terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

O "PARANÁ ESPANHOL"




Poucos paranaenses se dão conta, hoje em dia, que o território de seu estado já foi espanhol. Pelo tratado de Tordesilhas, que se celebrou em 1494, dois anos depois do descobrimento da América, todas as terras descobertas ou a descobrir a oeste de um meridiano definido por ele seria de domínio espanhol. Isso abrangia a maior parte, ou a totalidade, do território do atual estado do Paraná, dependendo de como se interpretasse tal meridiano. No primeiro caso só era portuguesa estreita faixa do litoral; no segundo, nada estaria sob o domínio de Portugal (esta era a interpretação da Espanha, para quem a linha imaginária passava por Iguape, no litoral paulista, e não por Laguna, em Santa Catarina) .

Esse território não era só espanhol em termos formais ou jurídicos. Iniciou-se a sua ocupação efetiva por gente oriunda da Espanha e suas possessões, quer fossem soldados vindos com as diversas expedições de conquista e colonização que se sucederam, quer fossem missionários, principalmente jesuítas, que se reportavam não só a Roma mas também a Madri. Enquanto aqueles estabeleceriam algumas vilas na região, estes fundariam, ao longo dos nossos principais rios (Paranapanema, Tibagi, Ivaí, com seu afluente Corumbataí, Piquiri e Iguaçu), quinze “reduções”, ou missões. Reuniam-se nesses aldeamentos os indígenas de uma dada região que aceitavam a tutela, ou a proteção, dos jesuítas, cujo objetivo – conforme expressou o padre Montoya na “Conquista Espiritual” --- era civilizá-los e convertê-los à fé cristã.

Essa ocupação espanhola ocorre durante um período de tempo determinado, que se estende dos meados do séc XVI (fins do reinado de Carlos V) até o início da década de 1630, abrangendo aproximadamente 80 anos. Mais precisamente, vai da fundação das vilas de Ontiveros, em 1554, e Ciudad Real del Guairá, em 1557 (que absorveu a primeira) até 1632, quando a outra vila fundada nesse território, Villa Rica del Espiritu Santo, estabelecida em 1570, é abandonada, juntamente com Ciudad Real, devido à ofensiva dos bandeirantes, que já vinham desde 1629 investindo sistematicamente contra as reduções jesuíticas, o que provocou o seu desaparecimento.

Lembremo-nos ainda que durante 1580-1640 Portugal, e suas colônias (aí incluído todo o território do Brasil), caíram sob o domínio espanhol, dos monarcas Felipe II, III e IV, período conhecido na nossa historiografia como União Ibérica. Desconhecendo as fronteiras artificialmente definidas que separavam as áreas de Portugal ou Espanha, os paulistas penetravam no Guairá, como era então chamada essa região, que os espanhóis subordinavam ao governo de Assunção o qual, por sua vez, estava sujeito ao Vice-Reinado do Peru, uma das subdivisões dos domínios coloniais da coroa espanhola. O território do Guairá abrangia a área compreendida entre o rio Paranapanema ao norte, o rio Iguaçu ao sul, o rio Paraná a oeste e o meridiano de Tordesilhas a leste.

As primeiras reduções a serem criadas (em 1610) no Guairá, e as mais importantes, foram as de Nossa Senhora de Loreto e Santo Inácio Menor, iniciando-se assim no estado do Paraná todo o projeto jesuítico da parte meridional do continente sulamericano, a chamada “República dos Guaranis”, projeto esse que abrange uma experiência de mais de 150 anos, concluída apenas com a expulsão dos jesuítas da Espanha e seus domínios em 1767 (tal experiência chamaria a atenção de escritores europeus como Voltaire e Montesquieu, que se referiram a ela em termos elogiosos ).

As populações dessas duas reduções, estabelecidas na margem esquerda do rio Paranapanema, ante a iminência de serem atacadas pelos bandeirantes, em 1631 (como ocorrera com as outras do Guairá), migrariam por via fluvial mais para o sul do continente, para a região situada entre os rios Paraná e Uruguai, em território hoje argentino, onde seriam recriadas, numa epopéia cheia de percalços e lances dramáticos (como deixa entrever o relato do êxodo feito pelo já citado padre Montoya).

Neste artigo procurarei fazer uma caracterização desse “Paraná espanhol” em termos sócio-econômicos, políticos e culturais, a partir das fontes disponíveis de informação. Embora exista numerosa bibliografia sobre a conquista e colonização espanhola da América do Sul, e sobre a experiência jesuítica considerada em seu todo, são poucos os trabalhos que tratam especificamente do Guairá.

No início do século XVI, no lado do Atlântico, os espanhóis disputavam com os portugueses o reconhecimento da costa. Mas foi uma expedição espanhola, comandada por Juan Díaz de Solis, que descobriu a foz do rio da Prata em 1516. Desembocam aí as vias fluviais mais importantes da região, intensamente utilizadas pelos primeiros conquistadores, a saber os rios Uruguai e Paraná, sendo que este recebe, na altura de Corrientes, o rio Paraguai. Após Solis ser morto pelos índios, seus três navios iniciam o retorno para a Europa mas um deles naufraga próximo à ilha de Santa Catarina. Um dos náufragos a se salvar é Aleixo Garcia, que viverá durante vários anos na ilha e ouvirá dos índios relatos sobre a “serra da prata” e a existência de metais preciosos no continente, a oeste. Garcia então, acompanhado por alguns brancos e muitos índios guarani, seus aliados, empreende sua viagem em 1524-1525, seguindo as trilhas indígenas. Atravessa todo o território de leste a oeste, transpõe o rio Paraná e chega até os Andes (destino final do sistema de caminhos indígenas do Peabiru, que se iniciam no litoral paulista), contatando assim o império inca seis anos antes de Francisco Pizarro. Traz dessa região despojos em ouro e prata. No retorno, envia emissários para Santa Catarina mas é morto pelos índios em território do atual Paraguai, do qual, aliás, é considerado o descobridor.

Em 1536 uma grande expedição, de 14 navios e 1300 tripulantes, comandada por D. Pedro de Mendoza, chega à região, antecedida por várias outras, além da de Solis, como as de Fernão de Magalhães, Sebastián Caboto e Diego Garcia. Magalhães, um português a serviço da Espanha, descobre finalmente em 1520 a passagem entre o Atântico e o Pacífico (oceano antes descoberto, em 1513, por Vasco Nuñes Balboa, ao atravessar o istmo do Panamá). A descoberta do estreito de Magalhães possibilitou aos espanhóis a consecução de sua antiga meta, que era a de alcançar a Ásia (ou as “Índias”) navegando para ocidente.

O imperador Carlos V, o mais importante monarca europeu da época (rei de Espanha e imperador do Sacro Império Romano Germânico), com base nas informações proporcionadas por todas essas expedições, decide então nomear D. Pedro de Mendoza “adelantado” da Região do Prata, a sua maior autoridade política e administrativa (na Espanha, no tempo da ocupação moura, o governo de um dado território ocupado era concedido --“adiantado”-- pelo rei a um nobre, que se encarregava de expulsar dali os invasores) . Tratava-se de uma vasta região que abrangia principalmente os territórios atuais do Paraguai, Uruguai e a maior parte da Argentina e do Brasil. A referência à prata na sua designação expressava na realidade o objeto de desejo dos exploradores pois jamais a encontraram ali. Mendoza é considerado o 1º fundador de Buenos Aires (1536), que surge a partir de um forte por ele mandado construir. Da mesma forma Assunção é fundada no ano seguinte, por Juan Salazar ao retornar de uma busca por Juan de Ayolas, a quem Mendoza encarregara de explorar o interior e caíra, com seus homens, vítima dos índios paiaguá, inimigos dos guarani. Devido à hostilidade dos querandi, a população de Buenos Aires é transferida para Assunção que assim se torna a sede do governo de toda essa vasta região que incluía o território do Guairá. Com a retirada para a Europa de D. Pedro de Mendoza, doente, impõe-se como líder Domingo Martinez de Irala, que assume o governo baseado no fato de que Ayolas lhe havia passado o comando quando se internara no Chaco paraguaio, visando encontrar um caminho ao Alto Peru, em busca de metais preciosos.

Na sequência é nomeado (pelo mesmo Carlos V) D. Alvar Nuñes Cabeza de Vaca como o segundo “adelantado” desse “Paraguay Gigante de las Índias” (tal como foi chamado então o território, que segundo um autor era vinte vezes maior que o do Paraguai atual) . Sua expedição parte da Espanha em 1540. Após tomar posse de Cananéia e S.Francisco em nome do Rei, chega à ilha de Santa Catarina, onde também tomará posse e viverá por seis meses, informando-se com os índios sobre as condições da região. Decide então ir por terra a Assunção, a fim de ali assumir o governo, com 250 homens, um certo número de índios e 26 cavalos, mandando o restante da expedição por mar para Buenos Aires (sem saber que esta já havia sido esvaziada em favor de Assunção, por decisão de Irala). Durante 5 meses de 1541-1542 percorre os campos e matas do território paranaense, atravessando-o de leste a oeste, até chegar ao seu destino final, tal como fizera Aleixo Garcia quase vinte anos antes, de quem certamente muito ouvira falar. Cabeza de Vaca é o primeiro branco a avistar as cataratas do Iguaçu. Quando se aproxima delas toma as devidas cautelas, alertado pelos guarani, que lhe falaram da expedição de Pero Lobo, enviada por Martim Afonso de Souza em 1531, trucidada pelos índios na confluência dos rios Iguaçu e Paraná. Nos “Comentários”, obra publicada em Sevilha em 1555, é relatada toda essa aventura, destacando-se as suas impressões sobre o território atualmente paranaense, de que também toma posse em nome do Rei da Espanha, chamando-o de “província de Vera”, em homenagem ao sobrenome de seu avô paterno (mas o nome que prevalece é o de província do Guairá). O texto registra a relação amistosa que manteve com os índios guarani, encontrados frequentemente ao longo do percurso, que muito o ajudaram com mantimentos e informações.

Mas a gestão de Cabeza de Vaca não dura muito tempo. É destituído do poder pelos partidários de Irala e mandado de volta para a Espanha, sob a acusação de querer se passar pelo Rei. A explicação mais convincente desse fato, contudo, relaciona-se à forma como se deu a união, promovida por Irala, entre os espanhóis e as índias, que seria a base da sociedade hispânico-guarani do Paraguai. Cabeza de Vaca perde apoio político, aparentemente, por se opor à adoção da poligamia pelos espanhóis, influenciados pelos costumes indígenas, e também por discordar dos ataques aos índios inimigos de seus aliados guarani ou cario (carijó).

Retorna assim Martinez de Irala ao poder em 1544, e o exercerá até 1556, falecendo no ano seguinte. Ele também empreendeu várias expedições para explorar o interior, numa das quais descobriu os saltos de Sete Quedas no rio Paraná . No final de seu governo decide adotar uma política de expansão territorial. Interessa-se pela ocupação do Guairá. Tenta instalar um porto em São Francisco em 1553 como uma forma de ter acesso ao Atlântico, onde poderiam chegar os navios de Espanha e receber notícias da metrópole (ou fornecer notícias a ela), nesses tempos em que Buenos Aires estava fechada aos navios espanhóis (segundo Gadelha, baseada em Ulrich Schmidl, inicialmente os índios não eram hostis; assim se tornaram em consequência da atitude belicosa dos integrantes da expedição de Mendoza quando os querandi não puderam mais fornecer mantimentos a tanta gente) . O “Paraguai Gigante” de Irala já perdera o acesso ao Pacífico com a criação da província de Nueva Estremadura (parte do atual Chile) em 1552 (Buenos Aires só será refundada em 1580, por Juan de Garay).

Outra razão importante para o interesse de Irala em ocupar o Guairá refere-se à sua intenção de se precaver contra as incursões dos portugueses de S.Paulo na região, e controlar o caminho que dava acesso ao local onde os espanhóis, em 1545, descobriram as minas de prata mais ricas do mundo (Potosi) no Alto Peru, hoje Bolívia.

Desejava também assegurar para os espanhóis o domínio da terra e de seus primitivos habitantes. O Guairá, embora não tivesse metais preciosos, tinha outra riqueza: os índios, ou sua força-de-trabalho. Tinha muitos índios, coerente com o significado do termo “Guairá” (Guay= “gente”; Ra= “lugar onde abunda”). A estimativa de sua população variava de 200 a 300 mil, que poderiam ser distribuídos aos colonos pelo sistema das “encomiendas”, uma forma disfarçada de escravização do indígena então praticada (por esse sistema os índios ficavam vinculados a um “encomendero”, a quem deviam prestar compulsoriamente “serviços pessoais”; o “encomendero”, por sua vez, ficava obrigado a mantê-lo e cuidar de sua instrução religiosa). Esses índios eram principalmente do tronco lingüístico tupi que abrangia, dentre outros, dois dialetos muito parecidos entre si, o tupi e o guarani, que o padre Anchieta fundiria numa “língua geral”, mais falada que o português nos dois primeiros séculos da nossa história. Os guarani eram os “tupi do sul”. Romário Martins arrola 41 tribos dessa família presentes no território paranaense, que assumiram diversas denominações, além de guarani, como carijó, tingui, chiripá, caiuá, teminimó, tupiniquim etc Desde o interior da região amazônica e da foz do rio Amazonas até Cananéia estavam presentes os tupi, enquanto os guarani habitavam a região de Cananéia até o Rio Grande do Sul e também o interior, até os rios Paraná, Uruguai ou Paraguai. Assim os guarani estavam presentes no Paraguai, Argentina, Uruguai e Brasil (estados do Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul) . O Paraná era “chão preponderantemente guarani”, como afirmou Faris Michaelle.

Esses são os fatores básicos que explicariam a decisão do governador Irala de mandar o cap. Garcia Rodriguez de Vergara, com 60 espanhóis, fundar uma vila, em 1554, numa das margens do rio Paraná. A sua localização precisa ainda está por ser determinada. Para Romário Martins, e outros historiadores, ela se situa na margem esquerda do rio Paraná, portanto em território paranaense. Vergara deu o nome de Ontiveros à vila recém-fundada, inspirado no de sua cidade natal na Espanha, próxima a Salamanca.

Irala faz a sua primeira distribuição de índios, pelo sistema das “encomiendas”, em 1555, numa extensão de 50 léguas em volta de Assunção . Até então a exploração do trabalho indígena baseava-se fundamentalmente no envolvimento da mão-de-obra familiar, dos cunhados que os espanhóis adquiriam ao se unir, poligamicamente, às mulheres indígenas (“cuñadazgo”).

Em princípios de 1557, o cap. Ruy Díaz Melgarejo, com 100 soldados, também a mandado de Irala, funda uma nova povoação-- Ciudad Real del Guairá, na foz do rio Piquiri, por onde passa o caminho do Peabiru. Para ali seria trasladada a população de Ontiveros. Tanto Vergara como Melgarejo vieram para o Novo Mundo na expedição de Cabeza de Vaca. Já tinham portanto nessa época mais de uma década de conhecimento da realidade regional (Melgarejo havia há pouco, em 1554, repetido a viagem de Ulrich Schmidl: foi por terra de Assunção ao litoral paulista, e retornou no ano seguinte para Assunção, a partir da ilha de Santa Catarina , como Cabeza de Vaca e, antes dele, Aleixo Garcia). Na recém-fundada Ciudad Real, 40 mil famílias indígenas foram então encomendadas a 60 “vizinhos” ou moradores da vila (o colono e sua família). Tal providência destinava-se a atender aos espanhóis insatisfeitos com a distribuição de “encomiendas” em 1555. A principal atividade econômica de Ciudad Real será a coleta, processamento e transporte da erva-mate, apoiada na exporação do trabalho indígena, embora também se desenvolvessem aí atividades agrícolas e a criação de pequenos animais.

Em 1570, por decisão própria, o cap. Melgarejo, iludido com a expectativa de encontrar ali metais preciosos, fundaria ainda Villa Rica del Espiritu Santo a 60 léguas a oeste de Ciudad Real, onde mandou construir uma igreja e um forte, distribuiu terras e índios para os colonos, designou um alcaide e deixou 24 arcabuzeiros, antes de retornar a Ciudad Real. Posteriormente, Villa Rica seria transferida mais para cima pelo cap. Ruy Díaz de Guzmán (também o primeiro historiador da região, neto de Irala), para a confluência dos rios Corumbataí e Ivaí. Ciudad Real localizava-se no atual município paranaense de Terra Roxa e Villa Rica, no de Fênix (antes, Pitanga). Essas vilas eram organizadas conforme os dispositivos legais de Espanha sobre o assunto, nela existindo o “cabildo”, o responsável pela defesa, pela justiça etc. Sua população caracterizava-se por um diminuto número de “vizinhos” e grande número de índios “encomendados”, envolvidos em atividades relacionadas à exploração da erva-mate, nativa da região. Das folhas dessa erva, mascadas pelos índios, obtém-se o mate, uma bebida que estes ensinaram os brancos a apreciar, e que tinha um mercado certo nas populações do Prata e também de Potosi, cuja cidade teve um crescimento exponencial nos anos que se seguiram à descoberta aí das minas de prata, chegando a ter, segundo os historiadores da época, 120 mil habitantes em 1573 e 150 mil em 1611 e tornando-se então uma das cidades mais ricas do mundo (para efeito de comparação, lembremos que Assunção por volta de 1557 tinha uma população de 7500 habitantes, e era considerada uma grande cidade no seu tempo; por outro lado, em 1609 Villa Rica possuía em torno de 500 habitantes e Ciudad Real, 300, sem contar a sua significativa população indígena). Assim, a erva-mate torna-se a base da economia das duas vilas espanholas estabelecidas no Guairá, além da comercialização dos índios escravizados, demandados pelos portugueses de S. Vicente e S.Paulo de Piratininga (a propósito, houve um intercâmbio comercial entre essas vilas portuguesas e as espanholas do Guairá: assim ferro, armas, roupas e outros gêneros eram fornecidos pelas primeiras em troca dos índios das segundas; também escravos negros vindos do litoral paulista, passavam pelo Guairá, a caminho de Potosi; em sentido inverso, a prata de lá era contrabandeada para o Brasil). Villa Rica tornar-se-ia o grande centro de comercialização de erva-mate na região, mantendo essa posição até 1676, quando ocorre a sua segunda destruição pelos bandeirantes (a primeira, ocorrera no Guairá em 1632). Localizava-se ela então já na margem direita do Paraná, para onde se transferira a população da primeira Villa Rica. Depois disso, é Assunção que passará a concentrar a comercialização do produto).

Após Irala, um outro governador que se destacou na história regional foi Hernando Arias de Saavedra, ou Hernandarias, genro de Juan de Garay, o 2º fundador de Buenos Aires. Ele assumiu o governo de Assunção pela primeira vez em 1592. Será governador por vinte anos, exercendo três mandatos não consecutivos. Em 1603 baixou Ordenanças que visaram apoiar as aldeias indígenas a fim de assegurar a sua conservação. Logo proporia a vinda dos jesuítas para o Guairá. Mais tarde também proporia ao vice-rei do Prata (e seria atendido em 1617) a divisão da vasta região sob sua administração (na qual era impossível impedir o contrabando) em dois governos, o do Rio da Prata, abrangendo Buenos Aires, Santa Fé, Corrientes e Concepción del Bermejo, e o do Guairá ou Paraguai, envolvendo Assunção, Ciudad Real, Villa Rica e Santiago de Jerez (esta última vila localizava-se na região do Itatim, no atual Mato Grosso do Sul).

Os primeiros missionários jesuítas já estão presentes em Assunção em 1588. Vieram do Brasil e do Peru, onde já estavam instalados desde 1549 e 1567 respectivamente . Para o Brasil eles vieram na comitiva do governador-geral Tomé de Souza, apenas alguns anos depois da fundação da Companhia de Jesus, que se deu em 1534 e priorizou a evangelização dos nativos do Novo Mundo, para compensar a perda de fiéis católicos em consequência da Reforma.

Em 1589 os padres Manuel Ortega e Tomás Fields são enviados para o Guairá, e passam a exercer a sua ação missionária junto aos moradores de Ciudad Real e Villa Rica, e às comunidades indígenas. Só mais tarde é que os padres mudam a estratégia de evangelização. Em vez de se deslocarem para atender às aldeias de índios guarani, dispersas pelo território, optam pela reunião desses índios em “reduções” ou missões fixas e isoladas do contato nocivo dos brancos. Tipicamente, as aldeias de índios guarani distavam cerca de 10 km umas das outras e eram pequenas, formadas de três a seis casas (ocas), sem divisões internas, onde tudo se fazia à vista de todos. Essas casas abrigavam de cem a duzentas pessoas pertencentes todas a um mesmo grupo familiar. Os jesuítas empenharam-se em reunir essas aldeias em determinados locais, mais convenientes quanto às condições do solo, à proximidade dos rios, à defesa etc, de modo a facilitar o seu trabalho catequético e dar proteção aos índios, objeto da cobiça tanto dos portugueses como dos espanhóis. Para os padres, os índios eram livres, pois sua liberdade fora reconhecida (ao menos formalmente) pelas cédulas reais, em que se respaldavam para defendê-los. Isso colocava os jesuítas em conflito aberto com os colonos espanhóis que buscavam sempre sujeitar os índios à prestação compulsória de serviços pessoais, ou com os portugueses de S. Paulo (os bandeirantes), que os aprisionavam para vendê-los depois como escravos. Os jesuítas se propunham, nas reduções, a transformá-los em seres civilizados e em bons cristãos, conforme a definição desse termo formulada pelo padre Montoya na “Conquista Espiritual”, em que relata toda a sua experiência no Guairá.

A vinda dos jesuítas para essa região estava de acordo com a política do governador Hernandarias, que propôs, como já foi dito, a vinda dos jesuítas a fim de pacificar os indígenas guairenhos rebelados contra o sistema das “encomiendas” e o jugo espanhol. Essas insurreições vinham se sucedendo (em todo o território paraguaio, não só no Guairá) desde a grande revolta de 1558-1560, posterior à distribuição de “encomiendas” feitas por Irala em 1555. Criou-se então a Província do Guairá em 1608, onde logo depois se estabeleceriam as “reduções”, determinando-se que os colonos não deveriam recrutar índios ali (mas essa política de Hernandarias não seria seguida por outros governadores). No ano anterior instituíra-se a Província Jesuítica do Paraguai, com abrangência territorial bem maior do que o seu nome sugere, sendo nomeado primeiro provincial o padre Diego de Torres, que teria um papel importante na constituição das “reduções”. Segundo Lacouture, ele teria sido o inspirador das Ordenanças do visitador real D. Francisco de Alfaro, de 1611 . Essas disposições previam a extinção pura e simples do serviço pessoal; a organização política das comunidades indígenas semelhante à das cidades espanholas (“cabildo”, plano urbanístico) e a criação de comunidades exclusivas (só formadas por índios) e fechadas ao ingresso de terceiros. Tais Ordenanças (que na realidade não eram inovadores em si mas refletiam disposições já definidas anteriormente pela coroa espanhola sobre o assunto) davam o respaldo necessário para a consolidação das comunidades indígenas que ficavam sob a direção (em última instância) dos padres.

A proibição das “encomiendas” conflitava diretamente com os interesses dos espanhóis. Consistia na razão básica para o conflito, que se instaurou desde o princípio, entre os padres e os colonos. Para Gadelha, tratava-se de um dispositivo irrealista, pois não levava em conta as características da precária economia paraguaia, e por isso permaneceu letra morta.

Os estudos de Igor Chmyz (cuja promissora linha de pesquisa, apoiada em investigações históricas e arqueológicas, deve ser prosseguida, para que avancemos na compreensão das especificidades do Guairá) nos indicam quais teriam sido as reduções estabelecidas na região. São as arroladas abaixo, com as datas de fundação e possível localização indicada por esse pesquisador.

A primeira redução a ser fundada foi Nossa Senhora de Loreto, em 1610, logo seguida por Santo Inácio Menor, ambas localizadas na margem esquerda do rio Paranapanema, afluente do Paraná, em território do atual estado do Paraná (Loreto situava-se próxima à foz do rio Pirapó e Santo Inácio, que distava cerca de 30 km de Loreto, próxima à foz do rio do mesmo nome). Não se criaram novas reduções até 1622 (dois anos antes o padre Montoya tornara-se o superior das missões do Guairá30). Assim, a partir de 1622, em decorrência do ímpeto missionário de Montoya, fundaram-se as outras treze reduções, das quais oito somente em 1627-1628. Isso, segundo Cortesão, provocou queixas da Câmara de S. Paulo sobre o avanço espanhol nas terras da coroa de Portugal (note-se que nessa época já não se levava em conta, na prática, o traçado do meridiano de Tordesilhas). Não por acaso, foi nesse mesmo período, ainda conforme aquele historiador, que ocorreu uma bandeira comandada pelos capitães Raposo Tavares e Paulo do Amaral, ignorada pela nossa historiografia, que atacou as reduções de São Xavier e Encarnação mas acabou levando a pior no confronto com os catecúmenos armados dirigidos pelos padres. Tal derrota, na interpretação de Cortesão, originaria a segunda e grande bandeira, essa vitoriosa, ocorrida entre julho de 1628 e julho de 1629, que “vai assumir o aspecto de desafronta e de reivindicação de soberania usurpada”. Essa bandeira, comandada por Tavares, teve o apoio unânime dos paulistas. Destinou-se a defender os seus interesses econômicos e a combater o que consideravam expansionismo espanhol, representado pelas iniciativas dos jesuítas liderados por Montoya31.

As reduções do Guairá estabeleceram-se ao longo dos rios que cortam o seu território, quer tributários do Paranapanema (caso do Tibagi, Santo Inácio e Pirapó) quer do Paraná (caso do Ivaí, que recebe por sua vez o Corumbataí, do Piquiri e do Iguaçu). Assim, junto ao Tibagi estabeleceram-se quatro reduções, junto ao Ivaí três, ao Corumbataí duas, ao Piquiri três e ao Iguaçu uma, conforme os dados a seguir:

1.-Nossa Senhora de Loreto- 1610- rio Paranapanema- mun. Itaguajé
2.-Santo Inácio Menor- 1610- rio Paranapanema- mun. Santo Inácio
3.-S Francisco Xavier- 1622 (1624)- rio Tibagi- mun.Ibiporã
4.-S.José- 1625- rio Tibagi- entre mun.Ibiporã e Sertanópolis
5.-Nossa Senhora da Encarnação- 1625 (1627)- rio Tibagi- mun. Ortigueira
6.-Santa Maria- 1626- rio Iguaçu, próx aos saltos de Santa Maria
7.-S Paulo- 1627- rio Ivaí- entre mun de S.João do Ivaí e Jardim Alegre
8.-Santo Antônio- 1627- rio Ivaí- mun. Grandes Rios
9.-Sete Arcanjos de Taiaoba- 1627- rio Corumbataí- entre mun. Jardim Alegre e Ivaiporã
10.-S Miguel- 1627- rio Tibagi- mun. Tibagi (a mais oriental das reduções do Guairá)
11.-S Pedro- 1627- rio Piquiri- mun. Guarapuava
12.-Conceição de Nossa Senhora do Guaianá- entre 1627 e 1628- rio Piquiri- mun. Pitanga
13.-S .Tomé- 1628- rio Corumbataí- mun. Jardim Alegre
14.- Jesus Maria- 1628- rio Ivaí- mun.Prudentópolis
15.-Ermida de Nossa Senhora de Copacabana- ?- rio Piquiri- mun. Ubiratã32
Enquanto essas reduções se implantavam no Guairá, outras doze eram fundadas (entre 1610 e 1628) mais ao sul do continente, em ambas as margens dos rios Paraná e Uruguai, nos territórios atuais da Argentina, Paraguai e Brasil.33
Lugon atribui a maior importância aos fundadores de Loreto e Santo Inácio, os padres italianos José Cataldino e Simão Maceta. Eles tiveram o mérito de conceber e colocar em prática as ideias de uma comunidade inspirada nos primeiros tempos do Cristianismo34. Embora a experiência dessas duas reduções seja curta (cerca de 20 anos), elas representaram o início efetivo de um amplo projeto jesuíta voltado para a proteção do indígena sulamericano, que se estenderia para outras regiões do continente e duraria mais de 150 anos. Loreto e Santo Inácio foram as reduções que mais se desenvolveram e duraram no Guairá.
A vida dos indígenas nessas reduções era naturalmente condicionada pela visão-de-mundo dos padres (lembremo-nos que os índios das reduções do Guairá não eram só guarani, embora estes fossem predominantes; também havia índios de outras nações, que não falavam essa língua, caso dos gualacho ou guainá, presentes nas reduções de N. Sra da Encarnação, Santo Antônio, S. Miguel, S. Pedro e Conceição de N. Sra do Guainá). Conforme Lugon, a comunidade iniciava seu dia com o toque dos sinos das igrejas chamando os índios para a missa. Após as orações matinais, as crianças iam para a escola e os adultos, ao som de flauta e tambor, iam para o trabalho nos campos (ou para as oficinas artesanais). Os índios, que antes eram seminômades, vivendo principalmente da caça e pesca e fixando-se em dado local somente por um curto período de tempo, agora dedicavam-se à agricultura, em terras da comunidade (“tupambae”) não só produzindo seus alimentos tradicionais (mandioca, milho, batata-doce) como também outros, que os padres introduziram (trigo, arroz, cana-de-açúcar etc), além do algodão com o qual deveriam produzir os panos com que cobrissem sua nudez, um dos requisitos da vida civilizada, segundo sua opinião. Assim os jesuítas, paralelamente à catequese e assistência espiritual, também davam uma assistência material aos índios, ensinando-lhes ofícios e técnicas agrícolas. Introduziram, além disso, cabeças de gado na região. Toda a produção obtida na “tupambae” era distribuída pelos membros da comunidade (conforme as suas necessidades, segundo Lugon, ou conforme sua devoção e produtividade, segundo outros autores) ou servia para adquirir bens, pagar o tributo etc.
Tudo ali era comum, de acordo com Lugon: as terras, o gado, os equipamentos, os armazéns, os meios de transporte (barcos, carroças), as casas de habitação, as oficinas, os moinhos, tanoarias, curtumes etc. Ao casar -- e os rapazes e as moças eram estimulados a casar bem cedo, devido a razões morais (16 anos de idade no caso dos rapazes e 14 anos no caso das moças)35– os índios recebiam casa para morar e um pedaço de terra (“amambae”) para cultivar, os quais retornavam para a comunidade em caso de morte do esposo, amparando-se porém a viúva e os filhos. Não circulava dinheiro na comunidade.
As reduções eram administradas por um “cabildo” ou conselho, escolhido pelos índios. Seu presidente era o corregedor ou cacique. Formavam-no ainda os alcaides (juízes em matéria criminal e oficiais de polícia), fiscal (encarregado do registro civil), e regedores (ou conselheiros). O conselho, dentre outras funções, administrava os armazéns onde eram depositadas as colheitas. Os pajés, que antes dividiam, com os caciques, a liderança das aldeias, perdiam sua relevância nessa organização comunitária. Eram substituídos na realidade pelo padres. Não surpreende portanto que os hostilizassem.
Do ponto-de-vista urbanístico, as reduções seguiam um determinado padrão, comum a todas elas, “estabelecido em suas linhas gerais, desde o princípio”.36 As pesquisas de Oldemar Blasi confirmam a adoção de tal plano em relação a Santo Inácio Menor,37 a redução do Guairá que alcançou a maior população (variou de 2 a 6 mil índios).
As reduções estruturavam-se, tipicamente, a partir da igreja e da praça central em sua frente, onde havia cruzes em cada um de seus quatro ângulos e a estátua do santo padroeiro da redução. A julgar pela planta de Santo Inácio, incluída no livro de Lugon (a segunda com esse nome, reconstruída em território argentino, após a destruição da redução homônima do Guairá pelos bandeirantes) havia, de um lado da igreja, a escola e a Casa das Viúvas (que abrigava não só as viúvas propriamente ditas mas também as esposas rejeitadas, face à abolição da poligamia),38 e de outro lado, o cemitério e o hospital. As habitações individuais (diferentemente das coletivas, originalmente ocupadas pelos índios) multiplicavam-se ao longo das ruas que saíam da praça central, as quais formavam ângulos retos entre si. Uma peculiaridade é que entre as habitações havia uma cobertura que protegia os que por ali passavam do sol ou da chuva. Atrás da igreja e da residência anexa dos padres havia um jardim de aclimatação de espécies vegetais que depois seriam transferidas para as hortas e pomares que todas as reduções possuíam.
Vários observadores-- inclusive o governador Luís de Céspedes que passou por Loreto e Santo Inácio a caminho de Assunção-- elogiaram a beleza das suas igrejas, que não eram inferiores, segundo eles, às de Assunção ou do Peru e Chile, destacando-se pelos seus trabalhos em madeira (portas e ornamentos internos). Outros se referiram aos belos cantos corais dos meninos índios e ao talento dos índios como instrumentistas. Nessa área, desempenharam um papel importante o padre Jean Vaisseau-- músico da corte espanhola, que viveu seis anos no Guairá onde ensinou música e morreu em Loreto, vítima da “peste” (varíola ou gripe)-- e também o irmão Louis Berger, que ensinou pintura e música no Guairá.
Naturalmente tratava-se de comunidades indígenas tuteladas pelos padres, amoldadas pela visão-de-mundo destes, o que implicava em prejuízos à sua cultura autóctone. Seria essa a alternativa menos ruim para os índios, distantes tanto dos espanhóis quanto dos portugueses, só interessados na exploração de sua força-de-trabalho? O assunto é polêmico. Cortesão, por exemplo, deixa implícito que no final de contas a melhor alternativa era a sua integração aos luso-brasileiros, tal como já acontecia com os tupi, aliados dos bandeirantes, que incorporaram muito da cultura indígena (o autor rejeita, de forma convincente, a falsa visão sobre estes, criada pelos jesuítas em seus documentos enviesados); critica a vida nas reduções, salientando o seu artificialismo, em menosprezo pela cultura indígena, e também o fato de que os padres impunham nelas uma disciplina rigorosa, que “alcançava as raias da inumanidade”, chegando a adotar castigos corporais muito cruéis. Tanto é assim, para esse autor, que só seis das reduções do Guairá foram de fato atacadas; as outras desfizeram-se por si mesmas, “como castelos de cartas que eram”39. Os índios aproveitaram a oportunidade para fugir delas e retornar à sua vida primitiva.
Os paulistas invadiam o Guairá para aprisionar índios já no século XVI. Mais tarde, constatou-se a presença de Sebastião Preto na região entre 1610 e 1615, e de seu irmão Manuel Preto em 1618 e 1623-1624.40 Após 1623, as bandeiras aí se intensificam. A princípio os bandeirantes respeitavam as reduções, só aprisionando índios que não fôssem cristãos, movendo-lhes a “guerra justa” (neste caso, de autodefesa, era legítimo, pela legislação, escravizá-los, assim como o era quando se tratasse de índios aprisionados por outros índios, canibais).41
Saliente-se que a caça ao índio era a principal atividade econômica dos paulistas pois sua economia era precária e não dispunha de um produto de exportação como a Bahia ou Pernambuco (a cana-de- açúcar). Aliás, foi também para atender a demanda desse setor mais dinâmico da economia que os paulistas se lançaram na caça aos índios, na época em que o tráfico de escravos africanos para a América fora obstaculizado pelos holandeses. Mas a demanda regular era da própria agricultura paulista que produzia para o mercado interno.42
Raposo Tavares notabilizou-se pelo comando de bandeiras que atacaram e destruíram as reduções do Guairá entre 1629 e 1632. Na sequência ele também destruiria as reduções do Itatim (MS) e Tapes (RS), fundadas logo depois do desaparecimento das reduções do Guairá (apesar dos bandeirantes terem sido derrotados nas batalhas de Caaçapa Guaçu e Mirim (1638-1639)). E quando tentaram avançar sobre as reduções da área mesopotâmica, entre os rios Uruguai e Paraná, foram repelidos na batalha de Mbororé, em 1641.
Segundo os historiadores, a grande bandeira de Raposo Tavares que atacou as reduções do Guairá envolvia cerca de 4 mil homens (69 paulistas, 900 mamelucos e 3.000 índios aliados, principalmente tupi)43. O governador nomeado de Assunção, D. Luis de Céspedes y Xeria, soube dela com antecedência pois estava no Brasil nessa época e, segundo afirmaram posteriormente os jesuítas, nada fez para impedi-la. Viajou para Assunção partindo de S. Paulo pelo território do Guairá, o que era proibido então. Nessa ocasião visitou Loreto e Santo Inácio, tendo recebido aí o apelo do padre Montoya no sentido de que reforçasse a defesa das reduções. Céspedes expressava em si a própria União Ibérica então vigente pois era casado com uma sobrinha do governador do Rio de Janeiro Martim de Sá e tinha interesses comuns aos portugueses de São Paulo. Foi acusado de receber, em troca de sua atitude complacente com os ataques dos paulistas às reduções e vilas espanholas (inaceitável no representante da coroa de Espanha na região), uma parte dos índios aprisionados, que seriam empregados em seu engenho de açúcar no Rio de Janeiro ou nos ervais de Maracaju. A propósito, Céspedes assumiria o governo paraguaio em Ciudad Real em setembro de 1628.
Nessa mesma época foi atacada a redução de Encarnação. Segundo Cortesão, em outubro desse ano houve um embate entre os bandeirantes e os catecúmenos armados que ainda dessa vez resultou desfavorável aos primeiros, obrigando-os a devolver aos padres os índios capturados44.
Em janeiro de 1629 os bandeirantes invadiram Santo Antônio usando como pretexto o fato de que o padre Mola, residente no local, não quis entregar um índio que ali se refugiara. Como já foi dito, os jesuítas consideravam os índios lívres, de acordo com as cédulas reais e as ordenanças do visitador real Francisco de Alfaro. Logo depois, em março de 1629, as reduções de Jesus-Maria e S. Miguel também foram atacadas (os padres Justo Mansilla e Simão Maceta acompanharam os índios aprisionados até S. Paulo; denunciaram o fato perante as autoridades, chegando a ir até à Bahia falar com o Governador Geral; mas não conseguiram reverter a situação nem a adoção de sanções contra os paulistas; sentiram uma predisposição geral contrária aos jesuitas, especialmente em S. Paulo). Na sequência, outras reduções, prevendo igual destino, acabaram se autodesfazendo, e os catecúmenos, que não foram aprisionados ou mortos ou que não fugiram para o interior da mata, rumaram para Loreto e Santo Inácio, as únicas até então poupadas nessas razias. Mas estavam na iminência de também serem atacadas. Por isso, os padres decidiram transferi-las mais para o sul do continente, em território argentino, entre os rios Paraná e Uruguai. Em 1631 ocorreu o grande êxodo, liderado pelos padres Montoya, Díaz Taño e Maceta, envolvendo 12 mil pessoas ( 5 mil das duas reduções acrescidos de 7 mil índios de outras reduções que para lá se dirigiram). Desceram os rios Paranapanema e Paraná em 700 balsas, além de canoas. Os espanhóis ainda tentaram impedir-lhes a passagem no rio Paraná, interessados em apropriar-se da força-de-trabalho desses índios, mas Montoya advertiu-lhes energicamente, afirmando que tal atitude poderia significar sua morte em combate. E os espanhóis acabaram cedendo. Os retirantes desviaram das Sete Quedas, fazendo o trajeto a pé, e depois retornaram ao rio pois não podiam seguir em frente por terra uma vez que a região próxima às margens do Iguaçu e do Uruguai era ocupada pelos índios coroado ou caingangue, inimigos dos guarani.45
Todas as reduções existentes nas margens do Tibagi, Ivaí, Corumbataí, Piquiri e Iguaçu, foram atacadas ou se desfizeram preventivamente. Em 1632 foram destruídas as últimas, as do Ivaí e Piquiri46. Nesse ano Villa Rica encontrava-se sitiada. Mas com a intermediação do bispo de Assunção, D. Cristóvão Aresti, o impasse foi resolvido ainda em 1632, com a transferência pacífica da população dessa vila espanhola para o outro lado do rio Paraná (nem todos os seus habitantes todavia se deslocaram para lá; uma parte deles veio para o Brasil, para as vilas de S. Vicente e de S.Paulo de Piratininga). Ciudad Real também se desfez, seguindo seus moradores o mesmo destino dos de Villa Rica.47
Após a destruição das reduções do Guairá, a Província Jesuítica do Paraguai decide enviar o padre Montoya a Madri e o padre Díaz Taño a Roma a fim de que eles relatassem os fatos ocorridos ao Rei e ao Papa respectivamente e pedissem providências àquelas autoridades. Os jesuítas preocupavam-se com as reduções restantes estabelecidas em outras regiões, sujeitas à mesma ameaça dos paulistas. Montoya, em Madri, solicita formalmente autorização para armar os índios, no que é atendido, mas isso, de fato, já vinha ocorrendo, como vimos. Os índios, dirigidos pelos padres, derrotaram os paulistas nas batalhas de Caaçapa Guaçu e Mirim, e também na de Mbororé. Em seu livro, “Conquista Espiritual”, publicado em Sevilha em 1639, Montoya faz uma crítica violenta aos bandeirantes pela sua atuação no Guairá. Segundo Cortesão, porém, essa é uma obra cheia de inverdades, desmentida pelos documentos que analisou. Traduzida para o guarani, constituiu-se num “evangelho do ódio” por incitar os índios contra os portugueses 48. Em sua opinião, é livro de propaganda. Destinava-se a atrair a ira de Felipe IV e dos seus Conselhos sobre os paulistas. Ademais, Cortesão, que minimiza a crueldade dos bandeirantes, refere-se ao caráter autoritário do padre Montoya e também destaca sua inabilidade, pois tomou o partido espanhol na disputa entre as duas potências ibéricas pelo domínio daquelas terras.49 Para esse autor, a destruição sistemática das reduções e vilas espanholas no Guairá demonstra que Raposo Tavares seguia uma estratégia pré-determinada e estava bem convicto do papel histórico que desempenhava. Tavares teria agido não só em função de seus interesses econômicos (o apresamento de índios, então a maior riqueza da terra) mas também políticos: ele era valido do Conde de Monsanto, o donatário da Capitania de São Vicente, a quem procurava servir com tais ações. Sua atitude, conforme Cortesão, decorria do mesmo espírito nacionalista que animava o movimento português que sairá vitorioso em 1640 com a restauração da autonomia de Portugal e a ascensão de D.João IV ao trono50.

O Conde Monsanto, D. Álvaro Pires de Castro, hostilizado pelos espanhóis (que o culpavam pela perda da capitania de Itamaracá para os holandeses), marquês de Cascais após a restauração, foi prestigiado pelo novo monarca português, tendo assumido vários cargos importantes. Ele era também o donatário da capitania de Sant’Ana, a mais meridional de todas (onde se localizava parte do atual território do estado do Paraná). Raposo Tavares, em suas incursões pelo sul, atacando as reduções do Tape (no que foi seguido, em 1637-1639, pelas bandeiras de André Fernandes e Fernão Dias Pais), procurava assim assegurar o domínio português sobre o território do conde de Monsanto, e, mais além dele, sobre as chamadas terras d’El Rei, até o rio da Prata, limite meridional extremo das ambições portuguesas 51. Valia mais nessa questão, como se sabe, o “uti possidetis” do que as disposições formais dos tratados celebrados.

Extingue-se assim, em 1632, a experiência do “Paraná espanhol” tendo em vista a afirmação do domínio português sobre todo o território do Guairá.
De acordo com cálculos dos historiadores paranaenses, as reduções do Guairá envolveram aproximadamente 100 mil índios. Cerca de 60 mil teriam sido levados para S. Paulo (o que faria seu preço baixar de 100$000 para 20$000 por peça nessa época), 15 mil, mortos nos confrontos e 12 mil teriam migrado para o sul no grande êxodo de 1631. O restante, 13 mil, teria fugido para outras regiões, embrenhando-se nas matas.52
Após a destruição das reduções e o abandono das vilas espanholas, o território do Guairá é ocupado por índios jê, de outra família línguística, tanto vindos do norte, deslocados pelos colonizadores portugueses de São Vicente e de Piratininga, quanto do sul, que antes habitavam a área limitada pelos rios Iguaçu e Uruguai. No primeiro caso, referidos como os guaianá, transpuseram o rio Paranapanema; no segundo, os caingangue, ultrapassaram o Iguaçu (o termo caingangue hoje abrange os guaianá, além de outras tribos como os coroado, botocudo etc).53 De natureza menos dócil que os guarani, os caingangue eram “imprestáveis para escravos”, na expressão de Darcy Ribeiro.54 Esses índios já estavam presentes, embora minoritariamente, em algumas reduções do Guairá como vimos.
Enquanto todos os fatos relatados acima aconteciam, o “Paraná português”, do litoral e serra cima, onde se formaria a sociedade paranaense, dava os seus primeiros passos. Duas datas são emblemáticas, e podem nos servir de referência nesse caso: o ano de 1632, do desaparecimento de Villa Rica e Ciudad Real, que assinala o fim do “Paraná espanhol”, e o de 1648, quando se constitui a primeira vila paranaense, Paranaguá, logo depois de se encontrar ouro na região. Antes disso, o nosso litoral apresentava uma escassa ocupação, feita por gente oriunda do litoral paulista. A princípio os primeiros habitantes ocuparam a ilha da Cotinga, na baía de Paranaguá, certamente receosos da hostilidade dos índios carijó (que decorria da ação da bandeira de Jerônimo Leitão, preadora de índios, que penetrou a região em 1585). Quando esses ocupantes se sentiram mais seguros, transferiram-se para as margens do rio Itiberê, local onde se estabeleceria a vila de Paranaguá.55

NOTAS

1 Ver, por exemplo, os locais, no território brasileiro, de que Cabeza de Vaca toma posse em nome do rei da Espanha, conforme consta nos “Comentários”. Cf. CABEZA DE VACA- “Náufragos & Comentários”. Porto Alegre: L&PM, 1999

2 MONTOYA, Pe. Antônio Ruiz—“Conquista Espiritual feita pelos religiosos da Companhia de Jesus nas Províncias do Paraguai, Paraná, Uruguai e Tape”. 2a. ed.- Porto Alegre: Martins Livreiro-Editor, 1997- p. 35

3 SCHALLENBERGER, Erneldo— “O Guairá e o Espaço Missioneiro”. Cascavel-PR: Coluna do Saber, 2006- p. 53

4 LUGON, Clovis-- “A República ‘Comunista’ Cristã dos Guaranis” 1610-1768 3ª. ed- Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977- p. 11 e 140

5 CHAVES, Julio César-- “Descubrimiento y Conquista del Rio de la Plata y el Paraguay” (v.1 de la Historia General del Paraguay). Asunción: Ediciones Nizza, 1968- p.45

6 VASCONSELLOS, Victor Natalicio-- “Lecciones de Historia Paraguaya”- 6a ed.- Asunción: Ed. do Autor, 1970- p.42

7 VELILLA, Benjamin- “Aportes de Benjamín Velilla a la Historia del Paraguay“. María Margarita Velilla Talavera (compiladora). Assunción: Ediciones y Arte S.R.L, 2005- p. 59

8 GADELHA, Regina Maria A.F.-- “As Missões Jesuíticas do Itatim: um estudo das estruturas sócio-econômicas coloniais do Paraguai (séculos XVI e XVII)”. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980- p. 102-103

9 WESTPHALEN, Cecília Maria e BALHANA, Altiva Pilatti—“Presença Espanhola no Paraná- Séculos XVI e XVII”, p. 375-384, in “Un Mazzolino de Fiori”, v. III. Curitiba: Imprensa Oficial; Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, 2003- p. 378

10 GADELHA, op cit, p. 73 e 154 (nota 153); PEREIRA, Carlos da Costa-- “História de São Francisco do Sul”. 2a. ed.- Florianópolis: Ed da UFSC, 2004- p. 40

11 Segundo De Angelis, apud AGUILAR, Pe. Jurandir Coronado-- “Conquista Espiritual. A História da Evangelização na Província Guairá na obra de Antônio Ruiz de Montoya, S.J. (1585-1652)”. Editrice Pontifícia Università Gregoriana. Roma, 2002- p. 132, nota 162.

12 MARTINS, Romário-- “História do Paraná”-3a. ed- Curitiba: Editora Guaíra, s.d.- p. 29; LADEIRA, Maria Inês-- “Terra em movimento: a luta do povo guarani” in “História Viva” ano IV, nº 40, p.80-85; RIBEIRO, Berta- “O Índio na História do Brasil”- 9a ed- S.Paulo: Global Ed., 2000- p. 58-59

13 MICHAELE, Faris Antonio—“Presença do Índio no Paraná” in “História do Paraná”, 2ª ed, 3º v.- Curitiba: Grafipar, 1969, p. 23

14 GADELHA, op cit, p. 106

15 WESTPHALEN e BALHANA, op cit, p. 378. Um ano depois, em 1556, D.Mencia de Sanabria, viúva do terceiro “adelantado” nomeado, Juan de Sanabria, que morreu antes de partir com sua expedição para o Novo Mundo, também faria essa viagem por terra, acompanhada de um certo número de homens e “pelo menos 30 mulheres e crianças”. Chegaram a Assunção, percorrendo o sistema de caminhos do Peabiru, tendo partido de S. Francisco, na costa catarinense, onde os espanhóis tentaram estabelecer um porto. D. Mencia era avó do governador Hernandarias de Saavedra (cf. SOARES, Olavo—“Uma mulher no caminho do Peabiru: história de Doña Mencía Calderón de Sanabria”. Curitiba: Editora do Chain, 2007).

16 CHMYZ, Igor-- “Arqueologia e História da Vila Espanhola de Ciudad Real do Guairá” in “Cadernos de Arqueologia- ano 1, nº 1, 1976- p. 71

17 CARDOSO, Ramón Indalecio-- “El Guairá: Historia de la Antigua Província”- excertos desse livro disponíveis em http://www.villarrik.com/guaira.html Cf também CHAVES, op cit, p. 290-291

18 CHMYZ, op cit, p. 71 e 76 ; VELILLA, op cit, p. 60

19 WESTPHALEN e BALHANA, op cit, p. 380

20 CÂMARA, Marcelo—“Das entranhas de Potosi, a prata que extasiou a Espanha”, p. 74-79, in “História Viva” ano III, nº 26

21 GADELHA, op cit, p. 139

22 Id, ibid, p. 162 (GADELHA transcreve aqui dados da Carta Ânua de 1609, enviada pelo provincial Pe. Diego de Torres à Espanha: Vila Rica- 100 vizinhos e Ciudad Real- 60, ou sejam, respectivamente, 500 e 300 habitantes)

23 Id, ibid, p. 127 (nota 60), 140, 166, 168-169

24 Id, ibid, p. 167

25 AGUILAR, op cit, p. 28

26 RIBEIRO, Berta- “O Índio na História do Brasil”- 9a ed- S.Paulo: Global Ed., 2000- p. 30 e 45; MONTOYA, op cit, p. 35

27 LACOUTURE, Jean-- “Os Jesuítas: 1. Os Conquistadores”. Porto Alegre: L&PM, 1994- p. 434

28 GADELHA, op cit, p. 200

29 CHMYZ, op cit. Ver também, do mesmo autor, “Contribuição Arqueológica e Histórica ao Estudo da Comunidade Espanhola de Ciudad Real do Guairá” p.77-114 in Revista de História nº 2, 1963- Universidade do Paraná

30 CORTESÃO, Jaime—“Raposo Tavares e a Formação Territorial do Brasil”. Rio de Janeiro: Minstério da Educação e Cultura, 1958- p. 128

31 Id, ibid, p. 145, 151, 159, 164

32 Essa relação apoia-se, como foi dito, nos estudos de Igor Chmyz; quanto à localização das reduções há algumas diferenças entre as aqui indicadas e as apontadas por Erneldo SCHALLENBERGER, outro pesquisador importante que se debruçou especificamente sobre o Guairá.

33 Cf. desenho de J.J.López incluído em MONTOYA, op cit, p. 202

34 LUGON, op cit, p. 32 e 339

35 LACOUTURE, op cit, p. 456

36 LUGON, op cit, p. 71

37 Apud CHMYZ, op cit (“Arqueologia e História...”), p. 80-81

38 LACOUTURE, op cit, p. 456

39 CORTESÃO, Jaime- “Raposo Tavares...”, op cit, p. 133, 137, 138
40 CHMYZ, op cit (“Arqueologia e História...”), p. 90-91

41 DAVIDOFF, Carlos Henrique—“Bandeirantismo:verso e reverso”. 4ª ed- S.Paulo: Brasiliense, 1986- p. 34-35; cf também SUANO, Marlene—“Os índios antes do Brasil”, p. 18-23, in “História Viva”- Edição especial temática nº 23- p.21


42 MONTEIRO, John- “Bandeiras mestiças”, p. 16-21, in “Revista de História da Biblioteca Nacional”, ano 3, nº 34, jul 2008, p. 21

43 WESTPHALEN e BALHANA, op cit, p. 381; CHMYZ, op cit (“Arqueologia e História...”), p. 91

44 CORTESÃO, Jaime- “Raposo Tavares...”, op cit, p.170

45 Cf. observações do Barão do RIO BRANCO sobre as reduções do Guairá contidas em “Esboço da História do Brasil” e na exposição ao presidente Cleveland por ocasião da Questão das Missões- incluídas em NEGRÃO, Francisco- “Genealogia Paranaense”-v.I, 1926, p.30-39- ed. facsimilar publicada pela Imprensa Oficial do Estado do Paraná em 2003

46 SCHALLENBERGER, op cit, p. 83

47 TAUNAY, Afonso E.-- “História das Bandeiras Paulistas”, tomo I. São Paulo, Melhoramentos; Brasília, INL, 1975- p. 49

48 CORTESÃO, Jaime- “Raposo Tavares...”, op cit, p.137, 174

49 CORTESÃO, Jaime-- “Jesuítas e Bandeirantes no Guairá”- Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1951 (Manuscritos da Coleção de Angelis-I)- p. 80, 83, 85

50 Apud GADELHA, op cit, p. 171-172

51 CORTESÃO, Jaime- “Raposo Tavares...”, op cit, p. 98, 100, 204, 205, 225

52 WESTPHALEN e BALHANA, op cit, p.382; MARTINS, op cit, p. 70. LUGON, op cit, p. 58, também estima em “cem mil ou mais pessoas” a população das reduções do Guairá.

53 TEMPSKI, Edwino Donato-- “Caingangues- gente do mato”. Curitiba: Imprensa Oficial, 1986 (volume XLIV do Boletim do Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico Paranaense)- p.24-27, 37-38

54 RIBEIRO, Darcy- “O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil”. S.Paulo: Companhia das Letras (Companhia de Bolso), 2006- p. 31

55 MARTINS, op cit, p. 31 e 140-141



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OBS- Este texto consiste, em sua maior parte, numa síntese da monografia que obteve o 1º prêmio no concurso nacional promovido pela Secretaria da Cultura do Estado do Paraná, em 2009, relativo ao tema “Espanhóis e indígenas no território paranaense da província do Guairá: séculos XVI e XVII”.
A monografia está agora disponível integralmente em http://oparanaespanhol.blogspot.com.br/

Um comentário:

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