sábado, 6 de junho de 2020

"FOLHAS CADENTES" (ELOGIO DO PATRONO)

          
            O livro “Folhas Cadentes”, de Alcides Munhoz (v. foto), cujo subtítulo é Elogio do Patrono (Curitiba, 1925), foi escrito por exigência dos estatutos da Academia de Letras do Paraná.  O elogiado, no caso, é o seu tio Alfredo Munhoz (1845-1921), patrono da cadeira da qual Alcides (1873-1930) foi o primeiro ocupante.   

            Acabei de ler, fascinado, esse livro (disponível no setor de “Documentação Paranaense da Biblioteca Pública do Paraná) especialmente por obter aí informações sobre alguns de meus ancestrais pelo lado da avó paterna, e também sobre a vida curitibana na segunda metade do século 19.

            Minha avó Arabela também era sobrinha de Alfredo Munhoz. Ela era filha de Florêncio José Munhoz, irmão mais moço de Alfredo (aliás, Alfredo, que morreu aos 76 anos, sobreviveu a todos os seus irmãos. E das irmãs, em 1925 – data da publicação do livro –apenas duas ainda viviam).  

            Alfredo foi o primogênito do primeiro casamento do tenente-coronel Caetano José Munhoz, avô de Arabela, que era um importante ervateiro no início da nossa vida como província independente (naturalmente deve-se avaliar essa importância em termos relativos pois Curitiba, na época da emancipação da província, era uma cidade pequena, com uma população de aproximadamente 6 mil habitantes).

            Como se sabe, o ciclo do mate na economia paranaense tem início na década de 1820, e já na década seguinte Caetano José Munhoz é um dos primeiros a instalar engenho de erva-mate em Curitiba (até então eles só existiam no litoral). Foi o primeiro a instalar engenho a vapor, antes mesmo do barão do Serro Azul, conforme afirma Newton Carneiro em “Um Precursor da Justiça Social”.

            Alcides Munhoz refere-se ao seu engenho no Alto da Glória, no “boulevard II de Junho” e descreve vivamente a preparação para a festa de recepção ao Conselheiro Zacarias em sua residência, que ficava ao lado do engenho (havia escravos ajudando nos preparativos, e também uma senhora misteriosa, amiga de Caetano, a quem ele pede francamente para não comparecer no dia da recepção, pois não saberia como apresentá-la ao Conselheiro, face à sua ”incerteza matrimonial” (p. 15)...)  
           
            O livro transcreve duas cartas (de 1857 e 1860) de Caetano e de Francisca, sua primeira esposa (avó de Arabela), aos filhos Alfredo e Caetano Alberto (pai do autor do livro), que estudavam em Petrópolis, no colégio dirigido pelo professor  Kopeck. Essas cartas revelam saborosamente como os pais se dirigiam aos filhos por escrito (uso, por exemplo, do pronome “vós”, talvez pela influência lusitana, pois Francisca era filha do português João Gonçalves Franco), além de revelar os cuidados maternos. A mãe se referia a roupas ou alimentos que enviava pelos “vapores” (navios). A Corte, e por extensão Petrópolis, era sinônimo de civilização, e as pessoas mais abastadas enviavam seus filhos para estudar lá.  Caetano queria que um de seus filhos fosse “Doutor em Leis”, mas eles não se formaram. Fizeram carreira no serviço público, como funcionários do Ministério da Fazenda (as repartições aqui existentes eram chamadas Tesouraria de Fazenda, Alfândega de Paranaguá, Mesa de Rendas de Antonina, Coletoria de Curitiba).

            Alfredo iniciou sua carreira fazendária como ”colaborador” (1863), ocupando sucessivamente os cargos de “praticante” (1864), “segundo escriturário” (1865), “oficial” (1870), “chefe de seção” (1872), “contador” (1873) e “inspetor” (1878).  Nessa última condição, passou um ano (1878-9) em Mato Grosso (Cuiabá), na repartição fazendária local.

            Há uma referência “en passant”, na carta de 1860 escrita por Francisca, a um Florêncio, mas não se trata do pai de Arabela, que tinha então apenas 2 anos e alguns meses. Ela diz: “O Florêncio ainda cá está e por oras vosso pai precisa dele” (p. 18).  Deve tratar-se de outro Florêncio, talvez Florêncio Munhoz da Rocha, sobrinho de Caetano José Munhoz. A propósito, Florêncio José Munhoz (1857-1909), o pai de Arabela, também entraria para a Tesouraria de Fazenda, pois seu nome consta numa carta dos funcionários de Alfredo, cumprimentando-o pelo seu aniversário, em 1887 (p. 40). E no final do livro (p. 101) o autor afirma que ele morreu como Guarda-Mor da Alfândega de Santos. 

            Alfredo aposentou-se, a pedido, aos 44 anos, em agosto de 1889, alguns meses antes, portanto, da proclamação da República. Pretendia dedicar-se à iniciativa particular, fabricando um pó dentifrício, obtido com base em seus conhecimentos de botânica. Mas como não dispunha de capital suficiente para montar a indústria respectiva, acabou não alcançando seu objetivo de ganhar dinheiro com isso (seu sonho era morar na Suíça).  Complementava sua renda de funcionário público dando aulas de inglês e taquigrafia. Exerceu o cargo de “redator de debates” do Congresso Legislativo estadual, atuando também como taquígrafo (p. 57-8). (Alcides Munhoz diz que o velho Caetano, quando morreu repentinamente, deixou a família em situação financeira muito difícil. Ele tinha seu capital empatado no negócio da erva-mate, que era vendida pelo sistema de consignação no mercado platino. E parece que foi prejudicado pelos seus consignatários...) (p. 47).

            Alfredo Munhoz exerceu o jornalismo, sendo um dos fundadores da revista literária “Íris Paranaense” (1873) e fundador da revista “A Colmeia” (1898). Além disso, ao contrário do sobrinho Alcides, católico, ele era espírita convicto, correspondendo-se com cientistas importantes do exterior, interessados no tema.  Fundou (em 1890) e redigiu por muitos anos o jornal “A Luz”, órgão do Centro Espírita de Curitiba.

            Seu irmão Caetano Alberto também fez carreira fazendária. Em Santos foi criticado pelo poeta Vicente de Carvalho que, na condição de jornalista e deputado, mobilizou-se, em ambas as condições, contra o sigilo dos trabalhos de sindicância para apurar irregularidades na repartição fazendária local, trabalhos esses que Caetano Alberto dirigiu, por designação do ministro da Fazenda de então.

            “Folhas Cadentes” traz ainda informações sobre a origem da família Munhoz. Os dados sobre essa família contidos na “Genealogia Paranaense”, de Francisco Negrão, são em grande parte extraídos desse livro de Alcides Munhoz, primo-irmão de minha avó Arabela.   







             

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