terça-feira, 30 de novembro de 2010

DALTON TREVISAN & O PARANISMO



Há um livro interessante na praça. Trata-se de Dalton Trevisan (en)contra o Paranismo (Curitiba: Travessa dos Editores, 2009), onde Luiz Cláudio Soares de Oliveira faz uma análise da revista Joaquim, de literatura e artes, lançada em Curitiba pelo jovem Dalton Trevisan, em 1946.

Joaquim, que recebeu elogios de grandes escritores nacionais, representou um marco na história cultural do Paraná, por atacar a visão passadista, conservadora e isolacionista que aqui prevalecia no terreno das letras e das artes (associada pelo autor ao “Paranismo”) e propor uma abertura para o que fosse mais relevante no mundo de então, o do pós-guerra. Assim, Joaquim, teria em nosso meio uma importância equivalente à da Semana de Arte Moderna no âmbito nacional.

A proposta de trabalho desse livro, originalmente uma dissertação de mestrado apresentada na área de Letras da Universidade Federal do Paraná, “é apresentar e analisar as ‘armas’ utilizadas pelos editores e colaboradores da Joaquim para vencer as forças antagônicas locais, receber o apoio nacional e, com isso, ficar caracterizada como um marco, uma ‘ponta’ histórica da vida cultural paranaense”. (p.11)

Para alcançar o seu objetivo, o autor destaca -- em sua análise dos 21 números da revista (que saíram de abril de 1946 a dezembro de 1948) -- alguns aspectos do conteúdo dessas edições, mais relacionados àquela proposta de trabalho, qual seja o do seu confronto com o Paranismo.

Assim, o autor se concentra em analisar as ideias norteadoras da revista, contidas no “Manifesto para não ser lido”, um conjunto de citações de vários escritores, publicado no nº 1, antecedido por uma frase-divisa formulada pela própria revista, que justificava o seu nome e seria repetida nas demais edições: “Em homenagem a todos os joaquins do Brasil”. Analisa também a crítica a Emiliano Perneta (no nº 2- “Emiliano, poeta medíocre”), a crítica a Alfredo Andersen (no nº 7—“Viaro, hélas... e abaixo Andersen”) e o artigo “A geração dos vinte anos na ilha”, publicado no nº 9, uma crítica ao Paranismo e aos “donos da arte no Paraná”, um “verdadeiro manifesto antiparanista”, como o define o autor (p. 147). Examina ainda a seção “Oh as idéias da província” e a publicidade da revista.

Luiz Cláudio propõe-se analisar as armas usadas pela revista para “bombardear a cultura ideologicamente dominante que se impunha no Estado há mais de meio século.” (p.11). Esse meio século anterior a Joaquim abrange basicamente os movimentos simbolista e paranista, pois o Modernismo aqui foi muito pouco significativo.

No movimento simbolista, cujo auge ocorreu nos fins do século XIX e começos do XX, Curitiba destacou-se como um dos principais centros do país, como mostrou Andrade Muricy no “Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro” (por isso é absurda a afirmação, contida no manifesto antiparanista antes referido, de que “(...) a literatura paranaense inicia agora” (p.147), i.e. na década de 1940, fazendo tabula rasa de toda a nossa história literária anterior à revista).

O Paranismo, por outro lado, que tem como referência cronológica a criação de um “Centro Paranista” pelo historiador Romário Martins em 1927 (p. 40), não é originalmente um movimento artístico, e sim de caráter cívico, de valorização das coisas nossas, certamente intensificado pela exaltação de ânimos decorrente das discussões com Santa Catarina que se arrastavam no âmbito do Judiciário relacionadas à questão do Contestado e que resultaram no acordo de 1916 pelo qual o Paraná perdeu 28 mil km2 de seu território. Liderado por Romário Martins (1874-1948)-- que aliás contribuiu para a defesa judicial dos interesses do Estado—o movimento voltou-se para a valorização da terra e da gente do Paraná, título aliás de um de seus livros.

Quanto à gente, valorizava não só os nativos daqui mas também aqueles que escolheram o Paraná para viver. Ocorre que, o viés elitista da época não valorizava a gente do povo (os joaquins...) e sim as personalidades notáveis nas diversas áreas-- política, militar, administrativa, eclesiástica etc, incluindo naturalmente a literatura e apropriando-se assim daqueles escritores que alcançaram projeção nacional no tempo do Simbolismo. Todas essas personalidades, não é preciso dizer, saíam em sua maioria das classes dominantes locais. Como bem assinala o autor, os negros e os índios, especialmente aqueles, foram esquecidos (p 43) nesse culto das personalidades locais (que não era estranho às concepções positivistas...).

Quanto à terra, o movimento paranista se voltava para o elogio dos nossos recursos naturais, dos acidentes geográficos, da nossa fauna e flora, na qual se destacava o pinheiro, que Emiliano um dia -- num de seus raros versos explicitamente regionalistas -- comparara a “uma taça erguida para a luz”. O pinheiro, a pinha, o pinhão tornar-se-iam assim símbolos, e seriam exaustivamente explorados, não só no terreno da literatura mas também no das artes plásticas e arquitetura, como uma decorrência da postura paranista. O Paranismo, desse modo, derivando para o campo das artes, restringia e tornava acanhadas as perspectivas da nossa produção literária e artística. Nesse sentido, o papel de Joaquim, apesar das injustiças que cometeu, foi muito importante para alargar os horizontes dos escritores e artistas locais.

Mas é preciso deixar claro que, em termos de ideário estético, Simbolismo não tem nada a ver com o Paranismo. É a própria negação deste, na medida em que é universalista, cosmopolita, antirregionalista. Emiliano Perneta, por exemplo, tinha a cabeça voltada para Paris, era assinante do “Mercure de France”, e menosprezava a província, que chamava de “país de bárbaros”. Além disso, o Simbolismo é considerado precursor do Modernismo, pela sua crítica ao formalismo parnasiano e seu ímpeto renovador da linguagem, inclusive com a valorização do seu aspecto gráfico (os simbolistas por exemplo foram contra uma reforma ortográfica que aboliu o y da palavra lírio: para eles seria sempre “lyrio”). Paulo Leminski, em seu livro sobre Cruz e Sousa, chamou a atenção para a valorização desse aspecto gráfico nas esmeradas publicações deles.

Luiz Cláudio diz que o movimento simbolista foi mais duradouro (que o nacional), no Paraná “continuando forte até a década de 20 do século XX, arrefecendo apenas depois da morte de Emiliano, em 1921, período em que começa a tomar força a idéia do Paranismo como se fosse não um substituto, mas uma resultante, um legado dos simbolistas” (p.34)

Paranismo legado dos Simbolistas? Não há nada mais distinto dele, como disse acima. Mas o autor não considera esse “legado” do ponto- de- vista das idéias estéticas, e sim da postura do grupo de escritores que lançou a revista Cenáculo e expressava “o anseio de construção de uma identidade e produção culturais próprias, que enfrentassem o cosmopolitismo da capital (Rio de Janeiro), que nos ‘avassalava’ “ (p 29). Escritores que os sucederam, das gerações posteriores, mas com o mesmo anseio, seriam os “donos da arte no Paraná” da década de 1940 visados por Joaquim...

O Paranismo levou seus adeptos a cometer exageros como o da atitude do jornalista Raul Gomes que, numa matéria publicitária, destinada a promover a venda de livros paranaenses (dos quais também era editor) achava que era uma obrigação moral do paranista adquirir livros de autores nossos, mesmo que maus. “Ele pode ser mau. Mas é nosso” afirmou (p 56). Em outra ocasião, citando um escritor francês (“Ce verre c’est à verre mais c’est moi”), afirma sobre os nossos literatos: “maus, mas nossos!” (p 90). Essa era obviamente uma atitude equivocada, que não contava nem mesmo com o apoio unânime dos paranistas...

Defender o “mau mas nosso” em artes é uma rematada estupidez. No terreno das artes, é preciso ser implacável com a exigência de qualidade. Não tem sentido predefinir uma temática regional à produção artística (como acabou ocorrendo pela adoção de uma visão distorcida do Paranismo, que se bem entendido não é em si um mal). Como diz o manifesto antiparanista de Joaquim: “Nossa geração (...) jamais fará arte paranista, no mau sentido da palavra. Ela fará simplesmente arte” (p 147). Tampouco tem sentido optar pela mera imitação dos artistas do passado bem sucedidos, em vez de buscar a inovação e a criatividade. Na atualidade, um exemplo de tal postura equivocada seria um contista querer imitar o estilo literário de Dalton Trevisan...

Um aspecto interessante levantado por Luiz Cláudio em seu livro diz respeito à instabilidade da opinião de Dalton com relação a Viaro. Em Joaquim ele o elogia; depois, na maturidade, o critica, dizendo de sua pintura: “bem comportada, reacionária, nenhuma originalidade. Diria até acadêmica, se ele soubesse desenhar” (p 127). Não importa aqui se Dalton, como diz o autor, quis fazer “crítica ao oficialismo provinciano” (na época da sua crítica, em 1984, a Prefeitura de Curitiba mantinha um museu dedicado a ele e uma cinemateca com seu nome). A crítica feita a um artista por causa do oficialismo, da sua institucionalização, não decorre da obra em si, mas de sua inserção no contexto social. Por isso é falha. O que importa é a obra. Se Dalton mudou o julgamento com relação à obra de Viaro, isso significa que os critérios estéticos que ele adotara antes já não valem mais, apenas algumas décadas depois? O que dizer então do julgamento sobre a grandeza de Botticelli ou Rembrandt que se mantém inalterado não após décadas mas após séculos?

Outro exemplo da mudança de julgamento estético por parte de Dalton diz respeito a Monteiro Lobato, como mostra Luiz Cláudio (p 164 e seg.). Em 1941, ele publicou um artigo em Tingui bastante elogioso ao escritor. Todavia, no nº 12 de Joaquim (de agosto de 1947) ele o renega, criticando-o em termos muito violentos. Novamente, isso revela falta da adoção de critérios estéticos objetivos por parte do contista curitibano na avaliação de um artista, cujo valor, se existe, perdura ao longo do tempo e não está sujeito à volubilidade ou idiossincrasias do crítico.

Dalton criticou o amigo Viaro (depois de morto), porque era (é) contra a institucionalização dos artistas. Certamente criticará também a de Leminski (objeto em agosto, mês de seu aniversário, de um evento cultural oficial na cidade chamado Perhappiness, além de ser nome de uma pedreira em Curitiba). Noto aqui uma semelhança da atitude de Dalton com a de Jean- Paul Sartre, que recusou o prêmio Nobel de Literatura para não ser “institucionalizado” (aliás, Sartre é um dos escritores que interessava a Joaquim, pois suas páginas reproduzem textos dele). Vale lembrar também que, certa vez, Cony caracterizou a literatura de Trevisan como sartreanamente “nauseada”. Essas referências me fazem suspeitar que não é absurda a associação que Gustavo Corção fez da vinculação de Joaquim ao existencialismo, tema aliás de um artigo de Temístocles Linhares publicado na mesma revista, da qual era um dos principais colaboradores. Por outro lado, Luiz Cláudio diz que Joaquim não é existencialista porque Waltensir Dutra, no artigo “O reacionarismo do Sr. Gustavo Corção” (Joaquim nº 14) declara que a revista não segue nenhuma tendência ideológica ou filosófica (p 167). Mas não é possível Waltensir afirmar isso e na prática a revista contradizer sua afirmação?

Afirma o autor que Joaquim não encerrou as atividades por problemas financeiros, a razão mais freqüente para deixarem de circular revistas de literatura e arte no país. Luiz Cláudio mostra que havia um satisfatório número de anunciantes da revista, de modo a cobrir as despesas de sua impressão. Foram outras as razões para o fato, ligadas ao perigo de sua institucionalização (cf. na p. 184 opinião de Poty Lazzarotto, outro colaborador assíduo da revista) e à personalidade de Dalton, que segundo Wilson Martins era quem praticamente fazia sozinho a revista (de qualquer forma, a revista já tinha cumprido sua missão básica, que era a divulgação do trabalho de seu proprietário, “o autor mais publicado em toda a existência de Joaquim- p. 104).

Já que me referi a questões financeiras, lembrei agora de um caso pitoresco a elas relacionadas. No expediente da revista, no nº 3, consta como seu “subgerente” Antônio Carlos Pereira. Segundo um amigo, que por sua vez era amigo de Dalton, esse Antônio Carlos, conhecido como “Carlinhos”, era um sujeito muito forte, briguento e temido na Curitiba de então. Por essas “credenciais”, Dalton disse ao meu amigo que o associou à revista para que se encarregasse de seu setor de cobranças...

Constatam-se, no trabalho de Luiz Cláudio, alguns problemas de revisão. E também alguns claros equívocos, apontados a seguir: Nestor Victor não chegou a ser eleito para a Academia Brasileira de Letras, o que se afirma na p.58; Romário Martins não viveu entre 1893 e 1944 (p 58) e sim entre 1874 e 1948; GERPA, de Raul Gomes, não editou as obras completas de Emiliano Perneta (p 62), embora fosse essa a sua intenção, e sim apenas a “Prosa” dele (na capa deste livro, publicado em 1945, chegou a constar, porém, “Obras Completas- 1º Volume”...).

Independentemente dos reparos que possam ser feitos ao trabalho, vale a pena ler esse livro equilibrado, desapaixonado, que contribui para elevar o nosso nível de informação sobre a realidade cultural do Paraná e estimula o debate sobre questões cruciais dessa mesma realidade.



















Um comentário:

  1. sr domingos boa noite, moro em perto de sp e cuido de uma senhora q diz que é bisneta do barao de serro azul e do visconde de nacar, ela se chama denise de almeida, ela tem até reliquias dos bisavos!!aguardo mais detalhes!! um abraço
    carlos_tomaz@hotmail.com

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