobreza que têm servido os cargos da governança na mesma cidade desde o ano de 1800 a 1850”, incluída na obra de Vieira dos Santos (38). Cargo da “governança”, no caso, significa certamente ter sido ele membro da Câmara Municipal. Satisfazia assim aos critérios pecuniários, e outros, estabelecidos na Constituição Imperial de 1824 para ser votado.

Mas não é como vereador que ele assina ata de uma vereança da Câmara de Paranaguá, realizada em 18 de novembro de 1820, conforme o livro respectivo, transcrita por Vieira dos Santos (39). Tal reunião contou com a presença do Ouvidor Geral e Corregedor da Comarca, Juiz de Fora, três vereadores, o procurador e o escrivão, além de gente da “nobreza da vila”, caso de algumas pessoas, dentre as quais Joaquim Antônio Munhoz e FJM (que assina por último a ata, em 21º lugar, talvez por ser o mais moço; Joaquim é o 13º a assinar). Todos assinam (a começar pelas maiores autoridades, o Ouvidor Geral e o Juiz de Fora) após o registro dessa reunião no Livro de Vereanças, onde se afirma que eles se reuniram ali para “para efeito de se dar cumprimento ao ofício do Exmo. General desta Província relativo à determinação da Carta Régia de 17 de julho do corrente”, Carta essa que se referia à “fatura da Estrada de Curitiba”. Relativamente a essa finalidade principal da reunião, os presentes concordaram em “se pedir a El Rei (D. João VI) a graça de mudar a Estrada da Graciosa para a dos Morretes”, além de outros assuntos. O Corregedor ficou “encarregado de pôr na presença de Sua Majestade”. Como aí é mencionada também uma representação da Câmara de Curitiba, supõe-se que no caso tanto Curitiba como Paranaguá viam como mais favorável aos seus interesses naquela conjuntura a estrada ligando o litoral ao planalto que passava por Morretes, em vez da Estrada da Graciosa. Preferiam assim o chamado Caminho do Itupava (ou do Cubatão), que começava em Porto de Cima, próximo a Morretes.

Vieira dos Santos registra em sua cronologia uma sessão solene da Câmara de Paranaguá realizada em 12 de outubro de 1822 em regozijo pela independência do Brasil ocorrida há pouco, na qual os presentes juraram “obediência e fidelidade ao Imperador Constitucional do Brasil o Senhor Dom Pedro I”. Enfatizando esse caráter constitucional, aclamam o Imperador desde que ele se comprometa previamente a “jurar, guardar e manter e defender a Constituição que fizera a Assembléia Geral e Constituinte e Legislativa do Brasil”. Participaram do evento, além do Ouvidor da Comarca e do Juiz de Fora, “oficiais da Câmara, autoridades eclesiásticas, civis e militares, nobreza e povo” e 76 pessoas assinaram a respectiva ata (40).

No ano seguinte, em 23 de março de 1823, os nomes de Joaquim Antônio Munhoz e José Bernardo Munhoz, tios de FJM (41), constam do rol de signatários de uma manifestação da Câmara de Paranaguá declarando nula “a cláusula de prévio juramento de S. Majestade Imperial à futura Constituinte, inserta na ata da aclamação celebrada por esta Câmara” em 12 de outubro de 1822, confiando assim na “constitucionalidade de S. Majestade”. Vieira dos Santos informa ainda que o documento foi encaminhado a S.Majestade por meio da Secretaria de Estado dos Negócios do Império (42).

Quanto à Constituição, em 2 de fevereiro de 1824 a Câmara de Paranaguá encaminhou uma representação dirigida ao Imperador, assinada, dentre outros, pelo Tenente FJM (juntamente com o Cap. Joaquim Antônio Munhoz). Os 52 signatários -- membros da Câmara, clero, nobreza e demais cidadãos da Vila -- rogam à Majestade Imperial sancionar projeto de Constituição que fora encaminhado à Câmara anteriormente (43). Isso de fato ocorrerá em 25 de março de 1824, data em que foi sancionada a primeira Constituição do Brasil. A representação é reveladora da valoração que essas lideranças parnanguaras atribuíam aos princípios liberais e à monarquia constitucional.

A lei de 1º de outubro de 1828, que dispunha sobre as câmaras municipais de cada cidade e vila do Império, estabelecia, em seu art. 1º, que as câmaras da vila se comporiam de sete membros e de um secretário (Paranaguá era então uma vila; só foi elevada a cidade em 1842). O art. 3º dessa lei afirmava que só podia votar na eleição dos vereadores quem votava “na nomeação dos eleitores da Paróquia”, conforme a Constituição de 1824. E quem podia votar nas assembleias paroquiais, segundo essa Constituição (art. 92)? 1) os que tivessem 25 anos ou mais (porém os que tivessem menos de 25 anos mas fossem casados, oficiais militares, bacharéis formados ou clérigos de ordens sacras também poderiam votar); 2) os que não fossem filhos-família que estivessem em companhia dos pais (exceto se servissem ofícios públicos); 3) os que não fossem “criados de servir”; 4) os que não fossem religiosos dos claustros e 5) os que não tivessem de renda líquida anual pelo menos 100$ “por bens de raiz, indústria, comércio ou emprego”. Por outro lado, o art. 4º da lei dispunha que podiam ser vereadores todos os que pudessem votar nas assembleias paroquiais, tendo dois anos de domicílio dentro do Termo (44). FJM, sendo vereador, satisfazia assim a esses critérios elitistas da época.

Na obra citada de Vieira dos Santos o nome de FJM consta também na relação de pessoas que contribuíram financeiramente para a “fatura da estrada desta Vila (Paranaguá) para a freguesia de Morretes, com a comunicação para a central de Curitiba”, conforme reunião da Câmara de Paranaguá em 24 de maio de 1831. FJM contribuiu com 4$000, a mesma contribuição de Floriano Bento Viana, que entrou para a nossa história no episódio conhecido como “Conjura Separatista”. Na relação também consta o nome de José Bernardo Munhoz, que “ofereceu serviços para administrar”, e o dos cunhados de FJM Antônio José de Carvalho e Bento José de Siqueira (cada um contribuiu com 6$400) (45).

Pelos fatos conhecidos, deduz-se que FJM desfrutava de boa situação econômica, o que não era o caso de outros Munhoz em Paranaguá naquela época. O próprio Vieira dos Santos cita um certo Antônio José Munhoz que passaria a receber um auxílio financeiro de 60 réis diários da Ordem Terceira de S. Francisco das Chagas, conforme deliberação de sua congregação em 1820, “por impossibilidade de doenças e não poder trabalhar” (46).

Florêncio casou-se com uma trineta de Baltazar Carrasco dos Reis (47), cuja descendência é o título inicial do vol. 1 da “Genealogia Paranaense”. FJM incorpora-se assim a esse tronco familiar, dos mais tradicionais, pelo casamento com Luíza Lícia de Lima. Ela era filha do capitão Agostinho da Silva Vale -- pessoa importante na época, cujo nome é um verbete do Dicionário Histórico-Geográfico de Ermelino de Leão (48) -- e de sua segunda esposa, Maria Ângela de Lima, que se casaram em Curitiba no ano de 1786, conforme F. Negrão. No Dicionário se diz que ele descendia, pelo lado paterno, das famílias Martins Leme e Carrasco dos Reis e, pelo lado materno, do sargento-mor Manoel do Vale Porto, fundador de Antonina (49) (de quem Luíza Lícia era bisneta). Francisco Negrão afirma que o cap. Agostinho (juntamente com o alferes José da Costa Pinto) foi arrematante do contrato de arrecadação das passagens e cargas dos portos do rio Cubatão e dos rios situados entre o Cubatão e o S. Francisco (50). Tal contrato referia-se ao triênio 1778-1780. Novo contrato, relativo ao triênio seguinte, 1781-1783, foi arrematado por Agostinho em sociedade, inicialmente, com Manoel Gonçalves Guimarães e depois, com Manoel Lourenço Pontes (v. nota 53, abaixo).

Esse contrato, segundo Samuel Guimarães da Costa, referia-se a “um serviço de navegação fluvial cuja concessão dependia do distante Governo de São Paulo através da Junta da real Fazenda” (51).

O Contrato das Passagens do rio Cubatão

(nome antigo do Nhundiaquara) fazia parte de um tipo de concessão de uma época de privilégios e protecionismos, que somente podia beneficiar figuras de projeção local e de bom trânsito nos altos círculos sociais e políticos da Capitania, homens abastados em condições de assumir compromisso de prestar serviços de interesse público de grande responsabilidade (52).Mais adiante, afirma o mesmo autor:

Pelo que diz Júlio Moreira, esse Contrato das Passagens que funcionava como serviço de navegação do Nhundiaquara, com posto fiscal no Porto de Cima e/ou em Morretes, devia ser um dos negócios mais rendosos, quer para o Erário Real, quer para os próprios contratantes, e muito disputado entre os homens abastados e detentores de influência política (53).
Não só as vinculações familiares indicam o “status” social de FJM. Também a sua condição econômica, ou principalmente esta, uma vez que é sobre a base econômica que se define a estrutura de classes sociais. Nessa sociedade em que as classes dominantes são as que detêm a posse da terra e de escravos, FJM era senhor de ambos, embora não dos maiores, pois seu nome não consta na relação, preparada por Vieira dos Santos, dos principais “proprietários fazendeiros” da região. Todavia, consta aí o nome do cunhado de FJM Antônio José de Carvalho, dentre os “proprietários que têm suas fazendas de agricultura e nelas fábricas de cana, arroz, mandioca e a maior parte com propriedades na Cidade e senhores de 15 a 30 escravos” (54).

Na obra de Samuel G. da Costa antes referida, uma biografia do último capitão-mor de Paranaguá (1782-1857), contemporâneo de FJM, lê-se ainda o seguinte:

O tipo de ocupação agrícola, de estilo patriarcal e latifundiário, que se adotou no período colonial e emprestou características peculiares ao chamado Brasil lusotropicalista, não foi exatamente o mesmo na parte meridional da Colônia. Mas nas terras férteis, quentes e úmidas da baía de Paranaguá, principalmente na transição do século XVIII para o XIX, são muitas as similitudes, onde em propriedades rurais relativamente grandes houve um período de esplendor tal como o que ocorreu no Nordeste açucareiro, no Recôncavo baiano e na Baixada fluminense. Esse fastígio, ainda que não muito duradouro, não poderia ter existido sem o concurso do braço africano, mediante o regime de trabalho escravo então adotado (55).
Na seqüência, o autor refere-se à elevada incidência dos escravos na população de Paranaguá e região: em 1772, representavam 44% e em 1830, 25% do total (segundo D.P.Müller, referido antes, 18,4% em 1838). A concepção de Gilberto Freyre quanto ao caráter da colonização portuguesa no Brasil seria assim aplicável à Paranaguá da época.

FJM fazia parte dessa sociedade patriarcal, dominada pelos senhores de terra e escravos. Nela, o trabalho no campo e na cidade, inclusive doméstico, era feito por escravos, cujo tráfico só cessaria de fato após 1850, com a lei Eusébio de Queirós, embora já houvesse lei anterior, de 1831, que o proibia.

FJM e sua família deviam viver numa casa compatível com seu “status” social, contando com o conforto permitido pelas condições da época, em que praticamente todos os objetos eram importados da Europa (móveis, lustres, tapetes, louça, talheres, piano, objetos de decoração, tecidos, vinhos, produtos alimentares etc). Ao luxo da casa grande, que se abria ao visitante em ocasiões festivas, naturalmente se contrapunha a pobreza da senzala. Para muitos senhores, os escravos não eram vistos como pessoas, titulares de direitos, e sim como bens de produção, algo semelhante aos semoventes, que os fazendeiros também possuíam. Mas eles não se conformaram com essa concepção, e resistiram a ela, também no campo jurídico, especialmente a partir da lei de 1871 (lei do ventre livre), promovendo ações para obter sua liberdade e para arbitramento das indenizações (abaixo do preço do mercado) ao proprietário visando a sua alforria... Os escravos eram usados para todo tipo de trabalho e por todas as organizações, inclusive filantrópicas e religiosas.

FJM era proprietário rural, criador e lavrador. Vieira dos Santos assim se refere a ele no capítulo IV da “Memória Histórica de Paranaguá”, dedicado à descrição das suas baías, dos rios que nelas deságuam e dos “estabelecimentos de agricultura mais notáveis em suas margens”. Em meio a tal descrição menciona o rio Itinga ou Tinga, constatando “próximo a ele um grande campo de criação de gado onde tem mais de 80 reses com muitas vacas de criação, propriedade de Florêncio José Munhoz” (56).

Francisco Negrão, certamente baseando-se no “pai da historiografia paranaense”, afirma que FJM “era proprietário, no Itinga, de um grande campo de criação de gado, onde possuía mais de oitenta reses, com muitas vacas de cria; foi adiantado lavrador” (57).

No Dicionário de Ermelino de Leão consta o seguinte a respeito de “Itinga:

(I-rio, tinga-branco). Rio que rega o mun. de Paranaguá e deságua na baía entre as barras dos rios Bocuriuna e Itinguçu. Outrora houve aí uma fazendola de propriedade de Florêncio José Munhoz. O terreno foi reg. na paróquia de Paranaguá sob o n.5” (58).

Como lavrador, os produtos cultivados por FJM deviam ser, principalmente, aqueles mais comuns na região -- a mandioca (para produzir farinha), arroz e cana-de-açúcar, sendo possível também a presença de engenhos (de pilar arroz, de açúcar) em suas fazendas.

Além dessa propriedade junto ao rio Itinga, que deságua na baía de Paranaguá, no lado oposto ao da cidade, Ermelino de Leão (59) menciona outra: um sítio em Canavieiras, município de Paranaguá, com 300 braças de frente, adquirido em 1848 (suponho que o sítio situava-se junto ao rio do mesmo nome). Próximo dali, em Boa Vista, localizava-se propriedade de Manoel Antônio Pereira (1782-1857), o último capitão-mor de Paranaguá (cargo equivalente hoje em dia ao de prefeito), assim descrita por Vieira dos Santos:

por ser hum lugar dos mais formosos que tem naqueles contornos e nelle há famozo estabelecimento com armazéns para se fazerem as compras de generos e hua caza de negocio que hé do proprietário Capitão mór Manoel Antonio Pereira (...). Nessa propriedade funcionava também moinhos de pilar arroz e mandioca e fábrica de aguardente, olaria, armazens e paiós e, ainda casas de moradia senzalas e muita escravatura” (60).
Os mapas anexos (61) mostram a localização do rio Itinga e também do Canavieiras.

A propriedade do Itinga está registrada sob o nº 750 no Livro de Registro de Terras da Paróquia de Paranaguá, conforme determinou a lei nº 601, de 18 de setembro de 1850, e decreto nº 1318, de 30 de janeiro de 1854. O Livro consta do acervo do Arquivo Público do Paraná, onde o consultei. Este é o teor do registro:

Nº 750- Florencio José Munhós morador desta Cidade vem declarar conforme o Regulamento de trinta de janeiro de mil, oitocentos e cinqüenta e quatro artigos noventa e três e cem; que é senhor e possuidor de uma fazenda no lugar denominado Itinga, ou Hixiry-Pyjussara, distrito desta Cidade, compreendendo um campo de criar e cultivados bem como outros terrenos comprados a diversos por escrituras públicas; cujos cultivados são contíguos à mesma fazenda. As divisas são pela parte de cima a encontrar com terras de Felipe Tavares de Miranda a sair a várzea e pelo lado debaixo pelo rio Itinguassu a encontrar com terras de Joaquim Cordeiro e Rafael Pinto, e de aí para o sertão; cuja posse da dita fazenda obteve por herança de sua finada tia Dona Catharina Maria do Espírito Santo em seu testamento no ano de mil oitocentos e quarenta: os fundos tanto da Fazenda como dos cultivados comprados por escrituras a diversos como acima disse, vão dar ao sertão, e a frente não está medida. A extensão poderá ser mais ou menos de mil e quatrocentas braças mais ou menos o que por ser verdade mandei passar dois de um teor que assino. Paranaguá dezoito de Maio de mil oitocentos e cinqüenta e seis – Ilustríssimo Senhor Reverendo Vigário Colado desta Paróquia – Florêncio José Munhós – Nada mais se continha nesta declaração que em cumprimento ao artigo 103 do Regulamento citado a que fiz fielmente registrar, cujo exemplar a que me reporto, numerei, anotei, e emassei, segundo o artigo 104 do mesmo Regulamento. Nesta Cidade de Paranaguá aos 22 de Maio de 1856. O Vigr. Col.do Gregório José Lopes Nunes.(Nota-se que o registro da propriedade foi feito pouco mais de 3 meses antes de FJM falecer. Estaria já doente, ou prevendo seu próprio fim?).

Como uma braça equivalia a 2,2 m (62), a extensão mencionada, de 1400 braças de frente, correspondia a 3,08 km (e o sítio de Canavieiras antes referido tinha 660 m de frente).

F. Negrão nos informa que Dona Catharina Maria do Espírito Santo, casada com o alferes Candido Xavier dos Anjos, era mãe de Catharina Maria Xavier, prima de Luíza Lícia (a esposa de FJM), pois se casou com Ignácio José Diniz, filho de seu tio José Nery de S. Maria, irmão de Agostinho da Silva Vale (63). D.Catharina já era viúva em 1829, quando foi madrinha de batismo de Maria Lícia, filha de FJM, como vimos. Segundo F. Negrão, ela faleceu em 21 de janeiro de 1838, logo o seu testamento, referido acima, não pode ser de 1840, mas anterior a essa data.

O nome de D. Catharina aparece na relação de pessoas, transcrita por Vieira dos Santos (64), que contribuíram financeiramente em 1826 para dar começo à obra de um novo frontispício da capela do Senhor Bom Jesus dos Perdões em Paranaguá. Ela contribuiu com 6$400. Subscrição posterior viabilizaria a construção das paredes do corpo da igreja.

Em 1840, o nome de FJM constou de uma relação dos exportadores de mate pelo porto de Paranaguá (65). Certamente FJM exportava o mate que seu filho, Caetano José Munhoz, produzia serra acima, pois aí se estabelecera em 1834. O mate era transportado então em lombo de burro para o litoral.

Segundo diversas referências na historiografia paranaense, Caetano foi um dos primeiros a implantar engenho de erva-mate em Curitiba, naquele ano de 1834, e ocupou um papel importante no desenvolvimento dessa atividade econômica em nossa terra, até falecer, em 1877. Seu Engenho da Glória originou posteriormente as Imperiais Fábricas de Erva-Mate de Francisco Fasce Fontana (66). Logo depois, em 1836, o futuro sogro de Caetano, João Gonçalves Franco, requer à Câmara Municipal de Curitiba, juntamente com outros, concessões de terras e águas para a instalação de engenho de soque de erva-mate (67).

No livro “Álbum de Memórias- A trajetória das Indústrias no Paraná” as autoras afirmam que CJM registrou o Engenho da Glória em 27 de julho de 1834, salientando que essa empresa e o Banco da Bahia “foram as primeiras firmas registradas no Brasil”. Mas infelizmente não informam em que se baseiam para fazerem tal afirmação (68).

*

O círculo social de FJM, representado pelos membros das associações filantrópicas a que pertenceu, incluía as pessoas mais notáveis da região, vinculadas às famílias Correia (antepassados do Barão do Serro Azul), Guimarães (antepassados do Visconde de Nácar), Leão etc.

Nesses tempos de instabilidade política, posteriores à abdicação de D. Pedro I, ocorrida em 7 de abril de 1831, num Brasil recém-independente, constituiu-se em 9 de outubro do mesmo ano, em Paranaguá, a Sociedade Patriótica dos Defensores da Independência e Liberdade Constitucional, como nos informa Vieira dos Santos (69). A Sociedade era presidida pelo Cap. Joaquim Antônio Guimarães, pai do futuro Visconde de Nácar, Manoel Antônio Guimarães (1813-1893), e secretariada pelo Ten-Cel Manoel Francisco Correia, avô do Barão do Serro Azul (1849-1894).

Paranaguá, ao criar tal Sociedade, acompanhava uma tendência nacional e seguia o exemplo de outras cidades, imbuídas dos mesmos princípios do movimento liderado por Evaristo da Veiga, jornalista e político, incentivador da Sociedade Defensora da Liberdade e Independência Nacional, fundada no Rio de Janeiro em 19 de maio de 1831.

De acordo com a “História do Brasil” de L. Koshiba e D. M.F. Pereira (70), após a abdicação de D.Pedro I, e até a antecipação da maioridade de D.Pedro II, em 1840, o país, governado por regentes, passou por um período muito conturbado. Nesses anos, os autores referem-se a três tendências políticas: a dos restauradores ou “caramurus”, a dos moderados ou “chimangos” e a dos exaltados, “farroupilhas” ou “jurujubas”. Enquanto os primeiros agrupavam-se em torno da Sociedade Conservadora, depois Sociedade Militar, “da qual faziam parte os Andradas”, e os exaltados, associados às camadas urbanas, em torno da Sociedade Federalista, os moderados se agrupavam em torno da Sociedade Defensora da Liberdade e Independência Nacional.

Essa Sociedade, de acordo com a obra citada, compunha-se dos

grandes proprietários de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro. Politicamente eram monarquistas, mas contrários ao absolutismo. Do ponto de vista administrativo, defendiam o centralismo como garantia da unidade territorial. Os principais representantes eram Evaristo da Veiga, que editava o jornal Aurora Fluminense, padre Antonio Feijó e Bernardo Pereira de Vasconcelos.
A mesma obra afirma que em maio de 1831 constitui-se a Regência Trina Permanente e que os moderados eram então os “donos do poder”. Posteriormente, o padre Feijó assume o Ministério da Justiça. Na opinião de Raymundo Faoro, citado pelos autores,

a maior obra em favor da ordem, do partido moderado, foi a realizada fora do governo, com a criação de duas instituições: a Sociedade Defensora e a Guarda Nacional. A elas deveu a Regência a estabilidade do regime e a permanência da integridade da nação.
Assim prosseguem os autores:

A Sociedade Defensora da Liberdade e da Independência, fundada pelo jornalista Evaristo da Veiga, em 19 de maio de 1831, era integrada pelos regentes, senadores e deputados. Seu principal objetivo era combater os restauradores e os exaltados, influindo nas decisões governamentais. A ela deveu-se, por exemplo, a sugestão da criação da Guarda Nacional, como contrapeso à tropa regular, de fidelidade duvidosa.

Pela lei de 18 de agosto de 1831, criou-se a Guarda Nacional, subordinada ao Ministério de Justiça, extinguindo-se as ordenanças e milícias subordinadas ao Ministério da Guerra. A Guarda Nacional, composta apenas por pessoas de alguma posse, significou a garantia da fidelidade e da ordem social. Não só isso: a Guarda Nacional transformou-se na principal força repressiva da oligarquia agrária e, consequentemente, num dos principais sustentáculos de sua hegemonia.

Apesar do nome, a Sociedade criada em Paranaguá teve aparentemente um caráter mais beneficente que político desde o princípio. Já no ano de sua constituição (1831), conforme Vieira dos Santos, seus estatutos foram revistos para incluir a criação de um hospital, “logo que a Sociedade pudesse”. Segundo o mesmo cronista, nos registros relativos a 1833 de sua Memória Histórica, “essa sociedade beneficente socorria com a diária a alguns pobres enfermos necessitados para sua subsistência e remédios” (71).

FJM participou dessa Sociedade, tendo sido eleito um de seus 11 “vogais” (membros da mesa diretora), ainda conforme Vieira dos Santos (72). De qualquer forma, a constituição dessa entidade revela as convicções nacionalistas dos seus 48 sócios, com afinidades políticas que nessa conjuntura se expressavam em apoio ao “partido brasileiro”, distante tanto dos restauradores (o “partido português”) quanto dos exaltados (mais tarde, verifica-se a adesão explícita dos membros das famílias Correia, Guimarães e outras, vinculados a essa Sociedade, ao partido Conservador, fundado no período regencial e resultante da aliança de “marombistas” (“oportunistas que alteravam posições conforme seus interesses imediatos”), “restauradores de outrora e antigos chefes moderados” (73).

Em 1835 -- após o desaparecimento do partido restaurador (D.Pedro I morre em 1834) e em plena repressão aos exaltados (74) -- a Sociedade é transformada, por proposta do comendador Manuel Francisco Correia Jr (o mesmo que propusera a sua criação em 1831), em Irmandade de Misericórdia, cujo Compromisso se basearia no da Misericórdia de São Paulo. A Irmandade continuaria a “socorrer os enfermos indigentes”, já atendidos pela Sociedade, e tinha como projeto a construção do hospital da Santa Casa de Misericórdia de Paranaguá (75).

O comendador M. F. Correia Jr, na própria proposta de transformação da Sociedade Patriótica dos Defensores da Independência e Liberdade em Irmandade da Santa Casa de Misericórdia aponta os motivos que o levaram a criá-la em 1831, assim se referindo a ela:

/.../ a criação desta sociedade, o que felizmente consegui em tempos calamitosos, e que uma restauração aborrecida ou uma perfeita oligarquia ameaçava o nosso solo, depois do glorioso dia 7 de abril (76)
Correia Jr. (1809-1857), pai de Ildefonso Pereira Correia, o Barão do Serro Azul, estudou latim e humanidades em São Paulo entre 1821 e 1824, segundo C.M. Westphalen (77). Regressando a Paranaguá, assentou praça no Regimento de Milícias, passando a capitão da Guarda Nacional em 1831. Sobre ele, afirma ainda aquela historiadora: “Sua atuação quando da Revolução Farroupilha deu-lhe os títulos de Tenente-Coronel em 1836 e de Chefe de Legião da Guarda Nacional do litoral do Paraná e sul de São Paulo”.

De fato, Vieira dos Santos (78), refere-se a um decreto de 1839 (baixado durante a Revolução Farroupilha, em que a Comarca se viu ameaçada após a ocupação de Lages) que cria duas legiões de guardas nacionais na Comarca, uma abrangendo Curitiba, Lapa e Castro e outra Paranaguá, Iguape, Cananeia e Antonina. O comendador Correia Jr foi nomeado chefe desta segunda legião. Por outro lado, nota de Francisco Negrão a essa passagem da “Memória Histórica de Paranaguá” informa que João da Silva Machado, o futuro Barão de Antonina, foi nomeado chefe da primeira legião.

Vieira dos Santos também menciona Correia Jr como um dos principais proprietários de Paranaguá. Era negociante, dono de imóveis urbanos nessa Cidade e na Vila de Morretes e Porto de Cima, “onde também tem 2 engenhos de soque de erva-mate, e mais de 30 escravos”. Por outro lado, seu pai, considerado pelo cronista o mais importante proprietário de Paranaguá, era possuidor de 58 prédios urbanos, 2 grandes fazendas, fábricas de arroz, aguardente e mandioca, olaria, uma chácara no Rocio e mais de 50 escravos (79).

Após essa transformação da Sociedade Patriótica, FJM passa a ser membro da Irmandade de Misericórdia. Em 1843-4, ocupa o cargo de “mordomo dos presos” quando o provedor da Irmandade era o baiano Dr. Agostinho Ermelino de Leão (1797-1863), juiz de Direito da Comarca, origem de importante grupo ervateiro do Paraná (80).

Posteriormente, FJM continua a colaborar com a Santa Casa, agora na condição de um dos “irmãos de mesa” administradora. Em 1850 (seis anos antes de falecer), seu nome consta, segundo Vieira dos Santos, como um dos signatários de ofício, datado de 10 de março, dirigido pela Irmandade ao presidente da Província de S.Paulo encaminhando petições para o reforço financeiro da instituição (o provedor nessa época era Correia Jr.). FJM é signatário também de outro ofício, da mesma data e com o mesmo objetivo, dirigido diretamente à Assembléia Provincial (81).

Mas FJM já participava há muito tempo (pelo menos desde 1823) de outra irmandade, bem mais antiga, a do SS. Sacramento, que promovia “atos piedosos” na Semana Santa, e também grande festa em louvor do Santíssimo Sacramento. FJM ocupou diversos cargos nela e foi seu provedor em 1847-8, conforme quadro, apresentado por Vieira dos Santos, contendo o nome de todos os administradores da Irmandade desde 1762 até 1850 (82). C.M.Westphalen afirma que a Irmandade do SS.Sacramento era uma das mais antigas da Igreja Matriz de Paranaguá. Em 1705 já estava constituída sua Mesa diretora, e em 1732 fora aprovado o seu Compromisso pelas autoridades eclesiásticas de São Paulo (83).

O primeiro cargo que FJM ocupou nessa Irmandade, o de tesoureiro, coincide com o período em que seu provedor era o capitão Joaquim Antônio Munhoz (1823-4). Este mesmo nome, com a patente de tenente, é citado por Vieira dos Santos em seus registros relativos ao ano de 1812. Ele é uma das 26 “pessoas da governança” que atenderam ao pedido do Juiz de Fora de Paranaguá no sentido de contribuir financeiramente para “o roçamento dos matos em derredor da Vila e seu formoseamento e fazer-se a cerca do rocio.” O tenente Joaquim contribui com 1$600 réis (84).

Posteriormente, em 1844-5, FJM foi escrivão da Irmandade. Joaquim Antonio Munhoz, que foi procurador em 1799-1800 e seu tesoureiro em 1805-6 e 1811-2, era, como já vimos, seu tio (irmão de Bento Antônio ou Bento José Munhoz, pai de FJM, assim com o era José Bernardo Munhoz- cf notas 4, 7 e 41). FJM acompanha Joaquim Antonio Munhoz tanto na Irmandade quanto na representação da Câmara Municipal de Paranaguá dirigida ao Imperador, datada de 2 de fevereiro de 1824, já referida, em que se apelava a D. Pedro para que ele sancionasse o projeto constitucional encaminhado anteriormente à Câmara (antes dessa representação, em 23 de março de 1823, Joaquim, juntamente com José Bernardo Munhoz, assina outro documento, também já referido, em que os signatários demonstram confiança na “constitucionalidade” de D. Pedro I, não exigindo dele, previamente, a adoção da Constituição aprovada pela Assembléia Geral como condição para a sua obediência e fidelidade (v. antes, neste mesmo capítulo). Significativamente este documento não é assinado por FJM, demonstrando que este seria talvez menos crédulo que seus parentes quanto à valoração da Constituição por parte do Imperador) (85). Como no “Mapa necrológico”, baseado nos livros das Irmandades do SS. Sacramento e de N.Sra. do Rosário -- incluído no vol. II da “Memória” de Vieira dos Santos -- consta o nome do capitão Joaquim nos óbitos relativos a 1821-22 (e o de sua mulher, D.Augusta, em 1819-20) (86), deduzo que ao falarmos de Joaquim Antônio Munhoz estamos falando de duas pessoas diferentes, homônimas, talvez pai e filho, como no caso do cunhado de FJM, Antonio José de Carvalho, o que era comum ocorrer então (cf nota 8). Lembrêmo-nos que o padrinho de batismo de Maria Lícia, filha de FJM, em 1829 foi o capitão Joaquim Antônio Munhoz, “solteiro” (o que sugere pessoa mais jovem), como já foi dito.

O site do Arquivo Nacional contém um artigo interessante sobre as irmandades no Brasil. Nele se lê o seguinte:

De origem medieval, as irmandades são associações voluntárias de leigos, geralmente sediadas em igrejas particulares ou paroquiais e dedicadas ao culto de um santo-padroeiro. No Brasil, as irmandades tinham como objetivo promover a caridade beneficiando e auxiliando seus membros. Destinavam-se a “alimentar os esfomeados, dar de beber aos que têm sede, vestir os nus, alojar os peregrinos, visitar os doentes e os presos.” Dedicavam-se principalmente a organizar os enterros e sepultar os irmãos falecidos. Elas estavam organizadas, de forma geral, em categorias raciais e sociais, que eram formadas pelo branco e o negro, pelo senhor e o escravo, e nelas estavam incluídas também outras matizes de cor, como os mulatos e os pardos. As principais irmandades que reuniam a população branca eram as do Santíssimo Sacramento, as Casas da Misericórdia e a de São Francisco. As dos negros e pardos e mulatos eram as de Nossa Senhora das Mercês, do Rosário, do Amparo, dos Remédios, de São Benedito, São Gonçalo, entre outras (87).
Outro site (88), da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, disponibiliza um “Dicionário Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil (1832-1930)”. Segundo essa fonte, as nossas irmandades de misericórdia eram entidades filantrópicas inspiradas naquela que existia em Lisboa no final do séc. XV. Destinavam-se a reforçar a fé católica de seus membros, que se comprometiam com a prática de obras de caridade, tanto materiais quanto espirituais. Todavia, tais entidades apresentavam um caráter elitista. Conforme o Compromisso da Irmandade da Misericórdia de Lisboa, impresso em 1516, reformado em 1618, e “que se manteve praticamente inalterado até o século XIX”, não eram aceitos como membros aqueles que tinham sangue negro, mouro ou judeu, que não sabiam ler nem escrever, que não tinham um certo nível de renda etc. Como diz um autor citado no texto do site,

O ingresso na Irmandade da Misericórdia significava, assim, o reconhecimento social das posses e a possibilidade de ampliá-las, já que os créditos bancários e comerciais abriam-se para o associado.Os cargos das mesas diretoras eram ocupados conforme as posses das pessoas, ou melhor de suas contribuições pecuniárias (na Irmandade do Santíssimo Sacramento da Matriz de Curitiba, os irmãos pagavam a contribuição anual de 400 réis. Mas os membros da diretoria contribuíam assim: mesários: 2$000; escrivão: 16$000; provedor: 32$000, “importância muito elevada para a época”) (89). Os provedores deviam ser escolhidos dentre as pessoas de maior importância econômica e social na comunidade.

Nascimento Júnior, em artigo sobre a Irmandade de Misericórdia de Paranaguá (90), confirma o que foi dito acima:

Nesse tempo (após 1841, acrescento eu, DVE) ser Irmão da Misericórdia era honra disputadíssima, embora pagando 4 patacões de jóia de entrada, isto é, 3$840 e até 1849 era avultadíssimo o número de membros da Irmandade. E se ser Irmão já constituía honraria de alto quilate, ser eleito para a Mesa, dava ao escolhido um destaque social apenas reservado aos homens de maior importância da cidade.
Como se viu, FJM sempre participou dessas irmandades. A caridade cristã era objetivo que almejava alcançar, pelo menos formalmente. Mas ele e a sociedade em que vivia não percebiam o conflito existente entre o ideal cristão e a exploração do trabalho mais clamorosa, a do escravo, que fazia parte da vida cotidiana de então como coisa normal, inclusive para representantes da igreja como os padres e as irmãs de caridade, que também se apoiavam no trabalho escravo em suas atividades.

*

Por fim, deve-se mencionar que FJM era Tenente de milícias (e o sogro de seu filho Caetano, João Gonçalves Franco, era Ajudante, equivalente a Capitão (91)). É possível imaginá-lo em seu uniforme vistoso, aquele descrito por Vieira dos Santos (92), que abrangia farda azul com gola vermelha, mesma cor das extremidades das mangas, dragonas de prata, barretina alta e preta, com viseira e pluma branca.

Segundo Caio Prado Jr (93), “As forças armadas das capitanias compunham-se da tropa de linha, das milícias e dos corpos de ordenanças. A primeira representa a tropa regular e profissional, permanentemente sob as armas”. As milícias eram tropas auxiliares, organizadas como as de linha em regimentos e recrutadas

por serviço obrigatório e não remunerado, na população da colônia. Eram comandadas por oficiais /.../ e também por algumas patentes regulares destacadas para as organizar e instruir. O enquadramento das milícias se fazia numa base territorial (freguesias), bem como e, sobretudo, pelas categorias da população.
Quanto às ordenanças, elas eram “formadas por todo o resto da população masculina entre 18 e 60 anos, não alistada ainda na tropa de linha ou nas milícias”, inclusive os eclesiásticos.

Ao contrário das milícias, as ordenanças constituem uma força local, isto é, que não podia ser afastada do lugar em que se formava e em que residiam seus efetivos.
Toda a população, dentro daquela faixa etária, era “automaticamente engajada” nas ordenanças. “Limitava-se sua atividade militar a convocações e exercícios periódicos, e, eventualmente, acorrer quando chamadas para serviços locais: comoção intestina, defesa, etc.” As ordenanças eram formadas por terços, divididos em companhias. O comandante do terço, que incluía toda a população do termo, era um capitão-mor (que corrresponde a coronel, enquanto sargento-mor a major, ou tenente-coronel). “As companhias, comandadas por um capitão, um tenente e um sargento ou alferes, compunham-se de 250 homens, e se dividiam em esquadras de 25 homens cada uma, comandadas por um cabo”. As ordenanças, segundo ainda Caio Prado, tiveram “um papel considerável na administração geral da colônia”. O “Dicionário do Brasil Colonial” sintetiza tal papel nesta afirmação: elas “auxiliavam na manutenção da ordem pública, na realização de obras públicas e na coleta de determinados tributos” (94).

Em 1765 foi restabelecida a Capitania de São Paulo (que já existia desde 1720, mas ficara subordinada à do Rio de Janeiro em 1748), assumindo como governador D. Luís Antônio de Souza Botelho Mourão, o Morgado de Mateus, o qual exercerá o cargo por dez anos. O governador da capitania tinha patente de capitão-general (95).

Nessa época Portugal estava novamente em guerra com a Espanha, que reiniciara em 1761, como já foi dito, após a anulação do Tratado de Madri, implicando em renovadas disputas pelos territórios sul-americanos.

Conforme Vieira dos Santos, em 1766 Aviso Régio

dirigido ao General da Capitania Dom Luis Antônio de Souza Botelho Mourão ordenou que no Distrito de sua Capitania fizesse alistar toda a gente sem exceção de nobres, plebeus, brancos, mestiços, indígenas; e libertos.(...). Em conseqüência dessas ordens se alistaram em toda a Comarca 11 companhias de infantaria, e 3 de cavalaria de Curitiba (...), e que todas compunham o corpo de um regimento de auxiliares e do qual foi sargento-mor Francisco José Monteiro de Castro oficial de tropa de linha por patente de 5 de setembro de 1767, sendo ajudante do mesmo corpo Manoel da Cunha Gamito, também de tropa de linha, a ensinar-lhes os exercícios militares

(acrescenta Vieira dos Santos, em nota, que esses corpos de milícias auxiliavam a tropa de linha, “quando se precisava deles em ocasiões de guerras”) (96).

Em 1821 ocorreu em Paranaguá um fato significativo que passou a fazer parte da história da nossa emancipação política da província de S.Paulo. O sargento de milícias Floriano Bento Viana (1786-1850), após o juramento das bases da constituição portuguesa (que representaria o fim do absolutismo no Reino de Portugal, Brasil e Algarves, conseqüência feliz da Revolução Liberal do Porto ocorrida no ano anterior) (97), manifestou-se verbalmente pela emancipação da Comarca. Isso perante o Juiz de Fora, e com a presença dos membros da Câmara e da tropa formada. Mas seus companheiros milicianos, que haviam planejado esse ato político para aquela ocasião, permaneceram calados, não se solidarizando com ele (98). Teria tido o Tenente FJM alguma participação nessa “Conjura Separatista”, como ficou conhecido esse episódio na história do Paraná? Ou teria apenas estado ali presente, participado desse juramento e assinado o respectivo termo, sendo uma das “cinqüenta e sete pessoas de autoridades e oficiais de patentes” que o fizeram, conforme relata Vieira dos Santos (99)?

No período de vida de FJM, ocorreram alguns movimentos militares, que contaram com a participação das Milícias de Paranaguá e Curitiba.

Romário Martins refere-se à campanha contra o caudilho Artigas, da Banda Oriental, em 1816, que mobilizou milicianos da Comarca em defesa do Rio Grande (100).

Em 1824, conforme Vieira dos Santos (101), o coronel de engenheiros Daniel Pedro Müller esteve em Paranaguá avaliando as condições locais uma vez que fora encarregado pelo Imperador de elaborar um plano de defesa da costa da província de São Paulo, razão por que recomendava “armar os corpos de milícias e ordenanças”. No ano seguinte, o inspetor geral das milícias também ali esteve, passando revista no regimento de Paranaguá. Essas ações certamente decorriam da preocupação do governo imperial com os líderes revolucionários da região do Prata. Em 1825 intensificou-se o movimento da insurreição da Província Cisplatina (atual Uruguai), integrante do Império do Brasil, o que fez nosso país declarar guerra às Províncias Unidas do Rio da Prata (atual Argentina) a quem aquela província rebelde pedira anexação.

Em 1835 inicia a Guerra dos Farrapos na província de São Pedro do Rio Grande do Sul que se estenderá por dez anos. C.M.Westphalen afirma (102) que o Comendador Manoel Francisco Correia Jr promoveu mobilizações da Guarda Nacional em Paranaguá para reforçar as forças sediadas em Rio Negro, local estratégico, ameaçado pelo avanço dos farrapos. Correia Jr. arregimentou dois batalhões do litoral, um da Guarda Nacional de Paranaguá com 150 homens, e outro, da Guarda Nacional de Antonina com 60 homens. Além disso, na condição de Chefe da Legião da Guarda Nacional do litoral sul da província, se encarregou também dos trabalhos de defesa de Paranaguá, nos quais certamente contou com a colaboração do tenente FJM, seu colega na administração da Irmandade da Santa Casa de Paranaguá.

Correia Jr. posicionou-se a favor do governo imperial num período crítico, em que o Império era desafiado pelos líderes da Guerra dos Farrapos e também da Revolução Liberal de 1842, liderada por Rafael Tobias de Aguiar. Entretanto, ansiava pela emancipação da sua Comarca da província de São Paulo (da qual aliás Tobias de Aguiar fora presidente durante muitos anos). Nesse sentido, percebendo a ocasião de explorar uma oportunidade política, após declarar seu apoio ao Império (que receava perder a Comarca de Paranaguá e Curitiba para os rebeldes), ele foi inspirador de uma manifestação do colégio eleitoral de Paranaguá dirigida ao Imperador em 1842, e também de uma representação, encaminhada pela Câmara ao presidente da província em 1843. Vieira dos Santos registra tais fatos em sua cronologia, e faz na sequência o elogio de Correia Jr na “Memória Histórica de Paranaguá” (103).

A família Correia vinculava-se ao partido Conservador em Paranaguá, grupo político ao qual devia pertencer também FJM, haja vista a composição do seu círculo social, revelado pela análise das entidades associativas das quais participou antes referidas.

*

No final da vida, o nome de FJM é mencionado no jornal “Dezenove de Dezembro” em duas ocasiões, no ano de 1854 (uma em abril e outra em setembro): a primeira quando foi nomeado 5º suplente de juiz municipal de Paranaguá e Guaratuba, para o quadriênio 1854-8, pelo Conselheiro Zacarias (104). A outra, quando foi concedida a sua demissão do cargo de 5º suplente de delegado de polícia de Paranaguá (105).

FJM faleceu em 23 de agosto de 1856, aos 65 anos de idade. Faleceu de "apoplexia" (ou derrame cerebral), conforme o registro de seu óbito (106). Em nota publicada no jornal “Dezenove de Dezembro” de 10 de setembro, p.4, Caetano José Munhoz e sua mãe, D. Luiza Lícia de Lima Munhoz, agradecem às pessoas que levaram o tenente Florêncio José Munhoz ao seu jazigo e compareceram à “missa solene de requiem celebrada na ordem 3a. de S. Francisco da Penitência” de Paranaguá. Consta no registro de seu óbito que ele foi sepultado no cemitério dessa Ordem Terceira, “de que era irmão” (107). Diferentemente das outras irmandades, as ordens terceiras “se subordinavam, institucional e espiritualmente, a uma ordem religiosa determinada”. No caso, a subordinação era à ordem de S. Francisco (108). Essa Irmandade da Ordem Terceira é muito antiga. Data de 1700, mas teve seu Compromisso aprovado somente em 1746, antes da construção de seu templo, a Igreja da Ordem Terceira de São Francisco das Chagas, situada na rua XV em Paranaguá, que ocorreu no período 1770-1784. O cemitério referido localizava-se ao lado direito da igreja. Eram aí sepultados os membros da sua Ordem Terceira (109).

D. Luíza Lícia, por sua vez, faleceria no ano seguinte, 1857, conforme convite para missa de 7º dia publicado no “Dezenove de Dezembro” de 15 de agosto desse ano, p. 4. Quem convidava era seu filho Bento Florêncio. E a missa seria realizada no dia 18, na igreja do Rosário, em Curitiba.




NOTAS



(1) Cf. verbete “Munhoz” no “Dicionário das Famílias Brasileiras”, de Carlos Eduardo de Almeida BARATA e Antônio Henrique da Cunha BUENO. 2 v.- S.Paulo: IberoAmérica Comunicação e Cultura S.C. Ltda, s.d.- v. II, p. 1578.

(2) MUNHOZ, Alcides—“Folhas Cadentes” (Elogio do Patrono). Curitiba: Irmãos Guimarães & Cia, 1925- p.11-12.

(3) NEGRÃO, Francisco – “Genealogia Paranaense”, v.1, Curitiba: Impressora Paranaense, 1926- p. 235

(4) O trabalho de Ricardo Costa de Oliveira que contém os resultados de sua pesquisa está disponível no site abaixo, acessado em 20.01.2011 (quanto ao processo de dispensa matrimonial, ele está arquivado na Cúria de São Paulo com a identificação seguinte: 6-41-2075):
http://ufpr.academia.edu/RicardoCostadeOliveira/Papers/161655/Familias_Historicas_do_Litoral_Paranaense._A_Familia_Miranda_Coutinho

(5) SANTOS, A. Vieira dos – “Memória Histórica de Paranaguá”. Curitiba: Vicentina, 2001- v.I, p. 205.

(6) SANTOS, A.Vieira dos – “Memória Histórica de Paranaguá”. Curitiba: Vicentina, 2001- v.II, p. 62; NEGRÃO, Francisco- “Genealogia Paranaense”- v.6. Curitiba, 1950- p. 275.

(7) SANTOS, A. Vieira dos— op cit, v.II, p. 65. O cronista menciona ainda um Bernardo José Munhoz, ou José Bernardo Munhoz, vereador da Câmara de Paranaguá em 1809, citado na mesma página de duas maneiras diferentes (cf. Santos, A. Vieira dos— op cit, v.I, p.215 e nota). Há uma outra menção, ainda nessa obra, ao “irmão síndico” Bernardo José Munhoz, que recebeu certas importâncias decorrentes da venda de escravos da Ordem 3ª. de S. Francisco das Chagas, conforme deliberação da mesa tomada em 12 de dezembro de 1812. Na seqüência dos registros, alguns anos mais tarde, em 17 de setembro de 1816, a mesma Ordem tomava as contas ao síndico José Bernardo Munhoz (cf. Santos, A. Vieira dos – op. cit., v. II, p. 136-137). Vale ressaltar ainda que um alferes José Bernardo Munhós constou no Inventário dos Bens Rústicos, realizado na Capitania de S.Paulo em decorrência de um “aviso régio” de 1817. Era um dos “principais proprietários” rurais de Paranaguá, dono de 9 escravos e produtor de arroz, que comercializava (cf. OLIVEIRA, Ricardo Costa de—“O Silêncio dos Vencedores”. Curitiba: Moinho do Verbo, 2001- p.42 e RITTER, Marina Lourdes—“As Sesmarias do Paraná no Século XVIII”. Curitiba: Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico Paranaense, 1980- p. 199). Outro trabalho de Ricardo Costa de Oliveira, já referido na nota 4, cita os pais e a época de José Bernardo Munhoz, de onde inferi que este era irmão de Bento Munhoz, o pai de FJM.

(8) NEGRÃO, F. -- op. cit., v. 1, p. 235-236. No v. 6 da “Genealogia Paranaense” (p.275), F. Negrão afirma que Antônio José de Carvalho (1791-1861) era filho de Ana Rosa do Espírito Santo e do sargento-mor Antônio José de Carvalho (1757-1813), português, “um dos fundadores da Vila de Antonina”, Juiz Presidente de sua Câmara. O casal Antônio José de Carvalho- Balbina Maria de Assumpção não teve filhos. Sobre Manoel de Oliveira Cercal e o tenente Bento José de Siqueira, respectivamente maridos de Maria e Francisca, as outras irmãs de FJM, não encontrei informações adicionais na “Genealogia Paranaense”, exceto a que consta no v. 5, p. 243, relativa ao tenente Bento José de Siqueira. Ali se informa que ele era filho de Manoel Dias de Siqueira, nascido por volta de 1762 em S.Francisco, e de Rita Vieira ou Rita Maria do Ó, natural de Paranaguá. E que era neto de Pedro de Siqueira Côrtes e Maria Dias Palhano. Em outro trabalho, F. Negrão cita Manoel de Oliveira Cercal. Ele é um dos três membros da Comissão de Inspeção das Escolas Públicas e Particulares de Morretes, nomeado pela sua Câmara Municipal em 27 de novembro de 1846. Além de Morretes, o governo da província de S.Paulo também criou tal Comissão em Curitiba, Castro, S.José dos Pinhais, Campo Largo, Palmeira e Paranaguá, sendo um membro nomeado pelo presidente da Província e os outros dois, pela respectiva Câmara Municipal (cf. NEGRÃO, Francisco-- “Memória sobre o Ensino e a Educação no Paraná de 1690 a 1933”- p. 93-126 in “Cincoentenário da Estrada de Ferro do Paraná 1885-1935”. Curitiba: Impressora Paranaense, 1935, p. 102).

(9) SANTOS, A.Vieira dos --op cit, v. I, p. 124.

(10) cf site http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/4991.pdf acessado em 7.12.2010

(11) SANTOS, A. Vieira dos – op cit, v.I, p. 175 e 194

(12) “Dicionário das Famílias Brasileiras”, op cit, v. II, p. 1578

(13) cf. sites www.cadiznet.com e www.spain.info A região sofreu outro terremoto mais recentemente. O DD de 15.02.1885-p.2 discorre sobre um terremoto ocorrido na Espanha, responsável pela morte de mais de 3.000 pessoas. O “Futuro”, de Paranaguá, refere-se a uma subscrição que se realizou na cidade em favor das vítimas do terremoto, que afetou “os povos da Andaluzia”. Bento Munhoz da Rocha foi o que mais contribuiu. Esse sobrinho de CJM era “sócio da importante casa comercial de Ildefonso P. Correia & Cª ” (cf o “Futuro”, edições de 28.02.1885- p. 3; de 7.03.1885- p. 3; e de 4.08.1885- p. 3, disponíveis em microfilme na Biblioteca Pública do Paraná- “Periódicos Diversos-13”).

(14) VIANNA, Hélio—“História do Brasil”. S.Paulo: Ed.Melhoramentos,1977- 13ª ed. revista e atualizada, p.312; “Enciclopédia dos Municípios Brasileiros”. XXXI Volume (Paraná). Rio de Janeiro: IBGE, 1959- p. 368 (histórico do município de Paranaguá)

(15) SANTOS, A. Vieira dos – op cit, v.I, p.163-4

(16) NEGRÃO, F.- op. cit., v. 1, p. 262-263

(17) Informações sobre a data e padrinhos de batismo de Maria Lícia me foram fornecidas pela Mitra Diocesana de Paranaguá. Essa mesma fonte informa que dois dias antes desse batismo, em 27 de junho de 1829, houve o de Agostinho, outro filho do casal tenente Florêncio José Munhoz e Luíza Lícia de Lima. Uma explicação possível seria que ele e Maria Lícia fossem gêmeos, mas Agostinho, de saúde mais precária (por isso seu batismo foi antecipado), não sobreviveu. Ou então o batismo desse filho do casal simplesmente demorou para ocorrer. De qualquer forma, não deve ter sobrevivido, pois seu nome não consta na “Genealogia Paranaense” de F. Negrão, nem é citado por Vieira dos Santos, ao contrário dos outros filhos de FJM.

(18) Informações sobre a data do casamento de Maria Lícia e os pais de seu marido me foram fornecidas pela Mitra Diocesana de Paranaguá.

(19) MÜLLER, Daniel Pedro—“Ensaio d’um Quadro Estatístico da Província de São Paulo”. S.Paulo: Governo do Estado, 1978- 3ª ed fac-similada (a ed original é de 1838)- p. 120-121

(20) WESTPHALEN, Cecília Maria -- “Porto de Paranaguá, um sedutor”. Curitiba: Secretaria de Estado da Cultura, 1998- p.177-8

(21) Ibid., p.216

(22) SANTOS, A.Vieira dos-- op. cit., v.I, p. 157

(23) WESTPHALEN, C.M. – op. cit., p.230

(24) Ibid., p.230

(25) Ibid., p.37

(26) Ibid., p.233

(27) Ibid., p.234

(28) Ibid., p.235

(29) Ibid., p.236

(30) Ibid., p.236 e 238

(31) Ibid., p.182; ver também nota 30, na p. 190

(32) Ibid., p.241

(33) WESTPHALEN, C.M. – op. cit., p. 50; SANTOS, A.Vieira dos-- op. cit., v.I, p. 289 e 293.

(34) NASCIMENTO JÚNIOR, Vicente—“História, Crônicas e Lendas”. Paranaguá: Prefeitura Municipal, 1980, p. 171.

(35) SANTOS, A.Vieira dos—op cit, v. I, p. 159, 173, 177, 178, 179, 217, 373

(36) NEGRÃO, Francisco—“Memória sobre o Ensino e a Educação no Paraná de 1690 a 1933” in “Cincoentenário da Estrada de Ferro do Paraná 1885-1935”. Curitiba: Rede de Viação Paraná-Santa Catarina, 1935- p. 93-126 (p.103).

(37) SANTOS, A.Vieira dos -- op. cit., v. II, p. 12

(38) SANTOS, A.Vieira dos – op. cit., v. II, p.37. Além do tenente FJM, também constam nessa “Sinopse” os nomes de Bento José Munhoz, Pedro Antônio Munhoz e José Bernardes (sic) Munhoz, possivelmente o pai e tios de FJM. Consta ainda aí o nome de Antônio José de Carvalho, cunhado de FJM. Quanto a Pedro Antônio Munhoz, a Mitra Diocesana de Paranaguá me informou que no livro próprio consta o registro do batismo, em 28 de abril de 1828, de Joaquim, filho de Pedro Antônio Munhoz, natural de Paranaguá, e de Anna Lourença Munhoz, natural de Cananeia.

(39) SANTOS, Antônio Vieira dos—“Memória Histórica Chronologica Topographica e Descriptiva da Villa de Morretes e do Porto Real vulgarmente Porto de Çima”. Tomo 1º. Curitiba: Museu Paranaense, 1950 (o original é de 1851)- p. 85. Na “Memória Histórica de Paranaguá”, op cit, v.I, p. 238-9, consta transcrição dessa mesma ata da vereança realizada em 18 de novembro de 1820 mas não arrola os nomes das pessoas presentes na reunião que assinaram a ata. A propósito, essa menção a FJM, do ano de 1820, é a mais antiga feita a ele na obra de Vieira dos Santos. E a citação mais antiga de um membro da família é a de Bento Munhoz, na relação dos cidadãos parnanguaras “que serviram nos cargos de governança desde 1750 a 1800” (cf. Santos, A. Vieira dos—op cit, v. I, p. 205).

(40) SANTOS, A. Vieira dos—op cit, v. I, p.242.

(41) Já disse como deduzi que José Bernardo Munhoz era tio de FJM. Quanto a Joaquim Antônio, ele era irmão de José Bernardo, a julgar pelo registro no “Livro do imposto predial de Paranaguá”, de 1807 (hoje no Arquivo da Câmara Municipal de Curitiba), onde consta o seguinte: “Travessa do Fonil. Nº 266 Jozé Bernardo Munhoenz, alugada ao irmão Joaquim Antonio Munhoenz. $ 346”. Na sequência, há este registro: “Nº 267- Alferes Joaquim Antonio Munhoenz, alugado a Luís Ignácio de Oliveira. $ 346”. Em nome desse alferes há ainda o registro de outro imóvel: o de nº 76 na Rua do Chargo. Por outro lado, em nome de José Bernardo, além do já citado, constam mais dois imóveis na “Travessa do Fonil”: os de nº 264 e o de nº 275. Essas informações foram disponibilizadas por Ricardo Costa de Oliveira no seguinte site, acessado em 19.05.2011:
http://www.geneall.net/P/forum_msg.php?id=233633&fview=e

(42) SANTOS, A. Vieira dos—op cit, v. I, p.376-377.

(43) SANTOS, A. Vieira dos—op cit, v. I, p. 244 e 380-381. Lê-se aí que o projeto de Constituição, sobre bases dadas por D. Pedro I, “fora redigido por seus Ministros e Conselheiros do Estado” e é considerado, nessa representação da Câmara de Paranaguá, “obra da alta sabedoria e liberalismo de V. Majestade, e de seu iluminado Conselho e Ministério”. Também é signatário da representação, além do cap. Joaquim Antonio Munhoz e de FJM, Bento José de Siqueira, cunhado deste último.

(44) “Constituições do Brasil” (org. por Fernando H. Mendes de Almeida). São Paulo: Ed. Saraiva, 1961- 3ª. ed., p. 20-21 e p. 45. O volume contém a íntegra da lei de 1º de outubro de 1828, que vigorou durante todo o Império, até 1891, como esclarece nota do organizador da coletânea. Segundo ele, antes dessa lei, os municípios se regiam pelas Ordenações do Reino.

(45) SANTOS, A.Vieira dos – op. cit., v. I, p. 249-250

(46) SANTOS, A.Vieira dos – op. cit., v. II, p. 138. O jornal “Dezenove de Dezembro” também menciona outros membros da família Munhoz, residentes em S.José dos Pinhais, que são aparentemente de “status” social inferior ao de FJM e familiares. E o mesmo jornal menciona, com freqüência, um certo Fidêncio Antônio Munhoz, morador na Capital, que ocupava o cargo de porteiro, inicialmente do Liceu de Curitiba e depois, da Tesouraria de Fazenda, e que teve uma participação de certo destaque na vida comunitária curitibana.

(47) Baltazar Carrasco dos Reis, “natural de S.Paulo”, era “homem cheio de serviços à Pátria, não só na defesa de Santos, dos ataques dos inimigos, como também como bandeirante destemido, ao lado de seu pai, irmãos e filhos” (F.Negrão, op. cit., v. 1, p. 155). Baltazar foi um dos povoadores de Curitiba para onde se mudou com sua família em meados do século XVII, tendo obtido carta de sesmaria de terras em 1661 contíguas às de Mateus Leme (F. NEGRÃO, op. cit., v. 1, p. 154).

(48) LEÃO, Ermelino de – “Dicionário Histórico e Geográfico do Paraná”- v.I. Curitiba: Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico Paranaense, 1994, p. 31.

(49) Agostinho da Silva Vale era filho de Baltazar Veloso e Silva (neto de Baltazar Carrasco dos Reis) e de Antônia de Souza Vale, “natural de Paranaguá, filha do Sargento-mor Manoel do Vale Porto, o fundador da freguesia do Pilar da Graciosa, mais tarde elevada a Vila com o nome de Antonina” (F.NEGRÃO, op. cit., v. 1, p. 163). A avó paterna de Agostinho, esposa do Alferes Gaspar Carrasco dos Reis, era, por sua vez, neta do Capitão Povoador de Curitiba Mateus Martins Leme (F. NEGRÃO, op. cit., v. 1, p. 157). Marina Lourdes RITTER, em “As Sesmarias do Paraná no Século XVIII”, op cit, p. 225 e 234-235, cita três sesmarias concedidas a Manuel Vale do Porto: uma em Antonina no ano de 1713 e duas outras, nos Campos de Piraquara e Canguiri, em 1710 e 1713. Seria o avô materno de FJM, Manoel Ignacio do Vale, seu parente?

(50) NEGRÃO, F. –op. cit., v. 1, p. 234

(51) COSTA, Samuel Guimarães da – “O Último Capitão-Mor 1782-1857”. Curitiba: Scientia et Labor Edit. UFPR; Paranaguá, Prefeitura Municipal, 1988, p. 79

(52) COSTA, S.G. da – op. cit., p. 36

(53) COSTA, S.G. da – op. cit., p. 37. A propósito, Júlio Moreira em “Caminhos das Comarcas de Curitiba e Paranaguá”, Curitiba: Imprensa Oficial do Paraná, 1975, vol.2, p. 494, transcreve trecho de outra obra de Vieira dos Santos (“Memória Historica, Chronologica,Topographica e Descritiva da Villa de Morretes e do Porto Real vulgarmente Porto de Çima”, ed. Museu Paranaense,1950, p.51-2) em que Agostinho da Silva Valle é mencionado. Por ele, se obtém a informação de que Agostinho era negociante em Morretes quando foi a S.Paulo em 1777 e arrematou o “contrato real das passagens das canoas do (rio) Cubatão” para o triênio 1778-1780. Inicialmente, o arrematante cobrava tanto os fretes das canoas como dos gêneros. Depois, o Ouvidor da Comarca estabeleceria o valor dos fretes para cada gênero (ib. p.494). Em 1778, Agostinho e o alferes José da Costa Pinto são multados pelo juiz ordinário, certamente por não cumprirem aquela tabela de valores de frete. Recorrem dessa multa em 1784. A mesma fonte menciona ainda que Agostinho arrematou novamente o contrato para o triênio 1781-1783 em sociedade com Manoel Gonçalves Guimarães, “homem de bens e fortuna”. A sociedade entre eles dura um ano e meio, após o que Manoel Gonçalves Guimarães é substituído por Manoel Lourenço Pontes. Os próximos contratos (até 1800) serão arrematados por Manoel Gonçalves Guimarães, exclusivamente. No v.1, p. 49, Júlio Moreira transcreve ofício, de 1786, do Ouvidor e Corregedor da Comarca Francisco Leandro de Toledo Rendom, dirigido à Câmara de Paranaguá, em que Agostinho é mencionado como o encarregado de consertar o caminho do Cubatão (= Caminho de Itupava). O mesmo ofício manda que Agostinho seja pago pelas despesas em que incorreu (ib., p.50).

(54) SANTOS, A.Vieira dos – op. cit., v. II, p.304

(55) COSTA, S.G. da – op. cit., p. 153

(56) SANTOS, A.Vieira dos—op cit, v.I, p. 81

(57) NEGRÃO, F. – op. cit., v. 1, p. 235

(58) LEÃO, E. de – “Dicionário Histórico e Geográfico ...”- op. cit., v. II, p. 892

(59) LEÃO, Ermelino de – “Antonina-factos e homens”. Antonina: Prefeitura Municipal, 1926 (ed. fac-similar da Secretaria de Estado da Cultura, 1999)- p. 205 (in Cap. XXIV- “Apontamentos históricos de várias localidades do distrito da Vila Antonina e outros municípios, coligidos no cartório de Antonina”)

(60) Apud COSTA, S.G. da – op. cit., p. 145

(61) Nas legendas dos mapas são citadas as obras de onde eles provieram.

(62) Cf.verbete “braça” no “Novo Dicionário Aurélio”. 1ª ed. (15ª impressão). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1975.

(63) NEGRÃO, F. – op. cit., v.1, 164

(64) SANTOS, A. Vieira dos—op cit, v.I, p. 260

(65) WESTPHALEN, C.M. – op. cit., p. 191

(66) WESTPHALEN, C.M. – op. cit., p. 165

(67) WESTPHALEN, C.M. – op. cit., p. 241 e 286 (nota 65)

(68) ROMANEL, Maria Cecília Trevisan Scherner e SCHERNER, Maria Luíza Trevisan—“Álbum de Memórias- A trajetória das Indústrias no Paraná”. Curitiba: Editora Univer Cidade, 2007- p.16

(69) SANTOS, A.Vieira dos – op. cit., v. I, p. 251

(70) KOSHIBA, Luiz e PEREIRA, Denise Manzi Frayze—“História do Brasil”. São Paulo: Atual, 1993- 6ª. ed, p. 186-8

(71) SANTOS, A. Vieira dos— op cit, v.I, p.251-252.

(72) SANTOS, A.Vieira dos – op. cit., v. I, p. 251

(73) VAINFAS, Ronaldo (organizador)- “Dicionário do Brasil Imperial”. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002- p.563-4

(74) KOSHIBA, L. e PEREIRA, D. M. F.— op cit, p. 188

(75) LEÃO, Ermelino de -- “Dicionário Histórico e Geográfico...”-op. cit., v. V, p. 2050-2053

(76) Apud SANTOS, A. Vieira dos— op cit, v.I, p.265

(77) Cf. “Dicionário Histórico-Biográfico do Estado do Paraná”. Curitiba: Editora do Chain/Banestado, 1991- p.105-6 (colaboraram para esse dicionário: Altiva Pilatti Balhana, Cassiana Lacerda Carollo, Cecília Maria Westphalen, Lina Benghi e Marta Morais da Costa)

(78) SANTOS, A.Vieira dos— op cit, v.I, p.288. Cf também p. 275-6

(79) SANTOS, A.Vieira dos – op. cit., v. II, 304

(80) SCHWINDEN, Antônia – “Leão Júnior S.A.: empresa centenária”. Curitiba: Leão Júnior S.A., 2001- p.7-8

(81) SANTOS, A. Vieira dos –op. cit., v. II, p. 157 e p. 161 (seu nome consta aí escrito como Florêncio José Munhões)

(82) SANTOS, A.Vieira dos – op. cit., v. II, p.97-102 (“Mapa nº 11- Provedores, escrivães, procuradores e tesoureiros que têm servido na Irmandade do Santíssimo Sacramento da Cidade de Paranaguá desde o ano de 1762 inclusive ao de 1850”. Os membros da família Munhoz citados nesse mapa são: Cap. Joaquim Antonio Munhoz, Ten. Florêncio José Munhoz, Cap. Pedro Antonio Munhoz e José Bernardo Munhoz, sendo o primeiro, tio de FJM, o de participação mais antiga na Irmandade, pois já em 1799-1800 ocupava o cargo de procurador)

(83) Cf. “Dicionário Histórico-Biográfico ...”- op. cit., p. 217

(84) SANTOS, A.Vieira dos— op cit, v. I, p. 230

(85) SANTOS, A.Vieira dos -- op. cit., v. I, p.377

(86) SANTOS, A.Vieira dos – op. cit., v. II, p. 67-68

(87) Cf. site http://www.arquivonacional.gov.br (artigo: “Irmandades: casas de Misericórdias”, acessado em 27/09/2004).

(88) Cf. site http://www.dichistoriasaude.coc.fiocruz.br

(89) LEÃO, E. de – “Dicionário Histórico e Geográfico...”- op. cit., v. II, p. 878

(90) Cf. artigo “A Irmandade de Misericórdia em 1835-1935” por Nascimento Júnior in “Santa Casa de Misericórdia de Paranaguá (1835-1935)- Poliantéia Comemorativa da Fundação e do 1º Centenário, em 8 de Dezembro de 1935”, p. 5

(91)Cf.verbete “hierarquia” no “Novo Dicionário Aurélio”, op cit.

(92)SANTOS, A.Vieira dos – op. cit., v.II, p. 294

(93) PRADO JR, Caio—“Formação do Brasil Contemporâneo”. 14ª. ed. -São Paulo: Brasiliense, 1976, p. 310-313. Na p. 306, o autor afirma que a capitania se dividia em comarcas e as comarcas em termos, com sedes em vilas ou cidades. Os termos dividiam-se em freguesias, “circunscrição eclesiástica que forma a paróquia, sede de uma igreja paroquial, e que servia também para a administração civil”.

(94) VAINFAS, Ronaldo (organizador)-- “Dicionário do Brasil Colonial”. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001- p. 396

(95) AMARAL, Antônio Barreto do—“Dicionário de História de São Paulo”.São Paulo: Governo do Estado, 1980- p. 112 e 324

(96) SANTOS, A.Vieira dos – op. cit., v.II, p. 293

(97) “Dicionário Histórico- Biográfico do Estado do Paraná”, op cit, p. 97-98; BOUTIN, Leônidas—“Breve História de Paranaguá”. Paranaguá: Prefeitura Municipal, 1994- p. 10.

(98) MARTINS, Romário – “História do Paraná”. Curitiba: Edit. Guaíra Ltda., s/d- 3ª. ed., p. 231; SANTOS, A.Vieira dos – op. cit., v.I, p.239-240; 363 e seg.

(99) SANTOS, A. Vieira dos— op cit, v. I, p. 240

(100) MARTINS, R. – op. cit., p. 230

(101) SANTOS, A. Vieira dos— op cit, v. I, p. 244, 384.

(102) Cf. “Dicionário Histórico-Biográfico ...”, op. cit., p. 332-333

(103) SANTOS, A.Vieira dos—op cit. v. I, p. 315-320

(104) DD de 29.04.1854- p. 5

(105) DD de 30.09.1854- p.2.


(106) Informação fornecida pela Mitra Diocesana de Paranaguá.

(107) Informação fornecida pela Mitra Diocesana de Paranaguá. FJM não foi o único membro da família Munhoz a se vincular à Ordem Terceira de S. Francisco. Vieira dos Santos, no capítulo a ela dedicado em sua Memória História de Paranaguá, refere-se a outros membros, citados a seguir: o “irmão síndico” Bernardo José Munhoz, que em 1812 recebeu os valores auferidos com a venda de escravos pertencente à Ordem Terceira (a escrava Maria, com seu filho Francisco, a escrava Bona, com seu filho Claudino, e o escravo Jacinto); o “síndico” José Bernardo Munhoz (a mesma pessoa?), que em 1816 prestou contas à congregação de mesa da Ordem e o “irmão” Antonio José Munhoz, que em 1820 recebia da Ordem um auxílio financeiro diário “por impossibilidade de doenças e não poder trabalhar” (cf SANTOS, A.Vieira dos- op cit, v. II, p. 136-138).

(108) VAINFAS, Ronaldo (org)-- “Dicionário do Brasil Colonial”, op cit, p. 317

(109) “Dicionário Histórico-Biográfico ...”, op. cit., p. 217; “Espirais do Tempo: Bens Tombados do Paraná”. Curitiba: Secretaria de Estado da Cultura, 2006- p. 240; NASCIMENTO JÚNIOR, Vicente—“História, Crônicas e Lendas”, op cit, p. 287.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

DALTON TREVISAN & O PARANISMO



Há um livro interessante na praça. Trata-se de Dalton Trevisan (en)contra o Paranismo (Curitiba: Travessa dos Editores, 2009), onde Luiz Cláudio Soares de Oliveira faz uma análise da revista Joaquim, de literatura e artes, lançada em Curitiba pelo jovem Dalton Trevisan, em 1946.

Joaquim, que recebeu elogios de grandes escritores nacionais, representou um marco na história cultural do Paraná, por atacar a visão passadista, conservadora e isolacionista que aqui prevalecia no terreno das letras e das artes (associada pelo autor ao “Paranismo”) e propor uma abertura para o que fosse mais relevante no mundo de então, o do pós-guerra. Assim, Joaquim, teria em nosso meio uma importância equivalente à da Semana de Arte Moderna no âmbito nacional.

A proposta de trabalho desse livro, originalmente uma dissertação de mestrado apresentada na área de Letras da Universidade Federal do Paraná, “é apresentar e analisar as ‘armas’ utilizadas pelos editores e colaboradores da Joaquim para vencer as forças antagônicas locais, receber o apoio nacional e, com isso, ficar caracterizada como um marco, uma ‘ponta’ histórica da vida cultural paranaense”. (p.11)

Para alcançar o seu objetivo, o autor destaca -- em sua análise dos 21 números da revista (que saíram de abril de 1946 a dezembro de 1948) -- alguns aspectos do conteúdo dessas edições, mais relacionados àquela proposta de trabalho, qual seja o do seu confronto com o Paranismo.

Assim, o autor se concentra em analisar as ideias norteadoras da revista, contidas no “Manifesto para não ser lido”, um conjunto de citações de vários escritores, publicado no nº 1, antecedido por uma frase-divisa formulada pela própria revista, que justificava o seu nome e seria repetida nas demais edições: “Em homenagem a todos os joaquins do Brasil”. Analisa também a crítica a Emiliano Perneta (no nº 2- “Emiliano, poeta medíocre”), a crítica a Alfredo Andersen (no nº 7—“Viaro, hélas... e abaixo Andersen”) e o artigo “A geração dos vinte anos na ilha”, publicado no nº 9, uma crítica ao Paranismo e aos “donos da arte no Paraná”, um “verdadeiro manifesto antiparanista”, como o define o autor (p. 147). Examina ainda a seção “Oh as idéias da província” e a publicidade da revista.

Luiz Cláudio propõe-se analisar as armas usadas pela revista para “bombardear a cultura ideologicamente dominante que se impunha no Estado há mais de meio século.” (p.11). Esse meio século anterior a Joaquim abrange basicamente os movimentos simbolista e paranista, pois o Modernismo aqui foi muito pouco significativo.

No movimento simbolista, cujo auge ocorreu nos fins do século XIX e começos do XX, Curitiba destacou-se como um dos principais centros do país, como mostrou Andrade Muricy no “Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro” (por isso é absurda a afirmação, contida no manifesto antiparanista antes referido, de que “(...) a literatura paranaense inicia agora” (p.147), i.e. na década de 1940, fazendo tabula rasa de toda a nossa história literária anterior à revista).

O Paranismo, por outro lado, que tem como referência cronológica a criação de um “Centro Paranista” pelo historiador Romário Martins em 1927 (p. 40), não é originalmente um movimento artístico, e sim de caráter cívico, de valorização das coisas nossas, certamente intensificado pela exaltação de ânimos decorrente das discussões com Santa Catarina que se arrastavam no âmbito do Judiciário relacionadas à questão do Contestado e que resultaram no acordo de 1916 pelo qual o Paraná perdeu 28 mil km2 de seu território. Liderado por Romário Martins (1874-1948)-- que aliás contribuiu para a defesa judicial dos interesses do Estado—o movimento voltou-se para a valorização da terra e da gente do Paraná, título aliás de um de seus livros.

Quanto à gente, valorizava não só os nativos daqui mas também aqueles que escolheram o Paraná para viver. Ocorre que, o viés elitista da época não valorizava a gente do povo (os joaquins...) e sim as personalidades notáveis nas diversas áreas-- política, militar, administrativa, eclesiástica etc, incluindo naturalmente a literatura e apropriando-se assim daqueles escritores que alcançaram projeção nacional no tempo do Simbolismo. Todas essas personalidades, não é preciso dizer, saíam em sua maioria das classes dominantes locais. Como bem assinala o autor, os negros e os índios, especialmente aqueles, foram esquecidos (p 43) nesse culto das personalidades locais (que não era estranho às concepções positivistas...).

Quanto à terra, o movimento paranista se voltava para o elogio dos nossos recursos naturais, dos acidentes geográficos, da nossa fauna e flora, na qual se destacava o pinheiro, que Emiliano um dia -- num de seus raros versos explicitamente regionalistas -- comparara a “uma taça erguida para a luz”. O pinheiro, a pinha, o pinhão tornar-se-iam assim símbolos, e seriam exaustivamente explorados, não só no terreno da literatura mas também no das artes plásticas e arquitetura, como uma decorrência da postura paranista. O Paranismo, desse modo, derivando para o campo das artes, restringia e tornava acanhadas as perspectivas da nossa produção literária e artística. Nesse sentido, o papel de Joaquim, apesar das injustiças que cometeu, foi muito importante para alargar os horizontes dos escritores e artistas locais.

Mas é preciso deixar claro que, em termos de ideário estético, Simbolismo não tem nada a ver com o Paranismo. É a própria negação deste, na medida em que é universalista, cosmopolita, antirregionalista. Emiliano Perneta, por exemplo, tinha a cabeça voltada para Paris, era assinante do “Mercure de France”, e menosprezava a província, que chamava de “país de bárbaros”. Além disso, o Simbolismo é considerado precursor do Modernismo, pela sua crítica ao formalismo parnasiano e seu ímpeto renovador da linguagem, inclusive com a valorização do seu aspecto gráfico (os simbolistas por exemplo foram contra uma reforma ortográfica que aboliu o y da palavra lírio: para eles seria sempre “lyrio”). Paulo Leminski, em seu livro sobre Cruz e Sousa, chamou a atenção para a valorização desse aspecto gráfico nas esmeradas publicações deles.

Luiz Cláudio diz que o movimento simbolista foi mais duradouro (que o nacional), no Paraná “continuando forte até a década de 20 do século XX, arrefecendo apenas depois da morte de Emiliano, em 1921, período em que começa a tomar força a idéia do Paranismo como se fosse não um substituto, mas uma resultante, um legado dos simbolistas” (p.34)

Paranismo legado dos Simbolistas? Não há nada mais distinto dele, como disse acima. Mas o autor não considera esse “legado” do ponto- de- vista das idéias estéticas, e sim da postura do grupo de escritores que lançou a revista Cenáculo e expressava “o anseio de construção de uma identidade e produção culturais próprias, que enfrentassem o cosmopolitismo da capital (Rio de Janeiro), que nos ‘avassalava’ “ (p 29). Escritores que os sucederam, das gerações posteriores, mas com o mesmo anseio, seriam os “donos da arte no Paraná” da década de 1940 visados por Joaquim...

O Paranismo levou seus adeptos a cometer exageros como o da atitude do jornalista Raul Gomes que, numa matéria publicitária, destinada a promover a venda de livros paranaenses (dos quais também era editor) achava que era uma obrigação moral do paranista adquirir livros de autores nossos, mesmo que maus. “Ele pode ser mau. Mas é nosso” afirmou (p 56). Em outra ocasião, citando um escritor francês (“Ce verre c’est à verre mais c’est moi”), afirma sobre os nossos literatos: “maus, mas nossos!” (p 90). Essa era obviamente uma atitude equivocada, que não contava nem mesmo com o apoio unânime dos paranistas...

Defender o “mau mas nosso” em artes é uma rematada estupidez. No terreno das artes, é preciso ser implacável com a exigência de qualidade. Não tem sentido predefinir uma temática regional à produção artística (como acabou ocorrendo pela adoção de uma visão distorcida do Paranismo, que se bem entendido não é em si um mal). Como diz o manifesto antiparanista de Joaquim: “Nossa geração (...) jamais fará arte paranista, no mau sentido da palavra. Ela fará simplesmente arte” (p 147). Tampouco tem sentido optar pela mera imitação dos artistas do passado bem sucedidos, em vez de buscar a inovação e a criatividade. Na atualidade, um exemplo de tal postura equivocada seria um contista querer imitar o estilo literário de Dalton Trevisan...

Um aspecto interessante levantado por Luiz Cláudio em seu livro diz respeito à instabilidade da opinião de Dalton com relação a Viaro. Em Joaquim ele o elogia; depois, na maturidade, o critica, dizendo de sua pintura: “bem comportada, reacionária, nenhuma originalidade. Diria até acadêmica, se ele soubesse desenhar” (p 127). Não importa aqui se Dalton, como diz o autor, quis fazer “crítica ao oficialismo provinciano” (na época da sua crítica, em 1984, a Prefeitura de Curitiba mantinha um museu dedicado a ele e uma cinemateca com seu nome). A crítica feita a um artista por causa do oficialismo, da sua institucionalização, não decorre da obra em si, mas de sua inserção no contexto social. Por isso é falha. O que importa é a obra. Se Dalton mudou o julgamento com relação à obra de Viaro, isso significa que os critérios estéticos que ele adotara antes já não valem mais, apenas algumas décadas depois? O que dizer então do julgamento sobre a grandeza de Botticelli ou Rembrandt que se mantém inalterado não após décadas mas após séculos?

Outro exemplo da mudança de julgamento estético por parte de Dalton diz respeito a Monteiro Lobato, como mostra Luiz Cláudio (p 164 e seg.). Em 1941, ele publicou um artigo em Tingui bastante elogioso ao escritor. Todavia, no nº 12 de Joaquim (de agosto de 1947) ele o renega, criticando-o em termos muito violentos. Novamente, isso revela falta da adoção de critérios estéticos objetivos por parte do contista curitibano na avaliação de um artista, cujo valor, se existe, perdura ao longo do tempo e não está sujeito à volubilidade ou idiossincrasias do crítico.

Dalton criticou o amigo Viaro (depois de morto), porque era (é) contra a institucionalização dos artistas. Certamente criticará também a de Leminski (objeto em agosto, mês de seu aniversário, de um evento cultural oficial na cidade chamado Perhappiness, além de ser nome de uma pedreira em Curitiba). Noto aqui uma semelhança da atitude de Dalton com a de Jean- Paul Sartre, que recusou o prêmio Nobel de Literatura para não ser “institucionalizado” (aliás, Sartre é um dos escritores que interessava a Joaquim, pois suas páginas reproduzem textos dele). Vale lembrar também que, certa vez, Cony caracterizou a literatura de Trevisan como sartreanamente “nauseada”. Essas referências me fazem suspeitar que não é absurda a associação que Gustavo Corção fez da vinculação de Joaquim ao existencialismo, tema aliás de um artigo de Temístocles Linhares publicado na mesma revista, da qual era um dos principais colaboradores. Por outro lado, Luiz Cláudio diz que Joaquim não é existencialista porque Waltensir Dutra, no artigo “O reacionarismo do Sr. Gustavo Corção” (Joaquim nº 14) declara que a revista não segue nenhuma tendência ideológica ou filosófica (p 167). Mas não é possível Waltensir afirmar isso e na prática a revista contradizer sua afirmação?

Afirma o autor que Joaquim não encerrou as atividades por problemas financeiros, a razão mais freqüente para deixarem de circular revistas de literatura e arte no país. Luiz Cláudio mostra que havia um satisfatório número de anunciantes da revista, de modo a cobrir as despesas de sua impressão. Foram outras as razões para o fato, ligadas ao perigo de sua institucionalização (cf. na p. 184 opinião de Poty Lazzarotto, outro colaborador assíduo da revista) e à personalidade de Dalton, que segundo Wilson Martins era quem praticamente fazia sozinho a revista (de qualquer forma, a revista já tinha cumprido sua missão básica, que era a divulgação do trabalho de seu proprietário, “o autor mais publicado em toda a existência de Joaquim- p. 104).

Já que me referi a questões financeiras, lembrei agora de um caso pitoresco a elas relacionadas. No expediente da revista, no nº 3, consta como seu “subgerente” Antônio Carlos Pereira. Segundo um amigo, que por sua vez era amigo de Dalton, esse Antônio Carlos, conhecido como “Carlinhos”, era um sujeito muito forte, briguento e temido na Curitiba de então. Por essas “credenciais”, Dalton disse ao meu amigo que o associou à revista para que se encarregasse de seu setor de cobranças...

Constatam-se, no trabalho de Luiz Cláudio, alguns problemas de revisão. E também alguns claros equívocos, apontados a seguir: Nestor Victor não chegou a ser eleito para a Academia Brasileira de Letras, o que se afirma na p.58; Romário Martins não viveu entre 1893 e 1944 (p 58) e sim entre 1874 e 1948; GERPA, de Raul Gomes, não editou as obras completas de Emiliano Perneta (p 62), embora fosse essa a sua intenção, e sim apenas a “Prosa” dele (na capa deste livro, publicado em 1945, chegou a constar, porém, “Obras Completas- 1º Volume”...).

Independentemente dos reparos que possam ser feitos ao trabalho, vale a pena ler esse livro equilibrado, desapaixonado, que contribui para elevar o nosso nível de informação sobre a realidade cultural do Paraná e estimula o debate sobre questões cruciais dessa mesma realidade.



















quarta-feira, 20 de outubro de 2010

AS ORIGENS DO ESTADO DO PARANÁ SEGUNDO O SEU PRIMEIRO HISTORIADOR



O nosso primeiro historiador, ou cronista histórico, foi um português nascido na cidade do Porto chamado Antonio Vieira dos Santos (1784-1854), que veio para o Brasil muito jovem, em 1797, e já no ano seguinte vivia em Paranaguá (1). Sobre essa cidade e município escreveu uma “Memória Histórica” em 1850 que é uma fonte preciosa de informações sobre as origens do Paraná pois nela transcreve os registros contidos em livros e demais documentos que encontrou na Câmara daquela cidade, a mais antiga do Estado. A preservação desses documentos era então uma preocupação do Império e também da província de São Paulo, à qual estávamos então subordinados, como mostra uma portaria publicada na edição da referida “Memória Histórica” a que tive acesso (2). Mas a nossa subordinação não duraria muito tempo mais, uma vez que em 1853 o Paraná se emanciparia politicamente de S.Paulo. O trabalho de Vieira dos Santos já reflete fortemente a busca de uma identidade local, no balanço que faz de todo o passado do território, de mais de três séculos, inclusive do movimento emancipacionista, ao qual se solidariza...

O autor começa por onde deveria começar, pelo início da ocupação da região, feita por gente que habitava o sul do litoral de S. Paulo, especialmente Cananéia, Iguape e S.Vicente, dada a maior proximidade desses povoados. Num parágrafo memorável, cuja beleza resulta da evocação dos elementos naturais da baía de Paranaguá, Vieira dos Santos sintetiza como teria sido a penetração primeira nessa baía, revelando, além do conhecimento histórico, também da flora e da fauna da região, assuntos igualmente contemplados em seu livro, dentre alguns outros mais:

Na verdade seria bem agradável aos primeiros povoadores vindos de Cananeia quando pela primeira vez entraram pela barra a dentro de tão formoso lago semeado de tantas ilhas e suas margens orladas de verdes mangais, circuladas de serrarias e montanhas de diversas figurações e alturas, acobertadas de riquíssimos bosques e espessas matas, onde sobressai o ararivá, o cedro, a palmeira, a pindaíba e o indaiá, onde cruzavam nos ares imensos turbilhões de papagaios, tucanos e periquitos, onde exércitos de formosíssimos guarás, vestidos de escarlate e quais soldados britânicos voavam em linha de batalha militarmente; onde o canto do pintassilgo, do canário, do bonito e sabiá, regozijavam os ouvidos, onde o trinado da araponga repicava o sino da alegria pela boa-vinda dos novos hóspedes, e onde finalmente centenas de índios carijó, estupefactos nas suas pequenas aldeias de que a baía estava povoada; e à porta de suas choupanas, ou dentro de pirogas de suas pescarias, admirados estavam vendo a entrada daqueles novos hóspedes, que os haviam de senhorear, ensinando-lhes a educação, a civilidade e a religião, e a entrarem algum dia na ordem social das mais nações e talvez já estão meditando a maneira porque haviam de expulsar à força tais hóspedes estrangeiros, com algum assalto inesperado; mas aqueles novos ingressos, evitando tais ciladas, se quiseram acautelar, indo desembarcar na Ilha da Cotinga, como lugar de mais seguro asilo, onde logo principiaram a fazer seus estabelecimentos: essa vista linda e pitoresca das baías de Paranaguá, melhor as poderia escrever um Milton. (3)


Em 1532 Martim Afonso de Sousa fundou S. Vicente, a primeira vila do Brasil. Antes disso, porém, encontrou-se na ilha de Cananéia com Francisco de Chaves, um bacharel português e cinco ou seis castelhanos. “Esse bacharel havia 30 anos que estava degradado nesta terra. E o Francisco de Chaves era mui grande língua desta terra” (p.15, nota 8; Vieira dos Santos cita aqui o diário de navegação de Pero Lopes de Sousa). Eles dizem a Martim Afonso que se fosse organizada uma expedição ao interior, ela localizaria minas de ouro e prata, e lhe traria muitos escravos carregados desses metais. Martim Afonso então autoriza uma expedição, composta por 80 homens, sob o comando de Pero Lobo; mas dessa expedição nunca mais se terá notícia...(p.15-16).

Embora Vieira dos Santos faça referência a áreas mais próximas ao litoral paulista como aquelas em que provavelmente a expedição caiu vítima dos índios, hoje os autores identificam essa expedição com aquela mencionada nos “Comentários” de Cabeza de Vaca. Aí se diz que os nativos encontrados pelo “adelantado” lhe informaram que os portugueses enviados da costa paulista foram trucidados por índios hostis na confluência dos rios Iguaçu e Paraná. A expedição de Pero Lobo foi assim a primeira iniciativa oficial portuguesa de penetração ao interior do Brasil (“a primeira bandeira”- p. 15), e ela ocorreu em terras paranaenses (do lado espanhol, a historiografia registra a façanha de Aleixo Garcia, que em 1524 teria atravessado também essas terras, orientado pela mesma cobiça dos metais preciosos, e que atingiu o império inca seis anos antes de Pizarro). Certamente notícias dessas riquezas minerais a oeste haviam sido repassadas pelos índios aos degredados de Cananéia, assim como o foram antes a Aleixo Garcia, um náufrago da expedição de Solis, o descobridor do rio da Prata (tanto Solis como Garcia eram portugueses, mas estavam a serviço da Coroa espanhola).

Em 1534 Portugal decide adotar, para o Brasil, o sistema das capitanias hereditárias já experimentado antes “em suas possessões insulares do Atlântico”, atribuindo à iniciativa privada a responsabilidade pela ocupação efetiva da sua colônia americana. Como donatários, o Rei português escolheria mercadores e funcionários, gente bem posicionada na corte e enriquecida nos “negócios das especiarias no Oriente” (4).

O território do atual estado do Paraná estava contido em duas capitanias, a de S Vicente, atribuída a Martim Afonso de Sousa, e a de Santana, concedida a seu irmão, Pero Lopes de Sousa. A primeira estendia-se por uma costa de 45 léguas, desde Bertioga até a ilha do Mel, e a outra, abrangendo 40 léguas, desde essa ilha até Laguna, se considerarmos o limite inferior do tratado de Tordesilhas (5). Mas esse limite não era entendido da mesma forma por portugueses e espanhóis. Para os portugueses, o limite ambicionado, era, na realidade, o rio da Prata, que aliás Pero Lopes de Sousa subiu,em sua exploração da região, e chegou a assinalar “com seus padrões a posse da Coroa portuguesa”, ignorando assim aquele tratado (6). Bem mais tarde, no século XVII, os portugueses chegariam a fundar a colônia do Sacramento na outra margem do Prata, em frente a Buenos Aires.

Será a busca de metais preciosos a motivação econômica para que se iniciasse a ocupação do litoral paranaense. De fato, a busca do ouro era uma preocupação constante daqueles aventureiros lusitanos que habitavam o sul do litoral paulista. Já em meados do século XVI se constatam na capitania de S. Vicente tais pesquisas, conforme afirma Carvalho Franco (7). Seria de se esperar que os pesquisadores de S. Vicente ou Cananéia penetrassem o litoral contíguo ao seu, como uma projeção dessa busca que empreendiam.

Diz Vieira dos Santos que os primeiros ocupantes passaram da ilha da Cotinga para terra firme, “investigando a navegação dos rios dos Almeidas, Correias e Guaraguaçu, até suas nascentes, e nas margens destes descobriram abundantes minas de ouro, que depois foram conhecidas pelo nome-- Minas de Paranaguá-- inclusive outras que se descobriram em diversos rios e lugares dos contornos, porque é constante que antes do ano de 1578, já há muito tempo se trabalhavam nestas minas” (p.19). Francisco Negrão, em nota a essa passagem, questionou aquela data, tão recuada no tempo, para a descoberta e exploração das minas que, segundo ele, teria ocorrido por volta de 1640 (p. 20).

A tradição diz que o primeiro ouro encontrado no Brasil foi o de Paranaguá. Trata-se de ouro de lavagem, o ouro encontrado nos diversos rios que nascem na serra do Mar e vão desaguar na baía de Paranaguá. Mas aparentemente a descoberta do primeiro ouro deve ter ocorrido muito tempo depois dos primeiros contatos dos vicentistas na baía de Paranaguá. A menção mais antiga a eles consta do livro de Hans Staden, soldado da expedição espanhola de Diego Senabria cujo navio, em 1550, desorientado, veio dar em Superagui em vez da ilha de Santa Catarina à qual se destinava.

No continente, os primeiros habitantes do nosso litoral estabelecem-se às margens do rio Taguaré (p.19), atual Itiberê, originando assim a vila de Paranaguá, que só seria reconhecida oficialmente como tal em 1648. Sua população, nessa época, era de 6 a 8 mil habitantes (p.34). Por outro lado, a fundação da vila de Curitiba para Vieira dos Santos dataria de 1654 (p.38), antes portanto das datas hoje reconhecidas para essa fundação, que são aquelas indicadas por Negrão, em nota a essa passagem (1668 para a instalação do pelourinho, e 1693 para a instalação oficial da vila de Curitiba, quando se elegeram as suas autoridades) (p. 38). O autor da “Memória Histórica” atribui o papel mais importante quanto à fundação das vilas de Paranaguá e Curitiba a Eliodoro Ébano Pereira, o que também é questionado por Negrão. Ele atribui tal papel a Gabriel de Lara (p. 33). O objetivo de Eliodoro, que percorreu todo o Sul enviado pelo governo português, era avaliar a sua produção aurífera, a fim de assegurar à Coroa a percepção da parte que lhe era devida, ou seja a quinta parte de seu valor.

Em 1697 chegará a ser criada em Paranaguá uma Casa de Fundição do ouro (p.61), para a qual deveria ser encaminhado o ouro obtido não só em Paranaguá mas também em Curitiba, São José dos Pinhais e Campos Gerais. Até então, o ouro era enviado a Iguape ou ao Rio de Janeiro para ser fundido e identificado o montante do quinto real. Mas tal Casa terá vida curta, pois elas foram abolidas em 1735 pelo "Governador do Estado do Brasil" Gomes Freire de Andrade, que instituiu novo método de arrecadação dos quintos de ouro (p.148).

O “capítão-povoador” Gabriel de Lara era a pessoa de maior autoridade no lugar, autoridade essa que decorria do fato de que ele representava o Conde de Monsanto, depois Marquês de Cascais, herdeiro do primeiro donatário, Pero Lopes de Sousa. Mas esse conde não era o único herdeiro. Também o era D. Mariana de Faro Sousa. As terras em questão (“cem léguas de terra que tinha na costa do Brasil”) foram indicadas como dote, conforme autorização dada por um “alvará régio” de 1651 (p. 36 e 40), por ocasião de seu casamento com D. Luiz Carneiro, Conde da Ilha do Príncipe, o qual se dispõs a lutar pelos direitos deles.

Como salienta Negrão (p. 44), em razão dessa pendência, houve uma época em que Paranaguá teve dois capitães-mores, um nomeado pelo conde da Ilha do Príncipe e outro, Gabriel de Lara, pelo marquês de Cascais. Mas é Lara quem acabará por prevalecer na sua governança pois o Marquês de Cascais, para mais bem preservar os seus interesses, resolveu criar em 1656 a Capitania de Paranaguá, independente da de Itanhaém, da qual era donatário o conde da Ilha do Príncipe (p. 13). A Capitania de Paranaguá duraria até 1711, quando suas terras foram adquiridas pela Coroa portuguesa (p.68).

Gabriel de Lara faleceu em 1682; até sua morte, ele foi o capitão-mor de Paranaguá. Sucedeu-o nesse cargo, durante o período de existência da Capitania, Tomás Fernandes de Oliveira, Gaspar Teixeira de Azevedo, Francisco da Silva Magalhães e João Rodrigues de França.

Como se depreende das observações de Vieira dos Santos, hierarquicamente, a Capitania de Paranaguá estava subordinada ao governo do Rio de Janeiro que por sua vez subordinava-se ao sediado na cidade de São Salvador da Bahia, capital do Estado do Brasil. Dentre os governadores do Rio de Janeiro destaca-se, nessa Memória Histórica, o nome de Salvador de Sá Correia e Benevides, governador do Rio de Janeiro desde 1648 (p.25), que inclusive chegou a visitar Paranaguá em 1660 a fim de avaliar in loco suas minas e informar sobre elas ao Rei de Portugal (p.33 e 45).

Vieira dos Santos cita determinações do governo central que deviam ser obedecidas pela Capitania de Paranaguá e geravam hostilidade da sua população. Assim, por exemplo, a Capitania deveria fornecer índios aldeados a fim de que, em 1698, fossem reforçar uma expedição que iria combater índios bravios no Rio Grande do Sul (p.61 e 62). Antes disso, em 1659, o autor registra uma vereança da Câmara de Paranaguá na qual se requereu que “não fossem retirados os índios para o Rio de Janeiro, como ordenava o Governador do Estado, por ficar a terra despovoada e não haver quem trabalhasse nas minas”, além de deixar a terra “ sem defesa” contra “o inimigo holandês” (p. 43-44). A contribuição compulsória também poderia ser em alimentos ou mesmo em dinheiro. Após Manoel Lobo ser encarregado de estabelecer a colônia do Sacramento oficiou à Câmara de Paranaguá em 1679 solicitando o fornecimento de farinha de mandioca para a sua expedição (p. 56-57). Quando os franceses invadiram o Rio de Janeiro em 1711 Paranaguá foi solicitada a fornecer farinha, peixe e dinheiro em favor do pessoal mobilizado para combater os invasores (p. 68). Essas demandas a serem atendidas geravam naturalmente oposição por parte dos moradores da Capitania, pois agravavam a sua pobreza e retiravam mão-de-obra das atividades econômicas relacionadas ao ouro, e também à prata, igualmente explorada, embora, segundo Vieira dos Santos, não se soubesse qual era a localização de tais minas (o nome de “Serra da Prata” todavia, para ele seria indicador da existência de tal metal precioso na região) (8). Além disso, enfraqueciam a defesa da Capitania, cujas baías poderiam ser visitadas por piratas, como aconteceu em 1718 e 1726 (piratas franceses) (p. 35).

Para concluir, duas observações pontuais que se podem destacar na cronologia apresentada pelo autor, uma relativa a 1686 e outra a 1699.

1686 ficou caracterizado como um ano terrível para Paranaguá, uma vez que ela, assim como outras vilas da costa brasileira, foi assolada pela peste, que produziu elevado número de mortes. A situação era tão dramática que as igrejas dessas vilas litorâneas chegavam a suspender o dobre dos sinos para não aterrorizarem ainda mais as populações...

Quanto a 1699, nesse ano a Companhia de Jesus mandou alguns religiosos a Paranaguá, antigo desejo da comunidade, que assim poderia contar com o ensino ministrado pelos padres. Para que isso ocorresse, entretanto, houve uma negociação com a Companhia, que só atendeu ao convite em troca da oferta, por Paranaguá, de significativos bens materiais (metade da ilha da Cotinga, cem cabeças de gado nos campos de Curitiba, uma importância “em dinheiro contado”, uma casa de pedra e cal, terras etc (p.60, 63, 64).




NOTAS

(1) “Dicionário Histórico-Biográfico do Paraná”. Curitiba: Chain; Banco do Estado do Paraná, 1991- p. 428. Cf também as informações autobiográficas de
Vieira dos Santos in “Memória Histórica de Paranaguá”- v.I- Curitiba: Instituto Histórico e Geográfico de Paranaguá, 2001- p. 13, nota 4
(2) Santos, Antonio Vieira dos—“Memória Histórica de Paranaguá”- 2 volumes- Curitiba: Instituto Histórico e Geográfico de Paranaguá, 2001 (as páginas indicadas no texto referem-se a essa edição, de ortografia atualizada, que foi cotejada com a seguinte: “Memoria Historica. Chronologica, Topographica e Descriptiva da Cidade de Paranaguá e do seu Municipio”. Curityba: Typ. da Livraria Mundial, 1922, e também com a edição de 1951, disponível no acervo da Biblioteca Pública do Paraná)
(3) Santos, Antonio Vieira dos—“Memória Histórica de Paranaguá”- volume I- Curitiba: Instituto Histórico e Geográfico de Paranaguá, 2001, p. 75.
(4) “História Geral da Civilização Brasileira“- sob a direção de Sergio Buarque de Holanda. Tomo I- “A Época Colonial”, v.1- S.Paulo: DIFEL, 1985- p.95, 97 e 106
(5) Bueno, Eduardo—“Brasil: uma História”. 2ª ed rev.- S.Paulo: Ática, 2003- p. 44. Ver também Santos, Antonio Vieira dos—op cit, v.I, p.16-17.
(6) “História Geral da...”, op cit, p. 93
(7) Franco, Francisco de Assis Carvalho—“Introdução” a “Duas Viagens ao Brasil” por Hans Staden. S.Paulo: Sociedade Hans Staden, 1942, p. 13, nota 27
(8) Segundo F.A. Carvalho Franco, “Nos tempos coloniais não se encontrou prata no Brasil, muito embora para isso se tivessem feito bastas diligências” (cf. na sua “Introdução” ao livro de Hans Staden antes citada, p. 13, nota 27)

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

EM TORNO DO LIVRO DE HANS STADEN




Hans Staden foi um alemão nascido em Hessen que veio ao Brasil duas vezes, em meados do século XVI, na condição de artilheiro, ou arcabuzeiro, de navios ibéricos. Na primeira viagem veio em um navio português que visitou apenas o Nordeste. Na segunda, que é a que interessa à ótica paranista deste artigo, visitou o Sul do Brasil, em um patacho espanhol que foi dar no Superagui, na costa paranaense, em 24 de novembro de 1550 (1), em vez da ilha de Santa Catarina, para onde se destinava, aí chegando finalmente em 16 de dezembro do mesmo ano (2).

Seu nome ficou para sempre registrado na historiografia brasileira por ter publicado, no ano de 1557, em Marburgo, “Duas viagens ao Brasil”, um livro em que relata as suas impressões sobre esta terra, e os usos e costumes dos índios tupinambás, ou tamoios, que o aprisionaram, tribo hoje extinta, pertencente ao tronco linguístico tupi (3). Com eles conviveu nove meses, correndo o risco de ser devorado nos seus rituais antropofágicos.

O livro, ilustrado com dezenas de xilogravuras, causou muito interesse quando foi lançado, por voltar-se para o Novo Mundo recém-descoberto, satisfazendo a curiosidade europeia sobre nossa terra e a gente que aqui vivia.

Conforme nos informa F.A. Carvalho Franco, em sua introdução e notas, muito informativas, a uma edição do livro de Hans Staden, este veio como soldado de um patacho, chamado “S. Miguel”, comandado pelo capitão Juan de Salazar, que partiu de Sevilha, juntamente com duas caravelas, a cargo de Francisco Bezerra e Juan de Ovando. Esses navios foram enviados às Índias por Diego de Senabria que sucedeu o pai -- falecido ainda na Europa, antes de partir para o Prata -- na condição de “adelantado” da região. Dada a conjuntura da época, Diego julgou conveniente enviar essa expedição antes que a sua própria partisse da Europa com o mesmo destino (4).

Juan de Salazar, o fundador de Assunção em 1537, retornava agora à América de onde partira em 1545, mandado de volta à Espanha, juntamente com o “adelantado” Cabeza de Vaca, em decorrência da rebelião política que reconduziu Domingo de Irala ao poder. Quando seu navio chegou à ilha de Santa Catarina, já havia ali chegado, no mês anterior, a caravela do capitão Bezerra, “que estava então a mando de Cristovam Saavedra”. Da outra caravela, a cargo de Juan de Ovando, “não se teve mais notícia” (5).

Staden refere-se, no cap. 7, da Primeira Parte de seu livro, ao Superagui, segundo ele habitado pelos índios tupiniquins, amigos dos portugueses. Dois destes foram contatados por pessoas de seu navio. Estavam num barco que então encontraram. Eles lhes informaram ser de São Vicente, indicaram onde estavam agora e lhes orientaram quanto à localização da ilha de Santa Catarina para onde rumariam depois.


Anteriormente, Staden fizera menção a um pequeno navio, também com portugueses de São Vicente, que fugiu à sua aproximação, pensando que eles eram franceses. Para Cecília M. Westphalen, o livro de Hans Staden é “a primeira referência que se tem ao litoral paranaense e à presença de vicentinos na sua costa”. (6)

Saliente-se que, próximo ao Superagui, havia um caminho por terra para Cananéia (7). Os índios deste último povoado também eram amigos dos portugueses. Mas os tupinambás ou tamoios, mais ao norte, que aprisionaram Hans Staden em Bertioga, haviam se aliado aos franceses, seus inimigos (Staden ficara encarregado de um forte aí construído pelos portugueses cuja função era impedir os ataques dos tupinambás a São Vicente). Os portugueses acabariam por derrotar posteriormente os franceses e seus aliados, contribuindo assim para a extinção dos tupinambás.

Superagui caía dentro da jurisdição da capitania de São Vicente, situada entre Bertioga e a ilha do Mel, na baía de Paranaguá. A partir daí, para o sul (até Laguna), situava-se a capitania de Santana (8). O Estado do Paraná atual ficava contido, assim, dentro dessas duas capitanias, que couberam respectivamente a Martim Afonso de Souza e a seu irmão, Pero Lopes de Souza. Mas os portugueses não seguiram à risca a delimitação estabelecida pelo Tratado de Tordesilhas, considerando de fato seu limite meridional o Rio da Prata (onde Pero Lopes chegou a instalar um marco indicativo da posse portuguesa da região), o que naturalmente era questionado pelos espanhois. Os dois reinos ibéricos disputavam portanto esse território. Sabiam da importância da sua ocupação efetiva para assegurar os direitos que alegavam ter sobre ele.

A ilha de Santa Catarina sempre foi uma referência importante aos navegadores na costa meridional brasileira ou sul-americana nos primórdios da nossa história. Os espanhois procuraram ocupá-la desde cedo, estabelecendo relações de amizade com os índios da região.

Foi ali que naufragou, em viagem de regresso à Espanha, um dos navios da armada de Solis, considerado o descobridor do Rio da Prata em 1516. Um dos náufragos era Aleixo Garcia, que passaria a viver naquela ilha em contato com os índios, os quais despertaram a sua cobiça ao lhe informar sobre a existência de uma “serra da prata” na parte mais ocidental do continente, fazendo-o decidir-se a percorrer a pé -- com os seus acompanhantes, na maioria indígenas -- todo o território até aquela região e chegar, seis anos antes de Pizarro, ao império inca. Esse caminho trilhado por Garcia em 1524 seria posteriormente seguido por outros aventureiros, a partir da ilha de Santa Catarina, em direção ao oeste. Trata-se do chamado “caminho do Peabiru”, na realidade um sistema de caminhos trilhado pelos indígenas já antes da chegada dos europeus.

Em 1541 Cabeza de Vaca, nomeado “adelantado” do Rio da Prata, resolveu viajar para Assunção, sede de seu governo, percorrendo o mesmo caminho por terra, descartando a opção marítimo-fluvial que dispunha. Como se vê pelo relato dessa viagem nos “Comentários”, ele percorreu boa parte do território atualmente paranaense de leste a oeste. Foi o primeiro branco a contemplar as Cataratas do Iguaçu.

Outros colonizadores espanhois também fariam essa viagem, percorrendo o mesmo território, conforme se deduz do que afirma F.A. Carvalho Franco na sua Introdução, já referida, à obra de Hans Staden.

Em 15 de agosto de 1551 chegaram a Assunção Cristovam de Saavedra e cinco soldados mandados por Juan de Salazar desde a costa catarinense até Assunção a fim de comunicarem ao governador Irala da nomeação do novo “adelantado”, Diego de Senabria, e solicitando víveres e recursos aos membros da expedição que viviam precariamente naquela costa. O enviado de Irala, todavia, não os encontra ali, pois haviam se deslocado para outro lugar da costa, onde por fim o patacho acabou por encalhar e a caravela, naufragar, “nas cercanias do Viaçá”.

Em princípios de 1552 parte dos membros da expedição Senabria, comandados por Afonso Velido e Fernando de Salazar, faz a mesma viagem a pé, por terra (outra parte, na qual se incluía D. Mencia, mãe de Diego de Senabria e também das esposas de Fernando de Trejo e de Cristovam de Saavedra, vai em um batel ali construído, sob o comando de Juan de Salazar, do porto de Viaçá (Laguna) para o de São Francisco. Hans Staden estava entre estes, conforme ele diz no cap. 11 da Primeira Parte de seu livro).

Também a expedição do próprio Juan de Salazar deve ser citada. Ele tinha conseguido chegar a São Vicente, acompanhado de alguns membros da expedição Senabria (o restante dela ficou povoando São Francisco, tendo como dirigente Fernando de Trejo). Salazar buscava inutilmente em São Vicente apoio para a viagem deles até Assunção. Não conseguindo navio para tal viagem, decide ir por terra mesmo até lá. Nessa expedição, juntam-se a ele Cipriano de Góis e seu irmão Vicente de Góis, filhos do donatário da capitania de São Tomé, que teriam levado para Assunção “o primeiro gado daquela região platina” (9). Também foi com Salazar Ruy Díaz Melgarejo que fundaria no Guairá logo depois, em 1557, Ciudad Real e mais tarde, em 1570, Villa Rica del Espiritu Santo. À expedição juntaram-se ainda seis portugueses e uma dúzia de espanhois. Também tomaram parte dela a mulher de Cipriano de Góis e a de Salazar, as duas filhas desta e mais três mulheres casadas. Após cinco meses de viagem atingem o Guairá (que segundo Plinio Ayrosa significa em tupi “o lugar intransponível”) e finalmente Assunção, onde chegaram em outubro de 1555 (10)

F.A. Carvalho Franco cita ainda Fernando de Trejo, outro colonizador a percorrer o referido território a pé. Ele estava encarregado de manter um povoado espanhol em São Francisco do Sul mas, face às dificuldades que encontra, decide abandoná-lo com outros náufragos da armada de Senabria e parte dali, chegando a atingir Assunção em meados de 1556 (11). Outros autores afirmam que por causa desse abandono ele teve que responder a um processo em Assunção, pois o povoamento de São Francisco era um dos principais objetivos da armada de Senabria.

Como se vê por esses exemplos, o caminho por terra para Assunção, a partir das proximidades da ilha de Santa Catarina (trilhado por Cabeza de Vaca), ou da costa catarinense, que cortava o território atualmente paranaense, foi muito seguido nessa época.

Houve também quem fizesse o caminho inverso, desde Assunção até São Vicente, no litoral paulista, caso de Ulrich Schmidl, Ruy Díaz Melgarejo e outros... A propósito, todo o trajeto de Schmidl foi reconstituído por Reinhard Maack (12).

Gostaria de concluir referindo-me ao importante porto de Viaçá da costa catarinense, associado às diversas tentativas de ocupação espanhola da região. Staden referiu-se a ele pelo seu nome indígena Imbeaçã-pe (cap. 12, da Primeira Parte). F.A. Carvalho Franco arrola argumentos que identificam o porto de Viaçá com Laguna ou porto dos Patos. Mas salienta que a historiografia também fala em “país do Viaçá”, referindo-se à região desse porto ocupada pelos índios carijós ou mbiás. Carvalho Franco segue Moisés Santiago Bertoni que em seu livro “La Civilización Guarani”, diferentemente de outros autores, distingue uma nação da outra. Para eles, “país de Viaçá” ou Mbiaçá -- que abrange uma área que se estende “desde o Paraguai até as cercanias de Cananeia, passando ao norte do rio Iguaçu” -- seria dos índios mbiás e não dos carijós (13). Essa área, já se vê, incluía boa parte do território atualmente paranaense...

NOTAS

(1) “Dicionário Histórico-Biográfico do Estado do Paraná”, Curitiba: Chain: Banco do Estado do Paraná, 1991, p.206
(2) Cf “Introdução” de Francisco de Assis Carvalho Franco, a “Duas Viagens ao Brasil” de Hans Staden. São Paulo: Sociedade Hans Staden, 1942, p.7. Servi-me não só desta mas também da edição da L&PM, Porto Alegre, 2008 (“Introdução” de Eduardo Bueno).
(3) “Larousse Cultural. Brasil A/Z”. São Paulo: Editora Universo, 1988, p.828 (verbete “Tupinambá”)
(4) Cf.”Introdução”, op. cit, p. 5
(5) Cf.”Introdução”, op. cit, p. 7
(6) “Dicionário...”, op cit, p. 206
(7) Cf nota de Francisco de Assis Carvalho Franco a “Duas Viagens ao Brasil”, op cit, p. 57, apoiada em Moisés Marcondes-- “Documentos para a História do Paraná”, Rio de Janeiro, 1923, p.34.
(8) Bueno, Eduardo—“Brasil: uma História”. 2ª. ed rev. São Paulo: Ática, 2003- p. 44
(9) “História Geral da Civilização Brasileira” (sob a direção de Sérgio Buarque de Holanda)- São Paulo, DIFEL, 1985- Tomo I- “A Época Colonial”, 1º vol., p.104
(10) Cf.”Introdução”, op. cit, p.9-10
(11) Cf.”Introdução”, op. cit, p. 10
(12) Maack, Reinhard-- "Geografia Física do Estado do Paraná"- 2a ed.- Rio de Janeiro: J.Olympio; Curitiba: Secretaria da Cultura e do Esporte do Governo do Estado do Paraná, 1981- p. 27-35 e mapa
(13) Cf. nota de Francisco de Assis Carvalho Franco a “Duas Viagens ao Brasil”, op cit, p. 68.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

DUAS LEMBRANÇAS DE PAULO LEMINSKI



Tenho duas lembranças do poeta Paulo Leminski. A primeira é do começo de 1967, quando eu me preparava para o vestibular. Pretendia então fazer Direito e por isso me matriculei no "Curso Dr. Abreu", que havia ali na rua XV. Ele era o professor de História do cursinho. Assisti uma única aula sua, rica em informação. Parecia um grande urso, movendo-se entre as cadeiras da sala, de casaco e barba negras. Fez uma referência qualquer aos botoques dos lábios inferiores dos nossos indígenas, e a turma toda caiu na gargalhada. Mas ele continuou, com ar sério, sua exposição...

A segunda lembrança é do lançamento do “Catatau” na livraria Ghignone. Isso ocorreu em dezembro de 1975, segundo nos informa Toninho Vaz na sua biografia do poeta ("Paulo Leminski- o bandido que sabia latim"- Rio de Janeiro: Record, 2001). Estive lá a pedido de meu pai, que estava curioso para avaliar o livro, sobre o qual lera comentários na imprensa local. O velho não o conhecia pessoalmente. Por isso, na dedicatória, Leminski lhe enviou um “abraço textual”, expressão que guardei na memória por achá-la singular. Lembro também que nessa ocasião senti forte cheiro de bebida quando o polaco falou...

Mais tarde vim a saber que a gênese do “Catatau” relacionou-se a essa experiência de Leminski como professor de História, antes dele se tornar um publicitário. De repente, dando uma aula, ele imaginou Descartes vivendo no Nordeste brasileiro no tempo dos holandeses... Foi o ponto de partida para o livro.

Gosto da poesia dele, como todo mundo, mas para mim poesia é mais do que mera atividade lúdica. Associo-a à filosofia, e à reflexão sobre os temas eternos da condição humana. Sem esquecer, naturalmente, o prazer estético da linguagem...


Uma vez li em Wilson Martins que Leminski não deixou verdadeiramente uma obra. É mais um talento desperdiçado, acrescento eu, vítima do desregramento e da falta de disciplina interior. Lamentável!