sexta-feira, 12 de junho de 2020


LIGEIRAS OBSERVAÇÕES FEITAS APÓS UM GIRO PELA PENÍNSULA IBÉRICA

(o “giro ibérico” abrangeu 5 mil km e foi realizado de 12 a 30 de maio de 2014)

1. PORTUGAL


-A casa Fernando Pessoa, no Campo de Ourique, em Lisboa, é aquela em que o poeta morou nos seus últimos 15 anos de vida. Vai-se até lá no famoso bondinho (ou “eléctrico”) 28. A casa-museu é dedicada a cultuar a sua memória. Ali pode-se ver como era seu quarto e ali estão a escrivaninha, o baú dos inéditos, seus objetos pessoais etc Há também uma biblioteca para uso dos pesquisadores e uma livraria. Da mesma forma, a antiga Casa dos Bicos em outro ponto da cidade sedia atualmente a Fundação José Saramago, que homenageia o grande escritor português contemporâneo.

-Na estação do Rossio, perto da praça D. Pedro IV, pegamos um trem que nos levou até Queluz, onde está o palácio em que residiram D.Maria I, D.João e Carlota Joaquim, além dos filhos. Visitamos o quarto em que o nosso D. Pedro I (o D. Pedro IV deles) nasceu e veio a morrer, após ter abdicado do trono no Brasil e retornado ao seu país. É um palácio mal conservado, que não impressiona pela arquitetura, no meio de amplos jardins.

-“Rossio” é uma palavra que se vê frequentemente nos logradouros públicos das cidades. Segundo me disseram, deriva do alemão “Ross” que significa “cavalo”. Referia-se antigamente aos locais urbanos reservados ao descanso dos cavalos, meio de transporte da época.

-Em Mértola, simpática cidade do Alentejo, de ruas e prédios brancos, conversando com alguns moradores do local, eles me falaram do assassinato de um turista português ocorrido no Brasil há alguns anos. Ainda estavam impressionados com a selvageria do crime, em que o pobre turista foi obrigado a cavar a própria cova onde seria enterrado. Expliquei-lhes que, em boa medida, a nossa criminalidade é explicada pelas condições sociais, e que aqui a tensão social e a desigualdade são muito grandes. Por isso, devemos apoiar governos de esquerda, que priorizem essas questões.

-A propósito de Mértola, um fato que me chamou a atenção foi uma igreja católica, também caiada de branco, que fora antes mesquita, próxima a um castelo. O templo, internamente, ainda guarda as características arquitetônicas de sua antiga função, na época dos mouros.

- Em Évora, a sinistra Capela dos Ossos, ao lado da igreja de S. Francisco, traz a inscrição famosa: “Nós ossos que aqui estamos pelos vossos esperamos”, para nos lembrar da precariedade da condição humana. Nessa cidade, nas lojinhas para turistas abundam artigos feitos de cortiça (bolsas, malas, bonés, chapéus, carteiras etc). Nosso guia disse que Portugal é o maior produtor de cortiça do mundo (que serve também, naturalmente, para se fazerem as rolhas das garrafas de vinho, produto tradicional e notável de sua economia). Ela é extraída da casca de uma árvore chamada sobreiro, muito presente na paisagem da região (assim como as oliveiras).

-Assim como no Brasil existem piadas de português, em Portugal existem piadas de alentejano. Eles são considerados “lentos” demais... No Alentejo a paisagem é pobre, a vegetação é de um verde sujo, sem cor viva, e em muitas áreas se cria gado.

-Em Vila Viçosa, onde está o Palácio Ducal (dos duques de Bragança), a memória da poetisa portuguesa Florbela Espanca é lembrada não só no centro da pequena cidade (em que há um marco assinalando o local onde havia a casa em que ela nasceu) mas também no cemitério, onde está o seu túmulo, revestido de mármore, logo na entrada. Aqui vale uma observação crítica que tem a ver com a nossa dependência cultural anglo-saxônica: nos dois guias de Portugal que li sobre os pontos que iria visitar nessa viagem, um publicado originalmente pela DK- Dorling Kindersley e outro pela Lonely Planet -- apesar de serem muito bons e informativos -- não fizeram nenhuma referência a ela, certamente por menosprezarem seu papel na literatura portuguesa. O mesmo aconteceu com a poetisa galega Rosalía de Castro, não mencionada nos dois guias sobre a Espanha daquelas editoras, na parte relativa à região de Santiago de Compostela. Mas vi em Lugo um busto em sua homenagem. A propósito, o nome desta cidade, fundada pelos romanos e que guarda várias relíquias deles, deriva de Lucus Augusti.

-Em León vi uma casa projetada por Gaudí, a Casa de Botines, mostrando que não é só em Barcelona que há trabalhos desse arquiteto.

-Notei, ao longo da viagem em Portugal, muitas curiosidades léxicas. Por exemplo, usam a palavra rotunda em vez de rotatória, sapataria é a loja que vende sapatos, puto é sinônimo de criança, pastel de bacalhau é o que chamamos de bolinho de bacalhau, portagem é pedágio, autocar é ônibus, eléctrico é bonde, alfarrabista é sebo etc etc

- Em Fátima há, dentro de uma caixa de vidro, um pedaço do Muro de Berlim, para lembrar a profecia de uma das pastorinhas relacionada ao fim do comunismo ateu... Na área desse santuário, numa trilha lisa, pavimentada, vi várias pessoas andando apoiados não nos pés mas nos joelhos, e fazendo assim um longo percurso...

- Na cidade do Porto visitei uma famosa livraria, a Lello e Irmão, considerada uma das mais bonitas do mundo. Nosso guia nos disse que a autora do livros de Harry Potter era sua assídua frequentadora, e se inspirou nela para compor o cenário do primeiro livro da série.

- Visitei, próximo a Braga, o santuário do Bom Jesus do Monte. Chega-se a ele subindo uma longa escadaria (a concepção subjacente é a da ascensão espiritual do indivíduo). Muitas pessoas ali, de abrigo, pareciam aproveitar a ocasião para fazer o seu exercício físico rotineiro, mais preocupados com a saúde do corpo que da alma... No percurso há uma série de elementos antigos que chamam a atenção do visitante como as fontes dos Cinco Sentidos (em que a água ora sai dos olhos, ora da boca ou de outro órgão dos sentidos) e as diversas capelas, cada uma representando em seu interior uma cena da Via Sacra...

-Há um ditado que sintetiza Portugal e que registro aqui para não esquecer: “Em Lisboa as pessoas se divertem, no Porto trabalham, em Braga rezam e em Coimbra estudam”.

2. ESPANHA

-Na catedral de Santiago de Compostela há um grande incensório. Consta que ele era usado antigamente para atenuar o bodum dos peregrinos, após uma longa viagem, em que certamente eram poucas as oportunidades de se fazer a higiene pessoal... Porém mais grave que isso é a sujeira moral: no passado, a universidade local negava acesso a quem tivesse sangue mouro ou judeu. Como se vê, o racismo na Europa vem de longe...

-A siesta é um costume espanhol arraigado. Em León a loja de souvenirs só abria às 5 horas da tarde. Em Sevilha anotei este horário de funcionamento de uma livraria: manhã: 10 a 14 h; tarde: 17 a 21 h. Isso tem a ver também com o fato de que anoitece muito tarde na Espanha. Lembro que andava pela Plaza Mayor em Madri às 21 h e ainda havia a claridade do dia.

-Ao contrário das diversas línguas faladas na Espanha, em suas comunidades autônomas (relativamente), o euskera, falado no País Basco, é muito diferente de todas elas. Não é uma língua derivada do latim.

-Vi muitos cataventos nas planícies espanholas. Os moinhos de vento já estavam presentes na região de La Mancha no tempo de D.Quixote. Lembram que ele investiu contra um deles?... 30% da energia da Espanha é de origem eólica ou solar.

-Outra curiosidade da paisagem, também vista do ônibus. Frequentemente víamos, no alto dos postes de telecomunicações, grandes ninhos de cegonhas, com seus filhotes.

-Próxima à Basílica do Pilar, em Zaragoza (cidade cujo nome deriva de Caesaraugusta, do tempo dos romanos), havia um estabelecimento em que entramos para fazer um lanche. Quem nos atendeu foi uma brasileira de Recife chamada Luana. Goya nasceu perto dali. Há na cidade um museu que guarda um grande acervo de gravuras suas (águas-fortes).

-Uma constatação: nos cartões postais ou nos livros turísticos as atrações das cidades são mais bonitas. Senti isso ao ver a “Sagrada Família” de Gaudí em Barcelona, eternamente em construção (será concluída só em 2026!), de aparência prejudicada pelas gruas e andaimes. Isso ocorreu também com outros edifícios (como La Pedrera de Gaudí, que estava sendo restaurada). Também achei o palácio de Alhambra, em Granada, mais bonito nos cartões postais e nas fotos do que na realidade...

-Em Peñíscola há um castelo-fortaleza no topo da colina, construído pelos cavaleiros templários. Nele residiu Pedro de Luna, o “Papa Luna”, que tomou o nome de Benedito XIII e foi deposto (informações do guia DK). Subi até o alto do castelo e tive uma ampla visão do mar. Senti-me então como um antigo habitante da península ibérica, vigilante, e disse para mim mesmo: “Não há mouro na costa!”.

-Notei que nas principais cidades espanholas, muito antigas e com extensas áreas históricas (geralmente integrantes do Patrimônio Cultural da Humanidade, conforme a UNESCO), há sempre alguma área ou monumento bem moderno. Em Valência vê-se a futurista Cidade das Artes e da Ciência, de impactante beleza, projetada pelo arquiteto Santiago Calatrava. Em Sevilha há o mirante Metropol Parasol. Em Bilbao o museu Guggenheim, todo de titânio. Sem falar de Barcelona, que além dos trabalhos cativantes de Gaudí e outros arquitetos, também tem monumentos e edifícios mais recentes.

-Em Madri os torcedores do Atlético ou do Real Madrid costumam comemorar suas vitórias na praça de Cibeles, adornando a deusa grega com os símbolos dessas agremiações. Foi o que aconteceu em 25 de maio último, com a vitória do Real Madrid.

-Marbella, à beira do Mediterrâneo, mostra que os mouros voltaram a invadir a península ibérica. As casa ali, na chamada Costa do Sol, são na maioria de milionários árabes. Em Porto Banus, um “porto desportivo”, andamos pela rua principal. De um lado estão os iates atracados, do outro, as lojas de famosas grifes. Não é uma rua para se fazer compras e sim para observar. Foi classificada pela nossa guia espanhola como do tipo “Miranda” (Mira e anda!).

-Em Sevilha, o Arquivo de Indias guarda preciosos documentos relativos às relações entre a metrópole espanhola e suas colônias americanas, os quais estão sendo todos digitalizados, o que permitirá a realização de pesquisas históricas à distância.

- Em Palos de la Frontera vimos o local de onde Colombo partiu, em 3 de agosto de 1492, para descobrir a América (em 12 de outubro: levou portanto 2 meses e 9 dias para atravessar o Atlântico!). No local, há um museu a céu aberto, com as réplicas da Santa Maria, Pinta e Niña, a “nau capitânia” e as duas caravelas, que impressionam o visitante pelo seu diminuto tamanho para enfrentar as tempestades do alto mar. Próximo dali, há o Mosteiro de la Rábida, em cujas salas Colombo teria estado, em conversação com os frades franciscanos do Mosteiro. Na mesma região, há um monumento recente, comemorativo dos 500 anos do descobrimento da América. (2014)


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